Alambique ameaça suspender atividades

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O encanto dos alambiques artesanais chega ao fim, com a possibilidade de fechar o único em Ubajara


Ubajara. Tão importantes para o município quanto o Parque Nacional, o bondinho, a gruta, a cachoeira do Boi Morto como atrativos turísticos, são os alambiques de cachaça artesanal em Ubajara, a 304 quilômetros de Fortaleza. Contudo, esses foram lentamente desaparecendo. Hoje, na região, há apenas um que tem resistido às adversidades de um produto que deixou de ser interessante para os produtores. Trata-se da Cachaça Venâncio, produzida no Sítio Cajueiro, no distrito de Jaburuna, a seis quilômetros da sede.

O proprietário é Edson Pereira Lima, 72 anos, que há mais de cinco décadas atua no ramo de engenho. A cachaça artesanal é uma atividade que ele próprio ainda toma à frente, administrando os trabalhadores na moagem da cana, destinando a garapa para os tambores de fermentação, monitorando a queima do produto nos tachos e, por fim, colhendo o líquido dos tonéis.

Contudo, essa rotina que Edson faz quase todos os dias da semana, à exceção do domingo, está ameaçada. Ele afirma que deverá fechar as portas do engenho até o próximo ano. “Não há como tocar o negócio, tanto pela pressão da Vigilância Sanitária, quanto pela falta de mão-de-obra e até pelo fato de que a matéria-prima, a cana-de-açúcar, tem melhor preço pago pelos produtores de álcool da região”, diz.

Edson lembra que se foi o tempo áureo da produção de cachaça em toda a Serra da Ibiapaba. Hoje, os compradores não faltam, porque tanto vende a varejo para donos de bodegas na região, quanto no atacado para comerciantes de Fortaleza e outros Estados. No entanto, ressalta que o preço cobrado por litro, que custa R$ 1,50, e sem ter poder de barganha para cobrar mais, praticamente inviabiliza os custos e os lucros da produção.

O produtor estima que já somaram quase 100 alambiques em toda a Serra da Ibiapaba, principalmente nos municípios de Ibiapina, Viçosa do Ceará, Tianguá e Ibiapaba. Somente nesse município, recorda que já fecharam seis alambiques recentemente. A explicação, segundo ele, é diversa, mas se firma principalmente na escassez da mão-de-obra. É que com a instalação de empresas na região, que investiram na fruticultura, na produção de álcool e até em cultivo de rosas, há maior oferta de salários para a demanda disponível de trabalhadores locais.

A possibilidade cada vez próxima de fechamento do alambique do Sítio Cajueiro angustia Edna Pereira, filha de Edson. Ela lembra que o alambique é parte da vida do pai e teme que esse chegue a adoecer, quando lhe faltar o trabalho no dia-a-dia do engenho. “Hoje, ele está sozinho no negócio, porque nenhum de seus seis filhos quis dar continuidade. Mas esse trabalho representa sua própria vida”, afirma a filha do proprietário.

Um dos encantos do alambique é exatamente a rusticidade, além de se produzir uma cachaça com um sabor singular, numa quantidade de álcool que chega aos 20 graus. Os equipamentos antigos, o manejo de tonéis e tambores chamam a atenção de turistas, que são levados a conhecer o Sítio Cajueiro por guias de turismo, quando levam grupos de visitantes para passeios na região, com banhos na cachoeira do Boi Morto.

“É impressionante como os estrangeiros ficam deslumbrados pelo sabor da cachaça. É difícil não encontrar alguém que não queira levar uma mostra do produto para seu País”, diz Edna, que chega a encher os olhos de lágrimas quando pensa que já no próximo ano essa alegria poderá parar.

SAIBA MAIS

Tradição


De acordo com levantamento feito pelo governo do Estado sobre a atividade artesanal da cachaça, a produção na Serra da Ibiapaba nasceu da grande área de plantação da cana-de-açúcar. A cultura da cana se adapta muito bem à região da serra. A atividade é marcada pelo tradicionalismo e típica de pequenos produtores de base familiar. Nas propriedades rurais, geralmente, a produção de cachaça se associa a outras atividades, tais como, rapadura e açúcar mascavo.

Sazonalidade

A produção de cachaça, que é marcada pela sazonalidade, ocorre, em geral, de julho a dezembro, período em que as chuvas são mais raras. Durante a entressafra agrícola, a cana e o bagaço são utilizados na alimentação do gado bovino e contribuem para a fertilização do solo em lavouras de subsistência e da própria cana.

Localização

A produção de rapadura, açúcar e outros derivados da cana completam a renda gerada pelo alambique. Hoje, essa produção se espalha em algumas áreas interioranas do Estado onde se destacam, na Serra da Ibiapaba, os municípios de Guaraciaba do Norte, Carnaubal, Viçosa do Ceará (sede e distrito Lambedor) e Ubajara.

Trabalho

´Lamento que o alambique venha a fechar, porque ainda representa um lugar que oferece trabalho para nós, trabalhadores rurais. Isso faz parte da nossa região e deveria ser preservado porque todo mundo acha interessante o nosso trabalho, principalmente o turista. Vamos sentir falta do engenho se fechar o último, pertencente ao seu Edson. Principalmente, aqueles que têm na fabricação da cachaça o seu ganha-pão´.
Antônio Ferreira, trabalhador rural

ESTUDO

Atividade apresenta limitações para continuidade


Ubajara. Ana Virgínia tem 13 anos e desde que nasceu acompanhou o avô na labuta diária do engenho. A exemplo da mãe, Edna, lamenta que o avô Edson seja mais um dos produtores que vão desistir da atividade.

Segundo levantamento feito pela então Secretaria de Desenvolvimento Local e Regional, criada na gestão do governador Lúcio Alcântara (2003/2006) havia registrados como produtores de cachaça artesanal em Ubajara, além de Edson Pereira, Floro Bento, José Mesquita e Francisco Ricardo.

No entanto, o isolamento do alambique de Edson é a realidade atual para quem, pelo menos, conheceu há menos de duas décadas os tempos áureos dos alambiques espalhados por toda a Ibiapaba.

“Desde pequenina que eu via estrangeiros visitando os engenhos, como o do meu avô. Para eles, isso era uma grande novidade e achávamos engraçado quando chamava a pinga de uísque”, conta Ana Virgínia.

Os estudos que explicam o declínio dessa atividade são diversos, mas poucos consideram como parte do patrimônio cultural. O fator principal de decadência estaria na própria rusticidade, que não se levou em conta os fatores de higiene, exames de qualidade do produto e do teor alcoólico e até mesmo a relação dos produtores com o mercado.

Os alambiques são simples e movidos à lenha. Na Ibiapaba, segundo levantamento pela extinta Secretaria do Desenvolvimento Local e Regional, são poucos os engenhos que se encontram em bom estado de conservação. A maioria precisa ser substituída. Pois, de uma maneira geral, não existe uma preocupação em fazer uma limpeza em todas as instalações. Os produtores ainda reutilizam embalagens plásticas e de vidro. “O principal problema dos produtores da Serra da Ibiapaba é a falta de conhecimento do processo de produção técnico-científico utilizado na fabricação de uma cachaça de acordo com os padrões de qualidade e identidade exigidos”, afirma o último documento feito sobre a atividade por iniciativa do governo do Estado.

MARCUS PEIXOTO
Repórter