Ciganos mantêm viva tradição

Escrito por Redação ,
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Uma comunidade cigana de Sobral revela que, mesmo com a modernidade, os costumes são mantidos

Sobral. Eles já foram chamados de aventureiros, boêmios, que pedem dinheiro depois de ler as mãos e ver os destinos das pessoas, que são nômades e que são originários do norte da Índia. Em Sobral, uma comunidade de ciganos tenta viver superando a modernidade para manter viva a sua tradição e os seus costumes. Eles dizem que não são vítimas de preconceitos, que são respeitados por todos, principalmente pela vizinhança.

Mas há quem algum dia já chegou a dizer que eles nunca existiram de fato e tudo sobre eles não passa de histórias românticas contadas, apenas, para satisfazer alguns “corações sonhadores”. Esse ranço histórico é cultivado, inclusive, pela literatura em torno de histórias vividas ou imaginadas. Sobre o povo cigano não se tem ao certo uma definição conclusiva. No entanto, em Sobral, eles existem e têm residência fixa. Chegaram a cidade no mês de junho de 1935, vindo da cidade baiana de Lagoinha.

O patriarca dessa comunidade é o Valdemar Pires Cavalcante, hoje com 92 anos. Homem de conversa fácil. Disse que chegou aqui naquele ano e que resolveu fixar morada no bairro Dom Expedito, gostou e acabou ficando. Filho de uma família de nove filhos, ele diz que eram três homens e que é o mais velho dos três. “Fiz boas amizades, conheci pessoas importantes, me tornei conhecido por todos”, relembra.

Valdemar Cavalcante disse que veio morar no bairro do Sumaré, trazido pelo então prefeito da cidade, José Parente Prado, mais precisamente no ano de 1974, depois de uma enchente provocada pelas cheias do Rio Acaraú, que inundou boa parte do bairro Dom Expedito. “Aqui conseguimos vencer a vida e construir nossas famílias que são mais de mil”, conta Francisco Flávio Cavalcante, neto de Valdemar. Em várias ruas do bairro moram famílias que, entre os filhos, tem gente com sangue cigano.

Festas

Neto e avô contam que as festinhas ainda acontecem e tentam manter acesas as suas tradições. “Nós realizamos da nossa maneira as festas de casamento, de aniversários e batizados. Um dos momentos mais alegres é quando conseguimos reunir quase todos. Isto acontece no aniversário do vô, no mês de setembro. Vem gente nossa dos Estados do Maranhão e do Piauí”, conta Flávio. Hoje eles levam uma vida igual a qualquer outro cidadão. Porém, deixam a tradição acabar, mesmo com as mudanças.

Como toda minoria étnica (ou religiosa, ou lingüística), os ciganos têm direitos fundamentais. O primeiro deles é o direito a não ser objeto de discriminação.

FIQUE POR DENTRO
História dos ciganos no Brasil

Os ciganos vieram para o Brasil oficialmente em 1574, quando um certo João de Torres, tendo sido condenado às galés, fez petição ao rei dom Sebastião para que comutasse sua pena para degredo perpétuo no Brasil, visto que estava doente e não agüentaria as lides do mar. Mas, oficiosamente já estavam aqui desde 1568, quando para cá veio João Giciano, mulher e 14 filhos. Dom João V, rei de Portugal, decretou a expulsão das mulheres ciganas para o Brasil. E eles aportavam no Maranhão, Recife, Bahia e Rio de Janeiro.

COMO NA ÍNDIA
Mulheres têm casamento arranjado

Sobral. Assim como na sociedade indiana, os ciganos também se unem por meio do casamento arranjado. A comunidade de Sobral foi exemplo deste tipo de união em reportagem exibida no Fantástico, da Rede Globo de Televisão. Uma das personagens da matéria era a pequena Raiara, de apenas 4 anos de idade, filha de cigano sobralense e que já tem noivo garantido, Wesclei, filho de outro casal cigano, que mora fora do Ceará, também de 4 anos.

Uma criança sempre é bem vinda entre os ciganos. A preferência dos maridos é pelos filhos homens, para dar continuidade ao nome da família. A mulher cigana é considerada impura durante os 40 dias de resguardo após o parto.

Logo que uma criança nasce, uma pessoa mais velha, ou da família, prepara um pão feito em casa, semelhante a uma hóstia e um vinho para oferecer às três fadas do destino, que visitarão a criança no terceiro dia, para designar sua sorte. Esse pão e vinho será repartido no dia seguinte com todos as pessoas presentes, principalmente com as crianças.

Desde pequenas, as meninas ciganas costumam ser prometidas em casamento. Os acertos normalmente são feitos pelos pais dos noivos, que decidem unir suas famílias. O casamento é uma das tradições mais preservadas entre os ciganos, representa a continuidade da raça, por isso o casamento com os não ciganos não era permitido em hipótese alguma no início do século passado. Quando isso acontecia, a pessoa era excluída do grupo (embora um cigano possa casar-se com uma gadjí, isto é, uma mulher não cigana, que deverá, porém, submeter-se às regras e às tradições ciganas). Hoje esta tradição é procurada ser mantida entre os ciganos que moram em Sobral, no entanto, existem aqueles que não seguem estas regras. “Aqui, a maioria deles casou com pessoas de Sobral que não são ciganos e que não foram casamentos arranjados”, informa Valdemar Cavalcante.

É pelo casamento que os ciganos entram no mundo dos adultos. Os noivos não podem ter nenhum tipo de intimidade antes do matrimônio. A grande maioria dos ciganos no Brasil ainda exige a virgindade da noiva. Ela deve comprovar a virgindade com a mancha de sangue do lençol, que é mostrada a todos no dia seguinte. Caso a noiva não seja virgem, ela pode ser devolvida para os pais e esses terão que pagar uma indenização para os pais do noivo. No caso da noiva ser virgem, na manhã seguinte do casamento, ela se veste com uma roupa tradicional colorida e um lenço na cabeça, simbolizando que é casada. Os noivos ganham presentes em dinheiro ou ouro, que são colocados dentro de um pão ao mesmo tempo da bênção dos noivos.

Mais informações:
Prefeitura Municipal de Sobral
Rua Viriato de Medeiros, 1250, Centro
Zona norte do Ceará
(88) 3677.1100

Wilson Gomes
Colaborador