Expulsões e falta às aulas: 'guerra' entre facções impacta rotina de famílias na Grande Fortaleza
Polícia reagiu com a captura de 20 suspeitos e a apreensão de 18 armas de fogo, somente em cinco ações policiais
O acirramento da 'guerra' entre duas facções criminosas em Fortaleza e na Região Metropolitana (RMF) impactou na vida de moradores, em vários pontos das periferias, nas últimas semanas: famílias foram expulsas e estudantes deixaram de ir às aulas, por medo.
A reportagem apurou, com fontes da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), que uma nova facção cearense intensificou os esforços para tomar territórios de domínio de uma organização criminosa carioca, o que tem causado confrontos por dias seguidos.
Há registros de tiroteios entre os grupos criminosos nos bairros Conjunto Palmeiras, Jangurussu e Barra do Ceará, em Fortaleza; e no Parque Leblon, em Caucaia, nos últimos dias.
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A Polícia teve que reagir. Em cinco ações policiais desenvolvidas nos últimos 8 dias nessas regiões, 20 suspeitos foram capturados e 18 armas de fogo foram apreendidas - sendo 7 de grosso calibre.
"Para a gente entender essa disputa, é preciso fazer um histórico. No Estado do Ceará, existe uma facção criminosa carioca, e essa facção, no final de 2021 e início de 2022, teve um racha entre os seus líderes, muito em virtude do trabalho da Draco e da prisão de alguns líderes. Os remanescentes divergiram das ideias, houve um racha, e originou-se uma facção criminosa local", explicou o titular da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), da Polícia Civil do Ceará (PC-CE), delegado Alisson Gomes.
"Essas organizações criminosas passaram a disputar o domínio dos territórios, sobretudo pelo tráfico de drogas, que é o principal motor financeiro que abastece essas facções. A Draco buscou mapear essa movimentação, essa sucessão, quem ficou de um lado e do outro, para intensificar suas ações e arrefecer os crimes violentos", revelou.
Um dos resultados das investigações da Draco sobre a guerra entre as facções foi a prisão de Danilo de Sousa Rios, o 'Ferrari', em Balneário Camboriú, Santa Catarina, em 15 de junho último. Ele teria deixado a facção carioca para ser uma das lideranças do novo grupo criminoso, em Itapipoca, no Interior do Estado, e estaria ordenando mortes dos rivais à distância, enquanto levava uma vida de luxo.
'A gente tem medo de sair de casa', diz moradora
Moradores de diversos bairros onde há o conflito entre as duas facções relataram à reportagem o medo de trafegar, nas últimas semanas.
"A gente tem medo de sair em algumas horas de casa, com medo dos tiroteios. Preocupação direto, principalmente com as crianças", afirma uma moradora da Barra do Ceará, que não quis se identificar.
Já uma moradora do bairro Conjunto Palmeiras (que também teve a identidade preservada) revela que "teve caso de família expulsa. Porque tinham pessoas da família que eram de outro grupo. Mas isso afeta todo mundo. Fica todo mundo com medo."
Devido à intensificação do conflito, com tiroteios em vários dias seguidos, dezenas de pais de alunos deixaram de levá-los para uma escola da Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF), localizada no Grande Jangurussu, entre a última segunda-feira (26) e terça (27). A escola não será identificada na matéria, para preservar a segurança dos que frequentam a unidade.
"A situação nunca tinha chegado nesse nível. Começou desde sexta-feira (dia 23, o tiroteio), que teve uma tentativa de homicídio. E na segunda-feira (dia 19), começaram os relatos que uma facção queria tomar aqui a região", relatou um morador, que preferiu não se identificar.
Nos grupos do bairro, surgem informações que deixam a gente mais inseguro, porque a gente não sabe se é verídico. Rolava (a informação) que morador de um bairro não deveria transitar para outro."
Procurada sobre a situação da escola, a Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza (SME) garantiu, em nota, que as aulas "seguem ocorrendo regularmente". Entretanto, ponderou que, "visando a manutenção da segurança no entorno do equipamento, a SME solicitou reforço na frota de agentes da Guarda Municipal de Fortaleza, que já realiza trabalho na região".
Também questionada, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará não comentou as expulsões das famílias por facções nem o medo de pais levarem os filhos a escola. Mas a Pasta ressaltou que "segue focando em ações estratégicas voltadas para a identificação e captura de chefes de grupos criminosos. Os trabalhos desenvolvidos têm o intuito de reprimir o tráfico de drogas no Estado e, desta forma, descapitalizar organizações criminosas que possuem a comercialização de ilícitos como a principal fonte de renda. Impactando, consequentemente, na redução de crimes em todo o Estado".
Somente nos cinco primeiros meses de 2023, o Ceará apresentou uma retração de 7,7% nos Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs). Em maio deste ano, a retração foi de 15,6%. Vale ressaltar também que, de janeiro a 25 de junho deste ano, as Forças de Segurança do Estado retiraram 2.509,63 quilos de substâncias ilícitas de circulação, com um aumento de 44,17%. O mesmo ocorreu com as prisões em flagrante por tráfico de drogas, quando no mesmo período deste ano, 2.749 pessoas foram capturadas. O aumento é de 11,8%."
Reação policial com prisões e apreensões
As Forças de Segurança precisaram reagir e intensificaram o policiamento nos "pontos quentes" da 'guerra' entre as facções. Na primeira ação de grande impacto nos últimos 8 dias, quatro homens foram presos pelo Comando Tático Motorizado (Cotam), da Polícia Militar do Ceará (PMCE), com três pistolas, 108 munições, aparelhos celulares, nove papelotes de cocaína e dois veículos, no Conjunto Palmeiras, na última quarta-feira (21).
Pouco tempo depois, um homem foi detido com uma pistola calibre 9mm, 60 munições e uma balaclava, no mesmo bairro, em abordagem realizada por uma equipe do Comando de Policiamento de Rondas de Ações Intensivas e Ostensivas (CPRaio).
suspeitos de integrar uma facção - sendo nove adultos e dois adolescentes - foram capturados pela Polícia Militar em uma área de mangue, no Parque Leblon, na quinta-feira (22).
Com a quadrilha, foram apreendidas oito armas de fogo: um fuzil calibre 556, um rifle calibre 22, quatro pistolas, duas armas de fabricação artesanal (inclusive uma submetralhadora) e cerca de 367 munições de diversos calibres. A ação policial contou com auxílio de uma aeronave da Coordenadoria Integrada de Operações Aéreas (Ciopaer) e uma embarcação de patrulha no Rio Ceará.
No terceiro dia seguido, a PMCE capturou quatro jovens (dois maiores de idade, de 19 anos, e dois adolescentes de 17 anos) suspeitos de integrar uma organização criminosa e apreendeu duas armas de fogo (uma espingarda e uma pistola), além de dois simulacros – entre eles um de fuzil -, 34 munições, duas balaclavas, duas capas de coletes balísticos e uma pequena quantidade de cocaína. A ação do CPRaio aconteceu no bairro Potira, em Caucaia, na última sexta (23).
Paralelamente, policiais militares do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM), com apoio do CPRaio, encontraram quatro armas de fogo e 34 munições de diversos calibres, escondidos em duas mochilas que foram localizadas no bairro Tabapuazinho, também em Caucaia. A Polícia procura pelos proprietários do armamento.