Lei de Patrimônio deve beneficiar Sítio Histórico de Senador Pompeu
No local, milhares de flagelados morreram durante uma das mais severas estiagens da história
Senador Pompeu. O Campo de Concentração, o Cemitério das Almas da Barragem, o Açude Patu, a Vila dos Ingleses, a Estação, o Hospital, a Casa de Pólvora, esse conjunto arquitetônico no entorno desta cidade do Sertão Central, conhecido como o sítio histórico onde milhares de flagelados morreram durante uma das mais severas estiagens no Nordeste brasileiro, recebeu, nesta semana a aprovação fundamental para o seu tombamento como patrimônio municipal.
A Câmara de Vereadores aprovou a reformulação da Lei de Proteção do Patrimônio Histórico-Cultural de Senador Pompeu. A necessidade surgiu em razão das mudanças administrativas realizadas pela atual gestão municipal. Quando o processo de tombamento foi iniciado, em nível local e Estadual, a competência cabia à Secretaria de Cultura da gestão anterior.
Na política de austeridade do atual prefeito, a pasta foi extinta e criada a Secretaria de Educação, Cultura e Esportes, explicou o diretor de Cultura do Município, Glauber Matos.
A mudança visa atender uma Ação Civil Pública (ACP), endossada pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), de restauro e preservação do sítio arquitetônico histórico. Um inquérito civil público e um relatório técnico foram realizados pelo MPCE, concluindo que o tombamento do "Campo de Concentração" é benefício para a defesa da cultura e da história cearenses, por apresentar "inegável valor histórico-cultural", explicou o promotor de Justiça do Juizado Especial de Senador Pompeu, Geraldo Nunes Teixeira.
No início do ano passado, o Município assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Caso seja descumprido, será aplicada multa de R$ 5 mil por mês de atraso. Desde então, a Prefeitura tem buscado preservar o acervo imobiliário do Patu, com limpeza das áreas das edificações, erguidas na década de 1920, pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), para construção do Açude Patu. Visitações guiadas de grupos de estudantes, de pesquisadores e de turísticas se tornaram mais frequentes e estão auxiliando na preservação do valioso espaço histórico.
A importância da área foi reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), por meio de um relatório. Na época, a construção do açude foi utilizada para instalação de um campo de concentração, em 1932, retendo retirantes que iam para Fortaleza na tentativa de fugir da seca. O documento ainda aponta o de Senador Pompeu, dentre os sete campos de concentração existentes no Ceará, à época, como o segundo maior, com uma população de 20 mil flagelados.
Conforme pesquisas feitas pelo advogado e historiador Valdecy Alves, no fim de abril de 1932, além do Patu, foram criados outros seis campos de concentração à beira da ferrovia que ligava Fortaleza a Crato. Foram os campos do Buriti, no Crato; de Cariús; de Quixeramobim; o do Ipu, no Norte do Estado; e ainda de Otávio Bonfim, e do Urubu, em Fortaleza. O objetivo era impedir que os flagelados invadissem a capital cearense. Em condição de sobrevivência subumana, muitos acabaram morrendo em Senador Pompeu.
Caminhada das Almas
Agora é possível conhecer e rememorar essa história, além de participar da Caminhada das Almas, realizada todos os anos desde 1980, da igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores até o cemitério da barragem do Patu. A procissão das Santas Almas surgiu exatamente para simbolizar a luta do povo nordestino por direitos básicos, condições de vida digna para todos. Foi idealizada pelo padre Alberto Donatti, da paróquia local. Ele morreu em2013, aos 92 anos. Peregrinos, devotos, descendentes dos mortos no campo e de quem sobreviveu às doenças e à fome aproveitam a jornada religiosa anual para observarem as ruínas e a barragem.
O Açude Patu seria a solução para amenizar a problemática do abastecimento d'água na região. As obras foram iniciadas em 1919, mas o reservatório só foi concluído em 1987. A sua construção foi marcada por atos de violação de direitos, a começar pelo cancelamento das obras, em 1924, que em seguida abriu os portões do canteiro de obras abandonado para a efetivação da política de confinamento de flagelados da seca do ano de 1932, prática que foi iniciada em 1915, comenta o advogado Valdecy Alves, defensor da preservação da história dos seus conterrâneos e do patrimônio material.
Foi Valdecy Alves, nascido em Senador Pompeu, quem ingressou, em 2014, com a Ação Civil Pública exigindo a restauração e preservação do sítio histórico. Entretanto surgiu o impasse de quem seria a responsabilidade do restauro e da preservação do sítio, já que a obra foi realizada pelo Dnocs, órgão federal. O Núcleo de Apoio Técnico do MPCE e o Iphan auxiliaram no embasamento da Ação, definindo como o Município poderá incorporar o conjunto arquitetônico ao seu patrimônio e captar recursos para as obras de restauro.
Mesmo assim, na avaliação do diretor de Cultura de Senador Pompeu, Glauber Matos, a tarefa não é fácil. A atual administração municipal está se empenhando, entretanto, a burocracia tem impedido avanços, lamenta, destacando não haver definição cronológica para o tombamento do patrimônio em nível municipal e nem estadual. Há ainda a necessidade de reativar o Conselho Municipal de Cultura. O coletivo será o responsável pela deliberação de recursos para o restauro dos imóveis.