Novas UTIs reduzem distância na transferência de pacientes graves

Antes da pandemia, um paciente chegava a passar até 8 horas em trânsito até chegar a uma cidade com atendimento especializado. Agora, com a instalação de novos leitos no interior, este tempo reduziu para mais da metade

Escrito por André Costa/Honório Barbosa , regiao@svm.com.br
Legenda: O sistema público de saúde de Iguatu já contava com 10 leitos de internação intensiva no Hospital São Vicente, e outros 10 no Hospital Regional de Iguatu.
Foto: Héricles Gomes

Pressionado pela urgência atual advinda da pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), o Governo do Estado teve de se apressar para reverter uma lacuna histórica no interior cearense: a ausência de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Antes da Covid-19, apenas algumas das cidades mais desenvolvidas dispunham de estrutura adequada para atender pacientes de média e alta complexidade.

O impacto deste cenário refletia na necessidade da transferência de pacientes de uma cidade para outra com serviço médico especializado. Com caminhos longos a percorrer e em estradas cuja condição estrutural é questionável, o tempo de deslocamento chegava até 8 horas. Muitos pacientes não resistiam e acabavam morrendo dentro das próprias ambulâncias antes de chegar a cidades como Sobral, na região Norte, Quixeramobim, no Sertão Central e em Juazeiro do Norte ou Barbalha, na região do Cariri. Outros tinham o quadro agravado devido à demora no atendimento.

Quem estava em Parambu, na região dos Inhamuns, era preciso vencer seis horas de viagem, percorrendo uma distância de quase 360km até Juazeiro do Norte. Já para pacientes mais graves em Poranga, na zona Norte, por exemplo, se via na necessidade de percorrer 230km até chegar em Sobral, num percurso estimado em 3h20. No entanto, quando o Hospital Regional Norte (HRC) apresentava lotação de leitos, este paciente era levado para Fortaleza, podendo chegar a 8 horas de deslocamento.

"Imagine um paciente com AVC, infarto ou outro problema grave ficar horas em uma ambulância. Há risco e já houve muitos casos de morte no percurso", alertou o presidente da Associação dos Municípios do Ceará, Nilson Diniz.

Ele lembra ainda que o cenário, antes da instalação dos hospitais-polos em Sobral (2013), Juazeiro do Norte (2011) e Quixeramobim (2018), era ainda mais delicado. "A única alternativa era transferir pacientes graves para Fortaleza. Para quem saia de Campos Sales, Jati ou Parambu, por exemplo, percorria 600 quilômetros e oito horas de viagem", rememora.

Agora, porém, com a implantação de UTIs em pelo menos 14 cidades do interior, este tempo caiu para mais da metade. Cidades das microrregiões passaram a contar com atendimento especializado. Quem está em Parambu agora tem a opção de ser atendido nos leitos de UTI em Tauá, cujo tempo de deslocamento é de cerda de 1 hora.

Quem está em Jaguaribe pode ir para Icó, distante 75km, evitando viagem para Juazeiro do Norte (200km) ou para Iguatu (125km). Embora o tempo de deslocamento ainda não seja considerado o adequado, especialistas alertam para a importância dessa redução no que se refere ao sucesso da recuperação do paciente em estado mais grave.

Expansão

Somente no mês de maio, ocorreu a instalação de UTIs em 14 cidades do interior, conforme dados da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). Em algumas delas, como Iguatu, nunca houve este tipo de especialização. Este Município, referência na região Centro-Sul e cujo Hospital Regional (HRI) assiste uma população de quase 300 mil pessoas quando incluso cidades vizinhas, ganhou em maio os primeiros 10 leitos de UTI de sua história.

A presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems), Sayonara Moura, observa que os leitos recém-instalados no interior trazem alívio significativo por reduzir o tempo de atendimento e o risco no deslocamento. "Tivemos um ganho formidável e nasce uma nova estrutura de saúde do Ceará", avalia.

Sayonara lembrou, entretanto, a necessidade de se ter uma equipe completa para trabalhar nas UTIs. "São médicos, enfermeiros, técnicos e fisioterapeutas, que precisam ser capacitados", ponderou. "No interior, como não havia essa oferta, não havia também a disponibilidade de profissionais especializados".

O médico cardiologista Clécio Barbosa, que há 20 anos atua em Iguatu, pontua que a expansão dos leitos, hoje dedicados aos pacientes mais graves da Covid-19, poderão, na pós-pandemia, reverter um problema crônico. Devido a antiga necessidade de transferência de alguns pacientes, ele conta já ter presenciado "a morte de muitas pessoas".

"A gente já passou muitas angústias, vendo paciente grave e não ter como transferir por não suportar o deslocamento ou por falta de vaga. Isso sempre foi um problema, mas agora espero que mude com os novos leitos de UTI e fique uma herança benéfica", anseia Clécio.

A possibilidade desse "legado" a que se refere, também é citada pelo médico sanitarista e pesquisador da Fiocruz, Luís Odorico Monteiro. Ele reforça as "dificuldades históricas com a antiga falta de leitos de UTIs no interior" e destaca que o "vazio assistencial para a alta complexidade" pode ter ficado para trás.

"Esperamos que passado esse momento emergencial fique uma estrutura sólida que possa salvar vidas".

O secretário da Saúde do Ceará, Dr. Cabeto, afirmou que o Estado vai manter as unidades de UTI em funcionamento na pós-pandemia. "Teremos sim capacidade de assumir esses recursos", garantiu.

Salto nos casos gera preocupação

A curva de contágio do novo coronavírus no interior está em ascensão. Enquanto em Fortaleza os casos se estabilizaram, nas cidades interioranas eles têm crescido, como ocorre em Sobral que assumiu, no fim da semana passado, o indigesto posto de Município com mais casos confirmados da Covid-19 no interior cearense.

Para tentar frear essa onda de disseminação, o Governo do Estado decretou medidas mais rígidas de isolamento social em sete cidades (Caucaia, Maracanaú, Sobral, Acaraú, Itapipoca, Itarema e Camocim), que passaram a vigorar ontem (1º).

Porém, logo no primeiro dia, na maioria desses municípios houve registros de desrespeito ao decreto estadual: aglomeração de pessoas, ausência da máscara de proteção e abertura de lojas cujos serviços não são essenciais.

Acaraú e Itapipoca enfrentam dificuldades para manter o isolamento. "Está difícil. Muita gente nas ruas, aglomerações no comércio e próximo às agências bancárias por causa da liberação de benefícios de aposentadoria", frisou Paulo de Mota David, diretor da Autarquia Municipal de Trânsito de Itapipoca (AMTI).

Em Acaraú e Camocim, foram instaladas barreiras sanitárias para tentar reduzir o fluxo de veículos e pessoas nos centros urbanos.

Em Caucaia, na Região Metropolitana da Capital, foi registrada forte movimentação no Centro da cidade na manhã de ontem. Em nota, a Prefeitura informou que realiza barreiras sanitárias. "Fazem parte da ação a Polícia Militar, a Guarda Municipal de Caucaia, a Defesa Civil. As pessoas que saírem às ruas devem portar documento ou declaração e usar máscara", informou a nota.

Em Maracanaú, também na Grande Fortaleza, o fluxo de pessoas, em alguns pontos, era intenso. A Prefeitura disse que para realizar a fiscalização, serão utilizado os sistemas de videomonitoramento da cidade. "Quem descumprir as medidas estará sujeito às medidas legais cabíveis", informou através de nota.

 

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