Relíquia é devolvida à Igreja

Escrito por Redação ,
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Um dos panos usados pela beata Maria de Araújo, durante o milagre atribuído ao Padre Cícero, é devolvido à Igreja

Juazeiro do Norte. Uma relíquia devolvida à igreja. O anúncio do bispo da Diocese de Crato, dom Fernando Panico, em plena missa, traz à tona um interesse maior de revelar o tão propalado “milagre de Juazeiro”, protagonizado pela beata Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo, ou beata Maria de Araújo, no momento em que recebia a hóstia do Padre Cícero. O fenômeno aconteceu algumas vezes e vários dos panos usados pela beata ainda podem estar espalhados, em poder de outras pessoas. Outra parte foi destruída pela própria Igreja Católica, que mandou queimar os chamados “paninhos”.

Até hoje, não existem estudos que realmente se comprove o milagre, mas o “paninho ensagüentado” que acaba de chegar de Taquatinga, em Brasília, poderá, segundo o administrador do Santuário Diocesano de Nossa Senhora das Dores, padre Paulo Lemos, ser uma peça importante do quebra-cabeça do “milagre”.

Contemplação

O paninho, após 90 anos em poder de uma família de Juazeiro, foi devolvido por dona Vicência Alves de Lima, que atualmente reside em Brasília. Inicialmente foi identificado por um seminarista, que entrou em contato com o padre Paulo Lemos e relatou a presença daquela peça importante, objeto de contemplação da família e da vizinhança.

Mas o pedido de devolução e não doação, como foi enfatizado pelo bispo, foi feito por dona Vicência, por escrito. Ela relata: “Eu, Vicência Alves de Lima, devolvo o Sangüíneo, relíquia referente ao milagre de Padre Cícero, ocorrido em Juazeiro do Norte – Ce, que esteve sob minha responsabilidade durante 18 anos”. A peça foi repassada por sua mãe, Virtuosa Maria de Lima. Conforme a carta de dona Vicência, o paninho, guardado com bastante zelo durante todos esses anos, foi repassado à sua mãe das mãos da beata Maria das Dores, para que servisse de comprovação dos fatos acontecidos em Juazeiro. A beata conviveu com o Padre Cícero. A missão da família atravessou décadas e veio para a Igreja, que detém a partir de agora, uma das possíveis provas do milagre. Conforme o padre Paulo Lemos, é importante nesse momento não se fazer uma ligação com o processo de reabilitação do sacerdote.

Padre Cícero foi suspenso de ordens por conta do “milagre”, que atravessou décadas como embuste. “Não podemos afirmar que é um milagre, mas temos uma peça que poderá chegar a esse esclarecimento”, diz o pároco, ao acreditar em duas vertentes: ou foi milagre ou fenômeno parapsicológico.

Ele ressalta a dificuldade de se comprovar se realmente está contido ali o sangue da beata. No caso de uma hipótese de estudo por meio de DNA, está praticamente afastada. Os restos mortais foram retirados da Capela do Socorro e enterrados em local desconhecido. Maria de Araújo morreu em tempos de guerra. Era a fase da conhecida “Sedição de Juazeiro”, em 17 de janeiro de 1914, período em que muito sangue foi derramado. Dezesseis anos depois, seu túmulo foi reaberto clandestinamente por ordem do bispo do Crato.

O túmulo, construído no interior da Capela do Socorro, foi totalmente destruído. Agora, o apelo que a Igreja Católica faz é diferente. O pedido do bispo é para as pessoas que têm em seu poder outros panos, que faça como dona Vicência, devolvam para a Igreja.

Consideração

Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo nasceu no dia 23 de maio de 1863, no povoado de Juazeiro. Padre Cícero tinha pela beata Maria de Araújo uma particular consideração, razão por que, quando ela morreu, lhe dedicou uma atenção toda especial. Mandou abrir-lhe uma sepultura na Capela do Socorro e providenciou-lhe um enterro digno de uma pessoa ilustre.

