Sem Expocrato pelo segundo ano, perdas econômicas afetam empresas, pequenos produtores e Prefeitura
No último ano do evento antes da pandemia, 2019, a movimentação de recursos chegou a R$ 60 milhões
Pelo segundo ano consecutivo, a Exposição Centro Nordestina de Animais e Produtos Derivados, a popular Expocrato, e o seu festival de música não acontecerão por causa da pandemia da Covid-19. Antes da chegada da doença, o evento vivia seu auge, após a reforma de ampliação do Parque Pedro Felício Cavalcanti e a participação de alguns dos principais artistas nacionais.
Com movimentação de R$ 60 milhões, em 2019, os impactos econômicos da falta do evento são extensos e afetam empresas, pequenos produtores rurais e até a gestão pública municipal, que arrecada impostos. O reflexo disso alcança o setor artístico, hoteleiro e também na geração de empregos.
Nesta época do ano, geralmente, todos os quartos de hotéis e pousadas de Crato e também da cidade vizinha de Juazeiro do Norte, já estariam reservados. Outro sintoma deste sucesso é que, nos últimos dez anos, o número de leitos quase dobrou, passando de 1.200 a 2.200, segundo estimativa da Secretaria de Turismo e Desenvolvimento Sustentável de Crato (Seturdes).
A exposição de animais e produtos derivados costumava reunir criadores, agropecuaristas, fazendeiros, grandes e pequenos produtores de todo o Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Alagoas, principalmente. Porém, nas últimas edições, já eram trazidos gado mineiro e paulista. Ao todo, cerca de 10 mil animais eram expostos, se consolidando como o principal evento do tipo no Norte-Nordeste do país.
Diferentemente do ano passado, quando a pandemia chegou e ainda havia muitas incertezas, desta vez, os organizadores da feira agropecuária já se reuniram com a perspectiva de o evento não acontecer, o que se confirmou há algum tempo.
“Quando nos reunimos, já imaginávamos que a vacina não surgiria em menos de um ano e levaria um tempo para realizar a vacinação. É um evento de grande porte e sabemos o perigo que ainda estamos passando. Diferente de eventos como vaquejada ou futebol, não dá pra imaginar uma feira agropecuária sem público. Ela precisa do seu público que é o comprador e, hoje, já atraía expositores de praticamente todo o Brasil”, ressalta o empresário.
Sem expor, alguns setores tiveram que se reinventar. No caso do segmento de máquinas e implementos agrícolas, a procura continuou a mesma, mas exigiu um maior engajamento nas redes sociais para divulgar seus produtos aos clientes. No caso das feiras de animais, os produtores de médio e grande porte conseguem realizar leilões e shoppings abertos em suas fazendas. O problema tem sido os pequenos criadores: “O pessoal de ovino e caprino vai ter mais dificuldade. De qualquer forma, teve que se adaptar”, pontua Gonzaga.
Agricultura familiar
Além dos criadores, a Expocrato se tornou importante espaço para a agricultura familiar. Dos produtores de cana de açúcar e mandioca e seus derivados, o impacto atinge mais de 100 famílias. No Sítio Malhada, no Assentamento São Silvestre, que coordena a casa de farinha dentro do Parque Pedro Felício Cavalcanti, são 60 pessoas da Associação Padre Frederico dependentes das vendas de tapioca, beiju, goma, farinha, entre outros. “É um trabalho de um ano inteiro”, ressalta o agricultor e presidente da associação José Ferreira.
A Associação estima um ganho de R$ 50 mil injetados diretamente em 11 famílias que cuidam da casa de farinha. “É um recurso para trabalhar, investir na comunidade. Uma renda garantida. Muitos fazem a compra antecipada confiando neste lucro”, descreve José.
Sem o evento, os agricultores estão apostando na venda dentro de sua própria comunidade. Durante a semana, produz goma e farinha e, aos sábados, a partir das 14h, recebe os clientes. Porém, isso apenas minimiza a ausência da Expocrato.
“Não conseguimos entrar em feiras e por isso a gente trabalha no sítio mesmo com a produção que era para abastecer os nove dias no parque”, conta.
Setor artístico impactado
O setor artístico é, de longe, o que mais sofre com o cancelamento do evento. Segundo João Carlos Parente, diretor da Arte Produções, empresa que organiza o Festival Expocrato, entre 1.400 a 1.600 pessoas trabalhavam por noite de festa, desde o transporte e músicos, à alimentação e segurança. “Fora a movimentação nos bares, restaurantes e hotéis. São coisas que não se consegue mais repor”, lamenta.
Nos últimos dois anos, com caráter de festival, a Expocrato passou a atrair os principais artistas nacionais, como Anitta, Gusttavo Lima, Marília Mendonça. “Além de grande gerador de empregos e negócios, passou por uma grande transformação estética, musical e se tornou vitrine. Uma referência com influência no comportamento”, pontua João Carlos. A média diária de público era de 30 mil pessoas.
