Monitoramentos por tornozeleira eletrônica crescem 54% no Ceará, em 4 anos

Em contrapartida, a população carcerária cearense diminuiu 10% no mesmo período

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
Número de pessoas monitoradas por tornozeleira eletrônica no Ceará chegou a 9.134, em fevereiro de 2024
Legenda: Número de pessoas monitoradas por tornozeleira eletrônica no Ceará chegou a 9.134, em fevereiro de 2024
Foto: José Leomar

O Sistema Penitenciário cearense passa por transformações: ano após ano, aumenta o número de egressos monitorados por tornozeleira eletrônica; ao passo que diminui o número de pessoas reclusas nas unidades penitenciárias. Para advogados ouvidos pela reportagem, não há uma política de desencarceramento no Estado, mas sim um esforço do Sistema de Justiça para não aumentar a população carcerária.

Números da Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização do Ceará (SAP) apontam que, em um intervalo de quatro anos, o monitoramento por tornozeleira eletrônica cresceu 54,6% no Ceará - ao passar de 5.907 pessoas monitoradas em fevereiro de 2020 para 9.134, em fevereiro de 2024; enquanto a população carcerária caiu 10,4%, no mesmo período (ao diminuir de 24.035 pessoas presas para 21.512).

Confira os números dos últimos anos:

Conforme o último Boletim Mensal da SAP, de fevereiro deste ano, as unidades prisionais cearenses somam 20.645 homens presos e 867 mulheres presas. A Unidade Prisional Professor José Jucá Neto (UP-Itaitinga 3) - antiga CPPL III - tem o maior número de detentos em um presídio: 1.835 internos.

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ativações de novos usuários do monitoramento eletrônico também foram registradas, em fevereiro de 2024, segundo o Boletim. Passaram a ser monitorados 448 presos condenados, 383 presos provisórios (que não têm condenação) e 116 pessoas envolvidas com crimes previstos pela Lei Maria da Penha (por violência contra a mulher).

Um dos egressos do Sistema Penitenciário, que passou a ser monitorado por tornozeleira eletrônica, foi o ex-policial militar Mayron Myrray Bezerra Aranha, acusado de participar do assassinato do ex-prefeito de Granjeiro, João Gregório Neto, o 'João do Povo', em dezembro de 2019. O réu foi solto por decisão do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), no dia 20 de fevereiro último, com aplicação de medidas cautelares - como o uso do monitoramento eletrônico.

Questionada sobre o assunto, a Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização emitiu nota em que atribui a diminuição da população carcerária também a outros fatores, além do aumento do uso de tornozeleiras eletrônicas.

"A Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização informa que já encaminhou, desde janeiro de 2019, mais de 180 mil revisões processuais. Além disso, a SAP comunica que, neste mesmo período, foram construídas 105 novas salas de vídeoconferências para uma comunicação ágil entre Poder Judiciário e pessoas privadas de liberdade. Por fim, a Pasta também informa que foram adquiridas mais de 150 viaturas novas, armamento e treinamento para a ampliação e eficiência das escoltas de acesso à Justiça. Todas essas ações combinadas reduziram a população privada de liberdade do Ceará de mais de 30 mil pessoas em 2018 para pouco mais de 21 mil neste ano", explica a Pasta.

A reportagem também procurou o Tribunal de Justiça do Ceará para ouvir as Varas de Execução Penal, mas não obteve retorno do Órgão até a publicação desta matéria.

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Política de desencarceramento?

Três advogados ouvidos pelo Diário do Nordeste acreditam que não há uma política de desencarceramento no Ceará. A presidente do Conselho Penitenciário do Ceará (Copen-CE), advogada Ruth Leite Vieira, analisa que "a pandemia trouxe a oportunidade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentar a saída antecipada. Com isso, em 2020 e 2021, muitos presos foram liberados com tornozelamento e outras medidas cautelares. Houve um amadurecimento do Judiciário que passou a aderir com mais afinco a alternativas da prisão".

O ex-presidente do Copen e do Conselho Estadual de Segurança Pública (Consesp), advogado Leandro Vasques, lembra que o Brasil adotou o monitoramento eletrônico em 2010. "Em 2017, só 1% dos presos usavam monitoramento eletrônico. De 2021 para frente, praticamente 10% dos presos são monitorados. Isso se deve a uma política de amadurecimento, porque se verificou que o cárcere é nocivo. As facções criminosas surgem dentro do âmbito prisional, em razão do ócio que prevalece no cárcere brasileiro", corrobora.

Há uma política criminal em que o Poder Judiciário tem adotado com mais inclinação que é de buscar para os delitos menos gravosos, especialmente aqueles praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, se dê a oportunidade para que o indivíduo seja monitorado eletronicamente, determinando um perímetro ao qual ele se submete e evitando que ele ocupe mais um espaço no Sistema Penitenciário, que está superlotado."
Leandro Vasques
Advogado

Já o presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal no Ceará (Anacrim-CE), advogado Alexandre Sales, afirma que, "com a pandemia, os Tribunais começaram a adotar as práticas que são elencadas no artigo 319 do CPP (Código de Processo Penal), que são as medidas cautelares diversas da prisão. Esse artigo diz que a prisão é uma exceção, e não a regra. Se existirem medidas diversas suficientes para garantir que a justiça vai ser feita, não precisa a pessoa estar presa. Tem o monitoramento eletrônico, não poder frequentar bares e festas, ficar em casa à noite... são medidas que têm se mostrado suficientes".

Ruth Vieira acrescenta que, com a maior adesão ao monitoramento eletrônico, o Estado do Ceará investiu na aquisição de mais tornozeleiras, o que julga uma "medida bem mais barata para o Estado e menos gravosa para a sociedade, embora ainda tenha muitos problemas no acompanhamento  dessas pessoas". "Trata-se de um primeiro passo numa evolução importante: fazer a sociedade entender que o aprisionamento não é um remédio eficaz e aumenta a violência contra a própria sociedade, pois não rompe um círculo nefasto", conclui.

Alexandre Sales pondera que o aumento do uso de tornozeleiras eletrônicas "está indiscriminado, até". "Por exemplo, crimes sem violência, não precisavam do monitoramento eletrônico, mas estão aplicando. Mas, como é uma cautelar diversa da prisão, o interessante é que a pessoa não esteja presa", justifica.

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