De tráfico de drogas a extorsão: 14 PMs são condenados a 194 anos de prisão por vários crimes no CE
Dez policiais militares acusados de integrar a organização criminosa também foram punidos com a perda do cargo público. Outros três agentes foram absolvidos de todas as acusações
Uma investigação contra uma organização criminosa formada por policiais militares, ligados a traficantes, resultou na condenação de 14 PMs na Justiça Estadual, a uma pena total superior a 194 anos de reclusão, pelo cometimento de diversos crimes, como tráfico de drogas, extorsão e corrupção. Dentre eles, dez policiais também foram punidos com a perda do cargo público. Outros três agentes foram absolvidos de todas as acusações do processo.
A Vara da Auditoria Militar do Ceará julgou procedente em parte o pedido do Ministério Público do Ceará (MPCE) para condenar 17 réus, na última quinta-feira (22). A junta formada por um juiz de Direito e quatro oficiais da Polícia Militar do Ceará (PMCE) decretou ainda a prisão preventiva dos três praças que receberam as maiores penas de reclusão, Jeovane Moreira Araújo, Oziel Pontes da Silva e Paulo Rogério Bezerra do Nascimento.
O grupo de militares foi alvo da Operação Gênesis, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPCE. A denúncia elencou 26 fatos criminosos cometidos pelos policiais acusados, e a Justiça considerou que a prova documental "aponta de forma suficiente a existência de uma organização criminosa". A reportagem não localizou as defesas dos réus para que comentassem acerca da decisão.
Segundo as investigações, os militares, munidos de informações privilegiadas dos sistemas da Polícia, se uniam a pequenos e médios traficantes para cometer crimes diversos. "Há evidências claras da existência do vínculo entre os civis apontados acima, denotando a existência da organização, onde o objetivo era a prática de crimes diversos", concluiu a Justiça.
As defesas dos réus alegaram, nos Memoriais Finais, que a denúncia do Ministério Público foi genérica e que não há provas do cometimento dos crimes, segundo a sentença judicial.
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Confira as penas individuais:
Réus condenados por crimes diversos:
- Alan Kilson Pimentel de Sousa - condenado a 1 ano e 1 mês de reclusão (em regime aberto), por tráfico de drogas; e absolvido do crime de peculato;
- Auricélio da Silva Araripe - condenado a 3 anos e 3 meses de reclusão (em regime aberto), por peculato;
- Francimar Barbosa Lima - condenado a 8 anos de reclusão (em regime inicialmente semiaberto), por extorsão; e absolvido do crime de tráfico de drogas em lugar sujeito à administração militar;
- Francisco Clébio do Nascimento Alves - condenado a 16 anos e 8 meses de prisão (em regime inicialmente fechado), por extorsão, integrar organização criminosa e comércio ilegal de arma de fogo; absolvido do crime de tráfico de drogas em lugar sujeito à administração militar
- Glaydson Eduardo Saraiva - condenado a 5 anos e 6 meses de reclusão (em regime inicialmente semiaberto), por corrupção passiva e peculato; absolvido do crime de tráfico de drogas em lugar sujeito à administração militar; além de ter a pretenção punitiva por prevaricação prescrita;
- Jeovane Moreira Araújo - condenado a 102 anos e 5 meses de prisão (em regime inicialmente fechado), por extorsão, receptação, tráfico de drogas, associação para o tráfico, peculato, corrupção passiva, corrupção ativa e comércio ilegal de arma de fogo; absolvido dos crimes de tráfico de drogas em lugar sujeito à administração militar e peculato; além de ter a pretenção punitiva por prevaricação prescrita;
- José Célio Ferreira Cavalcante - condenado a 6 anos e 6 meses de reclusão (em regime inicialmente semiaberto), por comércio ilegal de arma de fogo; e absolvido do crime de integrar organização criminosa;
- José Valmir Nascimento da Silva - condenado a 6 anos e 6 meses de reclusão (em regime inicialmente semiaberto), por comércio ilegal de arma de fogo;
- Lázaro César Lima de Aguiar - condenado a 1 ano e 1 mês de reclusão (em regime aberto), por tráfico de drogas em lugar sujeito à administração militar; e absolvido do crime de integrar organização criminosa;
- Mauro Jorge Pereira Maia - condenado a 6 anos e 6 meses de reclusão (em regime inicialmente semiaberto), por comércio ilegal de arma de fogo;
- Oziel Pontes da Silva - condenado a 13 anos e 3 meses de prisão (em regime inicialmente fechado), por extorsão, corrupção passiva e peculato; absolvido do crime de tráfico de drogas em lugar sujeito à administração militar; além de ter a pretenção punitiva por prevaricação prescrita;
- Paulo Rogério Bezerra do Nascimento - condenado a 12 anos e 10 meses de prisão (em regime inicialmente fechado), por extorsão, tráfico de drogas e associação para o tráfico;
- Sanção Ferreira Cruz - condenado a 6 anos e 6 meses de reclusão (em regime inicialmente semiaberto), por comércio ilegal de arma de fogo e por vender substâncias nocivas à saúde pública; e absolvido do crime de prevaricação;
- Stênio Pinto Estevam Batista - condenado a 4 anos e 4 meses de reclusão (em regime inicialmente semiaberto), por integrar organização criminosa.
