Caçador jura ter visto Caipora

Escrito por Redação ,
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No Cariri, as figuras de lendas e mitos povoam a imaginação do povo, enriquecendo o universo do folclore

Assaré. Hoje, Dia Nacional do Folclore, vale resgatar uma das mais conhecidas lendas do Nordeste, a Caipora, uma entidade que ainda hoje “vagueia nas matas do Cariri” ou, pelo menos, na imaginação do povo. No alto da Serra do Quincuncá, município de Assaré, um caçador “jura pela própria alma” que viu uma Caipora. A lenda é explicada por professores e pesquisadores do assunto.

O caçador José Soares , conhecido por “Zé Mago”, residente na Serra do Quincuncá, jura de mãos juntas que já viu uma Caipora. “Eram seis horas da tarde de uma sexta-feira, dia ruim de caça. Eu já estava voltando para casa, quando apareceu uma menina morena, baixinha, com os cabelos compridos. “Os outros caçadores disseram que era uma Caipora”. Ao fazer a descrição, Zé Mago diz que outra vez estava em cima de uma árvore, numa espera de veado, quando apareceram dois “caboclinhos”, cortando a árvore onde estava.

Ao presenciar a cena, o caçador diz que ficou assombrado e voltou para casa. No outro dia retornou ao local, levando um pedaço de fumo, e a árvore estava do mesmo jeito, isto é, não tinha sido cortada. Desse dia em diante, ele não viu mais a Caipora, mas sempre escuta o assobio dela. Garante que teve noticia de que a figura lendária deu uma grande surra num parente seu. Além da Caipora, o velho caçador diz que já viu uma tocha de fogo vermelha. Noutra oportunidade, conta que viu um reflexo parecido com um relâmpago.

A narração de Zé Mago é confirmada pela Mestre da Cultura, Zulene Galdino, que, segundo afirma, quando era criança conviveu com uma Caipora. Nascida e criada na Serra do Araripe, Zulene vivia a maior parte do tempo dentro do mato se alimentando de frutas e bebendo água na fonte do coqueiro. Era lá que ela se encontrava freqüentemente com uma caboclinha baixa, de voz fanhosa, que ela imagina: “Era uma Caipora”.

Vida na floresta

Deuses, heróis e personagens sobrenaturais se misturam com fatos da realidade para dar sentido à vida e ao mundo. No imaginário popular em diferentes regiões do País, a figura da Caipora está intimamente associada à vida da floresta. Ela é a guardiã da vida animal. Apronta toda sorte de ciladas para o caçador, sobretudo aquele que abate animais além de suas necessidades. Afugenta as presas, espanca os cães farejadores, e desorienta o caçador, simulando os ruídos dos animais da mata. Assobia, estala os galhos e assim dá falsas pistas fazendo com que ele se perca no meio do mato.

Pela crença popular, é sobretudo nas sextas-feiras, nos domingos e dias santos, quando não se deve caçar, que a sua atividade se intensifica. Mas há um meio de driblá-la. A Caipora aprecia o fumo. Assim, reza o costume que, antes de sair na noite de quinta-feira para caçar no mato, deve-se deixar fumo de corda no tronco de uma árvore e dizer: “Toma, Caipora, deixa eu ir embora”.

ANTÔNIO VICELMO
Repórter


O QUE ELES PENSAM

Riqueza do imaginário regional e popular

O imaginário popular nos remete a um mundo riquíssimo de valores, revelando sentimentos que desabrocham em mitos, lendas, crendices, superstições. Alguém já afirmou que a cultura é expressão, em diferentes formas, dos valores e crenças de um povo. É o caso da Caipora, lenda bastante divulgada a partir dos primitivos habitantes desta terra: os indígenas. Ela virou um dos nossos mitos, transformou-se no senso comum coletivo, divulgado no bojo das informações transmitidas há cinco séculos.
Armando Lopes Rafael
Historiador

A Caipora é fruto do imaginário regional e popular, um mito sobre a relação homem/natureza transmitido oralmente. Compreendido assim, não obedece à lógica da razão ou de algumas ciências. É intuído, não necessita de provas para ser aceito. A sua aceitação ocorre através da crença e da fé no mítico. Não é uma aceitação racional, mas adéqua o homem ao mundo. A Caipora tem sua importância real ao conter a ação humana sobre o meio em que vive e explora. Mito e razão no mesmo espaço.
Miralva Ferreira Guedes
Professora graduada em Letras

“Eu vi uma Caipora.” Quem já não ouviu esta história de alguém! Eu mesmo já ouvi muitas vezes. A pessoa conta com toda convicção que viu uma Caipora, um lobisomem, uma alma ou outra assombração qualquer. Estes fantasmas fazem parte do imaginário popular. As pessoas cresceram ouvindo falar neles. A mente humana é capaz de criar certas visões irreais, mas que parecem ser verdadeiras. O medo e a impressão fazem parecer estes fantasmas e quem os vê não está mentindo.
Eugênio Dantas
Professor de Filosofia e Sociologia