Comércio local
Para os comerciantes de Crato, julho sempre foi a mina de ouro. Além de marcas as férias escolares, com retorno de muitos filhos da terra à cidade, também é o mês de Expocrato. Neste período, as vendas chegam a ser 30% acima de um mês comum, segundo o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), José Alves Lobo.
“Uma perda muito grande, porque as vendas aumentam muito. Natal e Dia das Mães são bons, mas geralmente alimenta segmentos específicos, como eletrodomésticos, perfumes e roupas. Já a festa é mais ampla, vai desde bares e restaurantes até hotéis e balneários. Beneficia todos”, reforça.
O próprio Município contabiliza que um impacto de R$ 1 milhão na arrecadação, nestes dois anos sem Expocrato, dinheiro que poderia ser revertido em obras para saúde e educação, por exemplo. Mais de 2 mil empregos diretos são gerados com o evento.
“Numa possível retomada, em 2022, pode ser que não venha com a mesma força. O investimento para manter a produção pode não ser o mesmo, porque a demanda é menor. O consumo diminui”, pondera Aníbal Dantas Júnior, coordenador Especial de Oportunidades de Emprego e Empreendedorismo da Seturdes.
Alternativas
Sem a feira, o Município tem apostado em criar novas ferramentas para dar oportunidades, principalmente, aos mais impactados, como os pequenos produtores. De imediato, manteve uma feira da agricultura familiar dentro do Parque. Outra iniciativa foi a criação de um Sistema Municipal de Emprego (SIME), semelhante ao Sine, onde cria um elo entre os cratenses que procuram trabalho e as empresas na busca de mão-de-obra.
Outra iniciativa é a formalização dos trabalhadores em situação informal ou autônoma. Para isso, também tem a perspectiva de criar um banco social municipal onde será possível conseguir o apoio de um programa de microcrédito. “Para melhorar os números, precisamos de uma população economicamente ativa. Com mais dinheiro circulando, atrai grandes empresas e gera emprego”, ressalta Aníbal.
Pensando nos artesãos, que também detém de um espaço dentro da Expocrato, está prestes a ser inaugurado a Casa da Criatividade, um espaço onde serão expostas as peças produzidas por eles. “Estamos aguardando um relaxamento maior do decreto que permita abrir, mas esperamos estar de portas abertas no próximo mês”, antecipa.
Expectativa
Para 2022, o presidente do núcleo gestor da feira agropecuária projeta uma continuidade no crescimento do evento ou, até mesmo, que supere as edições anteriores. “Há uma demanda reprimida, as pessoas com muita vontade, material para expor, vender. Pode dar uma alavancada. A Expocrato é uma marca muito forte”, reforça Gonzaga.
João Carlos, responsável pelo festival, pensa de forma semelhante e imagina uma Expocrato com muitas novidades em termos de estrutura.
“As pessoas estão loucas para se reencontrar, se abraçar, festejar. O evento tem um lado afetivo, passional”. Sobre a estrutura dos anos anteriores, promete: “Sem dúvidas traremos as melhores atrações do país”, completa.
Ainda assim, o diretor da Arte Produções entende que ainda será um processo de saída da crise pandêmica, que impôs dificuldades financeiras grandes. “Isso pesou no bolso das pessoas e do mercado. Será um desafio ajustar essa aritmética. Tem um ano ainda, mas já vamos nos preparando”.
Neste período, espera que questões estruturais sejam melhoradas no que depende do setor público. “A malha aérea é importantíssima. Se tiver uma malha mais robusta, ajuda. Todos querem ir, mas não tem como chegar”, finaliza João Carlos.
Quase oito décadas de tradição
Numa tarde de maio de 1944, no antigo Café Isabel Virgínia, o prefeito em exercício do Crato, Wilson Gonçalves, debatia com seu cunhado, o professor Pedro Felício Cavalcanti, que depois também se tornaria prefeito, a criação de um evento que pudesse marcar o calendário da cidade e dinamizar a economia local. Nesta conversa, surgiu a ideia de criar a Exposição Agropecuária Crato.
Com projeto aprovado pelo Governo do Estado, Gonçalves se reuniu com a Diocese de Crato para escolher o local da primeira exposição. O terreno destinado à Feira Agropecuária foi um bosque no Sítio Caridade — atual prédio da reitoria da Universidade Regional do Cariri (Urca). No dia 21 de junho de 1944 acontece a primeira edição, tendo como patrono Pedro Felício Cavalcante, que nove anos mais tarde batizaria o Parque de Exposições.
No ano seguinte, o país mergulhou na crise do pós-guerra e, por isso, a edição não aconteceu, só retornando em 1953. Após o intervalo, mais duas edições anuais são realizadas no antigo Parque Municipal, onde hoje está erguida a Praça Alexandre Arraes, a popular praça Bicentenário.
Já na gestão de Ossian Araripe, em 1955, é inaugurado o Parque de Exposições Pedro Felício Cavalcante, local atual do evento. Na época, só havia a área de leilões, barracas, palco para shows e pavilhões. Alguns espaços foram reformados e criados ao longo dos anos.