Réus absolvidos de todas as acusações:
- José Alessandro dos Santos - absolvido de extorsão e do crime de tráfico de drogas em lugar sujeito à administração militar;
- Francisco Rutênio Gomes de Araújo - absolvido do crime de integrar organização criminosa;
- Marcílio Nascimento Farias - absolvido dos crimes de tráfico de drogas e peculato.
Punidos com a perda do cargo público:
- Auricélio da Silva Araripe;
- Glaydson Eduardo Saraiva;
- Jeovane Moreira Araújo;
- José Célio Ferreira Cavalcante;
- José Valmir Nascimento da Silva;
- Mauro Jorge Pereira Maia;
- Oziel Pontes da Silva;
- Paulo Rogério Bezerra do Nascimento;
- Sanção Ferreira Cruz;
- Stênio Pinto Estevam Batista.
Todos os PMs punidos com a perda do cargo público são praças (militares com a patente de soldado a sargento). Quanto aos dois oficiais condenados, os tenentes Francimar Barbosa Lima e Francisco Clébio do Nascimento Alves, a Auditoria Militar definiu que o Ministério Público pode representar para a perda dos cargos.
Os policiais militares Jeovane Moreira Araújo, Auricélio da Silva Araripe e Glaydson Eduardo Saraiva já haviam sido expulsos da Corporação pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD).
Como funcionava a organização criminosa
A sentença judicial descreve, com base na denúncia do Ministério Público do Ceará, que, "no período de junho de 2016 a setembro de 2017, a organização criminosa sob o comando do 1º SGT PM Jeovane Moreira Araújo, composta por agentes públicos militares e por pequenos e médios traficantes locais, cometeram, em tese, diversas infrações penais graves como extorsões, roubos, tráfico ilícito de entorpecentes, associação para o tráfico, corrupção passiva e comércio irregular de armas e munições".
"Assevera a narrativa prefacial que as tarefas dos componentes da referida estrutura criminosa eram bem específicas, sendo o núcleo dos agentes públicos militares responsável por prestar apoio aos demais membros, com o escopo de neutralizar a concorrência da venda de drogas ilícitas, ao mesmo tempo em que se aproveitavam das suas funções e do aparato estatal para se locupletarem com propinas por eles exigidas e informações privilegiadas."
A organização criminosa se utilizava de sistemas e da farda da Polícia Militar para realizar abordagens policiais e apreensões de ilícitos, na Capital e na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). "Os bens por eles apreendidos, como entorpecentes e armamentos, eram vendidos e o montante apurado era dividido pelos associados. Tudo em plena luz do dia, muitas vezes, em pleno turno de trabalho, na certeza da impunidade do Estado", definiu a Justiça.
Em um dos fatos criminosos elencados pela denúncia, os policiais militares Jeovane Moreira, Oziel da Silva e Paulo Rogério e pelo menos dois ajudantes teriam praticado uma extorsão contra um homem que tinha um mandado de prisão em aberto, suspeito de furtos e roubos de veículos, em janeiro de 2016, no bairro Serrinha, em Fortaleza. A organização criminosa teria obtido, com a vítima, R$ 3 mil, uma arma de fogo e três carros, para não prendê-la.
Em outro episódio, Jeovane Moreira, Oziel da Silva e Glaydson Saraiva foram acusados de peculato, prevaricação e corrupção passiva, por se apropriarem de uma motocicleta roubada, durante uma abordagem policial, e por solicitarem o pagamento de vantagem financeira para não realizar a prisão do condutor do veículo. Os policiais teriam entrado em contato com membros de uma facção criminosa para pedir R$ 500, para não levar a ocorrência para a delegacia.
