Sinos marcam a religiosidade popular

Escrito por Redação ,
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Foto: Antônio Vicelmo

Os sinos fazem parte da cultura do povo, especialmente dos católicos que vivenciam a programação de suas paróquias. Os seus toques representam um elo de ligação entre o clero e seus fiéis, congregando a comunidade para situações diversas — religiosas ou profanas. Nas pequenas cidades e vilas do Interior, onde o barulho dos carros ainda não chegou, o sino ecoa de ponta a ponta, anunciando os eventos importantes da comunidade. Nas sedes das dioceses, os velhos sineiros lembram o código de cada toque. No Crato, o sineiro José Nunes, conhecido por “Zé de Zumba”, domina a arte de chamar os fiéis no tocar do sino da Sé Catedral. Na Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, em Sobral, os sinos tocam sempre às 5h30min e 16h30min, durante a semana, chamando os fiéis para a missa. É um toque sagrado que sai do alto da torre da Igreja e toma conta das ruas e das residências. Porém, em Juazeiro do Norte, os oito sinos da torre do Santuário de São Francisco estão mudos há quatro anos e não existe previsão de quando vão voltar a romper o silêncio para matar as saudades dos que moram no bairro da paróquia e adjacências. Hoje, eles só tocam quando acionados por cordas convidando os fiéis para as celebrações.

Na terça-feira, às 13 horas, o velho sacristão da Sé Catedral do Crato, José Nunes de Oliveira, 67 anos, conhecido por “Zé de Zumba” subiu, ofegante, a escada que dá acesso ao coro da Igreja Matriz e, em seguida, escalou a escada de ferro até chegar ao topo da torre, onde estão instalados os dois sinos. Imediatamente, acionou com uma corda os dois badalos, anunciando a eleição do papa Bento XVI. O som festivo dos sinos, intercalado com o carrilhão elétrico, estavam interpretando a linguagem litúrgica da Igreja Católica.

O catolicismo mantém vivo o costume de pontuar os acontecimentos do cotidiano com o toque dos sinos de suas igrejas e capelas. O sino é o despertador, o correio da boa e da má notícia. É o sino que anuncia a morte e a vida. Esta tradição teve origem na época colonial. À medida que os arraiais se desenvolviam, as primeiras capelas erguidas eram ampliadas ou transformadas em igrejas, ganhando torres nas quais um ou mais sinos eram fixados. O jornalista Huberto Cabral lembra que na década de 40, o padre Frederico, vigário da paróquia de São Vicente do Crato, desfilou, num carro de boi, nas ruas do Crato, com os sinos que acabara de comprar. “O mais curioso, o padre alemão estava cobrando mil réis por cada badalada. Era uma forma de ajudar a pagar os sinos”, explica Cabral.

Na verdade, os sinos fazem parte da cultura do povo. Eles representam um elo de ligação entre o clero e seus fiéis, congregando a comunidade para situações diversas, religiosas ou profanas. Quando nascia o filho de uma autoridade, o sino principal do local anunciava o feliz acontecimento, informando, ainda, o sexo da criança: se menino, ouvia-se nove pancadas no sino grande; se menina, sete pancadas no sino médio ou grande.

Para cada acontecimento existia um código sonoro estabelecido e conhecido por toda a comunidade, que se manteve preservado na memória do povo. Ainda hoje, homens, mulheres e crianças sabem interpretar a linguagem singular dos sinos, que convida para as missas e seus celebrantes, procissões e solenidades religiosas, nascimentos, falecimentos, enterros e datas comemorativas. Se a missa for festiva, há repique no início e final da celebração; se for solene, há repique com dobre duplo do sino grande. A hora do Ângelus é marcada por nove badaladas diárias durante todo o ano, exceto na sexta-feira e sábado santos. Na véspera de Natal, as igrejas que celebram a Missa do Galo tocam seus sinos simultaneamente, anunciando o nascimento de Jesus Cristo.

O sacristão Zé de Zumba tem um código pessoal que ele aprendeu com o seu antecessor, Vicente Feitosa. A missa das nove horas de domingo é anunciada a partir das 8h30min, com o sino mais grosso. Minutos depois, é acionado o toque mais fino. Porém, sem dúvida, o mais belo repique é tocado nos momentos festivos. Há, ainda, códigos especiais que marcam eventos importantes do calendário litúrgico. Na Semana Santa, todos os sinos da cidade emudecem na quinta-feira, no intervalo entre a Missa da Ceia do Senhor e a Missa da Vigília Pascal. Seja qual for o motivo, nenhum sino pode ser tocado durante este período. Os sinos são substituídos pela matraca.

A linguagem dos sinos é inseparável da linguagem musical. Os sinos possuem acordes completos, de acordo com as leis da harmonia. Mas a contribuição mais importante da música para a arte dos dobrados e repiques é o ritmo. É aí onde está a arte do velho sacristão.

Nas pequenas cidades e vilas do interior, onde o barulho dos carros ainda não chegou, o sino ecoa de ponta a ponta, anunciando os eventos importantes da comunidade. Nas sedes das Dioceses, os velhos sineiros lembram o código de cada toque. Quatro pancadas antes da missa é o vigário quem vai celebrar; cinco pancadas: é o bispo quem comanda a cerimônia; seis pancadas, quem celebra é o arcebispo. Este é um exemplo de como o sino orienta o fiel durante a liturgia católica. Ele avisa a hora do Ângelus e acompanha o canto do “Tantum ergum”.

“No universo barroco, a chegada da quaresma e a Semana Santa são os grandes momentos dos sinos. Durante esse período, a linguagem sineira explode numa inacreditável riqueza de ritmos e significados.

Num cotidiano sem as facilidades da comunicação contemporânea, o sino era o alerta da cidade. O toque dos sinos da agonia pedia reza para os moribundos. Caso a morte se confirme, ainda hoje o badalo anuncia o fato a todos. Nas ordens terceiras se o defunto fosse homem, três dobros anunciam o falecimento. Se morresse uma mulher, bastavam dois, afinal, diz o povo, a mulher é feita da costela de Adão.

É nesse cruzamento da religiosidade dos sinos com a cultura popular é que se pode ter a dimensão dos seus toques na vida da população. Como toda arte, tocar o sino também é mutante e se alimenta de criatividade. Mesmo que seja justo que os sineiros atuais contribuam com novos toques, os dobros e repiques do passado não podem se perder. O som alegre e triste está incorporado à cultura do povo.

Antônio Vicelmo
Sucursal Crato