Mais da metade das meninas mortas em 2018 no Ceará haviam sido ameaçadas

Pesquisa realizada pelo Comitê de Prevenção e Combate à Violência acrescenta que esses processos se davam por meios digitais, verbalmente e por telefone; homicídios de adolescentes do sexo feminino cresceram em dois anos

Escrito por Cadu Freitas , cadu.freitas@svm.com.br
SEGURANÇA
Legenda: Em 2018, 114 meninas, entre 10 e 19 anos, foram mortas no Ceará; 42% a mais do que em 2017
Foto: Galba Nogueira/Comitê de Prevenção

Quem diria que Maíra Santos da Silva, de 15 anos; Maria Tatiana da Costa Ferreira, de 17; e Brenda Oliveira de Menezes, 19, perderiam suas vidas em uma noite comum nas proximidades de uma casa de shows? Elas estavam no lugar errado e na hora errada quando homens encapuzados chegaram nas proximidades do Forró do Gago, nas Cajazeiras, e retiraram suas vidas e de mais 11 pessoas. Era 27 de janeiro de 2018.

Só naquela noite, três meninas foram assassinadas em apenas uma rua de Fortaleza, mais até do que outros 154 municípios cearenses, que nem sequer registraram essa marca dolorosa. Essa dor, que perpassa os corações das mulheres que ficaram, lembra que esses crimes aumentaram sobremaneira naquele ano. Em 2018, 114 meninas, entre 10 e 19 anos, foram mortas no Ceará; 42% a mais do que em 2017, quando foram registrados 80 homicídios; e 322% maior que em 2016, ano em que foram somados 27.

Os dados constam no relatório "Meninas no Ceará: a trajetória de vida e de vulnerabilidade de adolescentes vítimas de homicídio". A pesquisa será lançada nesta sexta-feira (25) pelo Comitê de Prevenção e Combate à Violência, da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará. Nas 272 páginas do estudo, realizado por um grupo de pesquisadoras mulheres, informações que deveriam chocar e induzir políticas públicas de proteção.

As pesquisadoras constataram que 56,86% dessas adolescentes assassinadas haviam sido ameaçadas antes de falecerem. Dessa quantidade, metade havia recebido esse tipo de mensagem por meio de redes sociais. Além disso, elas também sofreram ameaças verbalmente e por telefone.

De acordo com a coordenadora do estudo, Daniele Negreiros, essa pesquisa mostra que "cão que ladra morde".

"Esse número pode ser maior, falando de mães, de avós, de primas e irmãs que souberam que suas parentes foram ameaçadas antes de morrer - e ele supera 50%. Então já é algo que deve nos saltar aos olhos", argumenta.

Para a socióloga do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), Suiany de Moraes, o problema "é que não existe uma rede de proteção. Ela não chega efetivamente a proteger a vida de quem corre risco. Isso é uma coisa que esse dado exacerba. O que o relatório está mostrando é que essa menina já foi ameaçada algumas vezes, e o sistema de segurança pública não conseguiu se anteceder a esse fato", pontua.

É pelo viés das redes de proteção que o Comitê acredita que esse número de homicídios pode ser reduzido, pois, segundo Daniele Negreiros, é preciso garantir "o fortalecimento das redes de atendimento e proteção nos espaços virtuais, comunitários, institucionais e familiares. Porque em todos esses lugares, essas meninas são violentadas e são ameaçadas", avalia.

Vínculos e escola

O relatório constatou que as jovens são mortas especialmente por causa de relações afetivas, sejam elas amorosas, de amizade ou familiares, embora uma em cada três delas não tivessem conflitos no bairro onde moravam.

Segundo Daniele, essa leitura demonstra um outro problema: a ausência de tipificação desses crimes como feminicídios. "Ainda que tenha a presença de relações afetivas, como namoro, ex-namoro, não são vistas desta forma, e isso fala do não investimento dessa investigação e da elucidação desses crimes", diz.

Suiany corrobora com a leitura do relatório e afirma:

"A causa da morte dessas meninas está relacionada ao fato de elas serem mulheres, de tentarem ter um controle do corpo delas e com quem ela pode ou não se envolver. Isso é um marcador de gênero muito claro. O homem não é assassinado porque se envolveu com uma menina"

O estudo também encontrou que, embora 78,33% das meninas tivessem ensino fundamental completo, 58,06% não frequentavam a escola. Para a pesquisadora Roberta Castro, a situação é ainda pior porque a maioria dessas adolescentes assassinadas não realizavam atividades extracurriculares. "É como se a escola não oferecesse, para além da questão formal, ações que despertassem interesse dessas meninas estarem mais naquele ambiente".

Tanto que os dados contam que a maioria das vítimas de homicídio não integravam grêmios estudantis, grupos religiosos, equipes esportivas, grupos de artes ou de movimentos políticos.

Redução

Em nota, a SSPDS informou que reduziu em 62,3% os números de homicídios desse público no ano de 2019, registrando 43 casos, contra 114 em 2018. Segundo a Pasta, para evitar esse tipo de crime, foi criado o Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV) da Polícia Civil, e ampliado o número de delegacias do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de cinco para 11 ainda em 2017.

"A SSPDS salienta que foca nas ações de territorialização nas regiões onde são registrados os maiores índices de crimes contra a vida, bem como atua com o fortalecimento da polícia investigativa nesses locais para coibir a atuação e a disputa entre organizações criminosas", escreve a Secretaria, ao pontuar a existência das bases do Programa Proteger, iniciado em 2017, com 27 pontos distribuídos entre Capital e Região Metropolitana.

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