O que disse cada réu condenado:
- Alan Kilson Pimentel de Sousa - requereu absolvição por negativa de autoria e "pugnou pelo reconhecimento da nulidade da prova, em razão da inexistência de juntadas aos autos da decisão que autorizou as interceptações telefônicas e que essa ainda se deu em juízo comum, incompetente para tanto";
- Auricélio da Silva Araripe - não apresentou Memoriais Finais;
- Francimar Barbosa Lima - pediu "a nulidade da ação penal por ausência da decisão que determinou a interceptação telefônica e pela falta de juntada integral dos áudios das interceptações telefônicas, com ilicitude da prova. Disse, ainda, que não existem provas da autoria, pois não há prova que corrobore as interceptações";
- Francisco Clébio do Nascimento Alves - alegou que "é latente a fragilidade da denúncia, faltando nela a razão lógica para demonstrar a ocorrência dos delitos e a participação efetiva do defendente na conjectura dos crimes imputados, posto que as provas apuradas pelo Ministério Público, não são capazes de demonstrar sua efetiva ligação com os delitos investigados";
- Glaydson Eduardo Saraiva - pediu "a nulidade da ação penal por ausência da decisão que determinou a interceptação telefônica, com ilicitude da prova. Suscitou, ainda, a inépcia da inicial, por ausência de individualização das condutas. No mérito disse que 'não foi captada nenhuma conversa relacionada ao tráfico de drogas, peculato, prevaricação ou corrupção passiva'";
- Jeovane Moreira Araújo - não apresentou Memoriais Finais;
- José Célio Ferreira Cavalcante - alegou "ilegalidade da prova, em face da ausência de autorização judicial para as interceptações e, também, pela inexistência de trechos integrais dos diálogos interceptados, havendo quebra da cadeia de custódia e impossibilidade de acesso da defesa à integralidade das mídias. No mérito salienta que nenhuma outra prova foi produzida para confirmar a versão da denúncia";
- José Valmir Nascimento da Silva - alegou "inépcia da denúncia e a nulidade da prova emprestada, pois obtida com ofensa ao contraditório e ampla defesa. Aduziu, ainda, a nulidade da interceptação telefônica, pois não há fundamentação da decisão que autorizou a quebra do sigilo e das eventuais renovações. No mérito destaca a restrição do amplo acesso às provas e que houve omissão dos trechos integrais das conversas interceptadas";
- Lázaro César Lima de Aguiar - requereu absolvição por negativa de autoria e "pugnou pelo reconhecimento da nulidade da prova, em razão da inexistência de juntadas aos autos da decisão que autorizou as interceptações telefônicas e que essa ainda se deu em juízo comum, incompetente para tanto";
- Mauro Jorge Pereira Maia - alega "inépcia da denúncia e a nulidade das provas, em face da ausência de fundamentação das decisões que decretaram as quebras de sigilo. No mérito sustenta que a prova é precária e a conduta é atípica";
- Oziel Pontes da Silva - requereu absolvição por negativa de autoria e "pugnou pelo reconhecimento da nulidade da prova, em razão da inexistência de juntadas aos autos da decisão que autorizou as interceptações telefônicas e que essa ainda se deu em juízo comum, incompetente para tanto";
- Paulo Rogério Bezerra do Nascimento - pediu "a nulidade da ação penal por ausência da decisão que determinou a interceptação telefônica e pela falta de juntada integral dos áudios das interceptações telefônicas, com ilicitude da prova". "No mérito asseverou que não existem provas da autoria, pois a
- interceptação telefônica como prova isolada não pode ser aceita, pois é necessário que ela seja corroborada pelo menos por uma prova concreta da materialidade", completou;
- Sanção Ferreira Cruz - pediu "a nulidade das provas, em face da ausência de juntada das decisões que autorizaram as escutas e da respectiva ausência de fundamentação das referidas decisões e eventuais renovações. No mérito destaca a ausência de dolo e de culpabilidade, bem como a inexistência de provas da autoria";
- Stênio Pinto Estevam Batista - disse que "não restou provada autoria, pois o Ministério Público não cita sua participação em nenhum dos fatos descritos na denúncia".