Fraudes a licitações movimentaram cerca de R$ 600 milhões, diz PF
Um ex-deputado federal e estadual foi preso em flagrante por lavagem de dinheiro. Conforme a Polícia Federal, a organização criminosa fraudou licitações para locação de veículos da Prefeitura de Fortaleza por 20 anos
Uma organização criminosa, liderada por um ex-deputado federal e estadual pelo Ceará, movimentou cerca de R$ 600 milhões, com fraudes a licitações da Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF), durante 20 anos, segundo uma investigação da Polícia Federal (PF). O político foi preso em flagrante, na posse de R$ 2 milhões em espécie, na deflagração da segunda fase da Operação Km Livre, ontem. Agentes públicos seguem investigados.
A PF não revelou a identificação do suspeito, mas confirmou que a apreensão do dinheiro se deu no mesmo endereço alvo de buscas na primeira fase da Operação, deflagrada em setembro de 2016. Trata-se de uma empresa de locação de veículos, no Bairro de Fátima, em Fortaleza, que tinha o ex-deputado Adail Carneiro como proprietário. O político e a defesa dele não foram localizados para comentar a investigação.
De acordo com a PF, as fraudes ocorriam em licitações públicas para locação de veículos em diversas secretarias, o que perpassou diferentes gestões da Prefeitura de Fortaleza durante duas décadas, inclusive nos mandatos de Luizianne Lins (PT) e de Roberto Cláudio (PDT). Procurada, Luizianne não se manifestou sobre a Operação até o fechamento desta matéria.
Já a gestão Roberto Cláudio considerou, em nota, "não saber do que trata a operação, visto referir-se apenas de uma investigação em torno de uma empresa privada, sem que nenhum servidor público municipal ou órgão da administração do Município tenha sido alvo da operação". "Como sempre, a gestão posiciona-se em apoio a toda e qualquer operação séria e isenta que investigue o uso de recursos públicos", completou.
Esquema
O delegado regional de Combate ao Crime Organizado, da Polícia Federal, Alan Robson Alexandrino, sintetiza que a Operação Km Livre investiga "uma organização criminosa que atua em licitações, com contratos de locação de veículos. E desses contratos, gerando desvio de recursos públicos e a consequente lavagem de dinheiro".
"Essas empresas utilizavam empresas tituladas por interpostas pessoas, que a gente chama de 'laranjas', para participarem de um mesmo certame licitatório, forjando uma concorrência fictícia. Uma dessas empresas, controladas pela organização criminosa, vencia o processo e, a partir daí, eram celebrados contratos para a prestação desse serviço de locação de veículos", detalha o delegado federal Joécio Duarte de Holanda, coordenador da Operação.
Segundo a PF, a organização criminosa se utilizou de três empresas, que se revezaram no serviço de locação de veículos à Prefeitura, durante os 20 anos. Uma delas presta serviço até hoje, em razão de um processo licitatório ocorrido em 2019, com recursos federais. A Controladoria Geral da União (CGU) auxiliou a investigação da PF.
A lavagem de dinheiro seria realizada com a aquisição de imóveis, empresas e transações no mercado financeiro. Conforme a investigação, há fortes evidências da compra ilícita de corretoras de valores e de participação em sociedades do ramo de energia eólica no Ceará.
Apreensões
Durante a segunda fase da Operação Km Livre, a Polícia Federal cumpriu 27 mandados de busca e apreensão ontem, distribuídos nos municípios de Fortaleza (15 mandados), Caucaia (um) e Russas (cinco), no Ceará; Mossoró (quatro), no Rio Grande do Norte; e no Rio de Janeiro (dois mandados).
Em um dos alvos, a locadora de veículos no Bairro de Fátima, foram encontrados R$ 2 milhões em espécie escondidos em caixas de papelão. Já em uma corretora de valores, foram apreendidos ouro, moeda estrangeira e títulos imobiliários, no Leblon, bairro nobre do Rio de Janeiro.
Na primeira fase da Operação, deflagrada no dia 9 de setembro de 2016, a PF também apreendeu um valor milionário em espécie: R$ 6 milhões, na mesma sede da locadora de veículos. O dinheiro não era declarado à Receita Federal, segundo as investigações.
Na ocasião, Adail Carneiro era deputado estadual e tinha foro privilegiado. Por isso, a ordem de busca e apreensão teve que ser determinada pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF). O político alegou, à época, que estava afastado da empresa - pertencente à sua família - e que o dinheiro apreendido tinha origem lícita.