Certamente o fato mais importante e polêmico da vida de Maria de Araújo é o chamado milagre da hóstia. Este fato, que trouxe tantos transtornos à beata e também ao Padre Cícero, ocorreu pela primeira vez no dia 1º de março de 1889.

Consistiu basicamente no seguinte: Ao receber a hóstia, numa comunhão oficiada pelo Padre Cícero, a beata Maria de Araújo foi incapaz de degluti-la, pois a sagrada partícula transformou-se em sangue vivo, conforme foi atestado depois pelos médicos convidados pelo Padre Cícero para examinar a beata e presenciar o fenômeno estranho, que se repetiu dezenas de vezes durante cerca de dois anos.

Mas o fenômeno não era só isso. Em outras ocasiões a hóstia chegou também a se transformar numa porção carnosa em forma de coração. E no corpo da beata eram abertas chagas que depois de algum tempo iam desaparecendo misteriosamente, sem deixar nenhum vestígio. Ela também apresentava suores de sangue e entrava em êxtase. O fenômeno tem despertado a atenção de historiadores e pesquisadores.

SEM DÚVIDAS

Pesquisador acredita na autenticidade

Juazeiro do Norte. O estudioso e pesquisador da história de Juazeiro e do Padre Cícero, professor Renato Casimiro, afirma, pelas imagens do paninho, não haver dúvidas a respeito da sua autenticidade, como outro que chegou a ser apresentado em 1989, no Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero, no Memorial. De acordo com o estudioso, estes fatos tem um elo comum, que é a apropriação por pessoas que gozavam de algum trânsito na casa do sacerdote de Juazeiro.

“Não será surpresa se outros mais venham a aparecer, em razão das dezenas de vezes que o fato aconteceu”, destaca. Nos anos 50, parte significativa dessas provas foram destruídas pela própria Igreja. Muitos paninhos que se encontravam em poder de pessoas ligadas de algum modo ao Padre Cícero ou às beatas que conviviam com ele, foram recolhidos e queimados. O objeto, segundo o professor, agora assume o lugar de relíquia na Igreja.

Quanto à origem da guarda do material, Renato Casimiro diz que está justificada com a família de dona Vicência, em Taguatinga, por ser filha de dona Virtuosa, uma pessoa reconhecida em Juazeiro do Norte por muitos anos, e amiga da beata Maria das Dores.

Episódio do roubo

Ele lembra de um depoimento de dona Amália Xavier Barbosa, contemporânea do Padre Cícero, que quando os fatos tiveram início em 1889, os panos, inclusive os maiores utilizados como toalhas de mesa de comunhão e do próprio altar, entre outros, eram recolhidos e lavados na casa do próprio Padre Cícero.

Os panos menores, chamados de sangüíneos e manustérgios, foram se acumulando e guardados em caixas de madeira. “Só após a instalação da Comissão de Averiguação foram transferidos para a guarda do pároco de Nossa Senhora da Penha, na Matriz do Crato, no Tabernáculo da Igreja. Daí o episódio do roubo, atribuído a José Marrocos”, explica.

Por esta razão, Casimiro ressalta que não é difícil imaginar que algumas pessoas mais interessadas tenham tido acesso a estes panos e se apropriado, à revelia do Padre Cícero, guardando-os até esta data.

A caixa original, retirada por José Marrocos, recuperada pelo Padre Cícero após a morte do professor e no calor das discussões sobre a emancipação, foi deixada sob a guarda da beata Bichinha, entregue a monsenhor Joviniano, pela própria Amália Xavier, e a queima no Seminário do Crato.

O professor faz um alerta aos padres em relação ao manuseio do paninho ensangüentado, para que não haja fragmentação ou impressões digitais. Uma abordagem científica poderá fornecer elementos como datação, verificação de autenticidade de materiais e circunstâncias físico-químicas.

Na visão da parapsicóloga Maria do Carmo Pagan Forti, a beata Maria de Araújo não foi uma embusteira e não se pode reduzir a sua figura aos fenômenos acontecidos com ela.

ELIZÂNGELA SANTOS
Repórter


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