Açudes mais cheios fazem pesca artesanal de água doce crescer 25% no Ceará

Há dois meses e meio que pescadores voltaram à atividade, após fim do período de defeso e a pesca deve aumentar a partir de setembro

Escrito por Honório Barbosa , regiao@svm.com.br
acudes cheios
Legenda: A partir de 1º de maio passado, com o fim do período de três meses de defeso (proibição) de pesca da água doce (rios, açudes e lagoas) os pescadores em seus barcos e canoas voltaram às águas
Foto: Foto: Honório Barbosa

Recargas de médios e pequenos açudes no interior cearense favorecem neste ano a pesca artesanal. Estimativas de colônias de pescadores apontam aumento de 25% na quantidade de peixe em relação ao mesmo período de 2020. Nos dois maiores reservatórios do Ceará, Castanhão (11,9%) e Orós (28%), ‘a água tá boa pra peixe’, como costumam falar os piscicultores.

A partir de 1º de maio passado, com o fim do período de três meses de defeso (proibição) de pesca da água doce (rios, açudes e lagoas) das espécies branquinha, curimatã, piaba, sardinha e tambaqui, os pescadores em seus barcos e canoas voltaram às águas interiores.

“Os pescadores estão animados com o aumento do pescado no Orós e tá dando muito camarão e a pirambeba, que tem preço atrativo e a população de renda mais baixa aprecia a carne”.
Josenilda Martins.
Presidente da Colônia de Pescadores de Orós

Toda semana, às segundas-feiras e quintas-feiras, ocorre a comercialização de pescado no entreposto, no entorno da parede do açude Orós. O espaço de comercialização estava fechado por causa da pandemia de Covid-19, mas foi reaberto recentemente e a feira livre atrai revendedores de cidades da região e da Paraíba.

Na feira popular, “um cambo (fio ou cipó com peixes enfiados) é vendido por dez reais, com tilápia, sardinha e pirambeba”, informou Josenilda Martins. Em maior quantidade, o pescado mais apreciado é a tilápia cuja unidade de um quilo custa em torno de R$ 10,00 e a curimatã é comercializada por R$ 9,00 o quilo.  

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O açude Trussu, na zona rural de Iguatu, recebeu 15% de recarga neste ano e está com volume de 28,7%. A água nova trouxe mais pescado para o reservatório. “A pescaria está bem melhor do que no ano passado, quando o açude tinha menor quantidade de água”, explicou a presidente da Colônia de Pescadores, Neide Chaves. “Os pescadores estão satisfeitos”.  

O clima de contentamento também ocorre no açude Faé, na zona rural de Quixelô, que neste ano alcançou a cota máxima. Raimundo Souza é pescador artesanal e três vezes por semana coloca o galão no fim de tarde e retira pela manhã bem cedinho. “Quando o sol está clareando a gente já tem feito a despesca da rede, cheia de peixe, mas que ainda estão pequenos”, disse.

Em Cedro, o açude Ubaldinho, que também transbordou no fim do período chuvoso deste ano, atrai pescadores do município e também de Várzea Alegre.

“Fomos favorecidos, graças a Deus, e vamos ter muito peixe até o fim do ano”, disse o pescador, José Alves. “Já fico pensando em boas vendas na próxima semana Santa”.

Mulheres

A Colônia de Pescadores de Iguatu aponta apenas cinco mulheres que vivem da atividade em meio a 140 homens registrados como pescadores artesanais. Os números mostram que a atividade é uma profissão essencialmente masculina.

Aos 25 anos, em 1989, a pescadora, Jacinta Leite veio de Pombal (PB), com o marido, também pescador artesanal, Manoel de Souza Leite, para morar na localidade de Barrocas, nas margens do açude Orós, o segundo maior do Ceará.

Era tempo de peixe farto. “Meu marido foi atraído porque naquele tempo havia muito pescado”, contou. “A gente colocava a rede todos os dias no fim da tarde e pela madrugada voltava para tirar, cheia de peixe, e eu ficava muito feliz”.

Depois de 32 anos como pescadora no açude Orós, Jacinta conseguiu há dois anos se aposentar, mas não parou de trabalhar. "Nesta pandemia, estou apenas consertando e ‘traiando’ (colocando peças de chumbo nos fios) as redes”, disse. “A pesca é feita por meu marido e os peixes estão aparecendo”.

profissão no mar
Legenda: Aos 25 anos, em 1989, a pescadora, Jacinta Leite veio de Pombal (PB), com o marido, também pescador artesanal, para morar na localidade de Barrocas, nas margens do açude Orós, o segundo maior do Ceará.
Foto: Foto: Joérica Leite

Todo pescador e pescadora tem boas histórias para contar.

“Sempre gostei desse trabalho, e não acho pesado como muita gente diz, mas dá medo quando o vento está forte e a água fica mareando forte, a canoa balança muito e a gente fica com o coração na mão”.
Jacinta Leite
Pescadora

Para acalmar o temor, a filha de dona Jacinta, estudante, mas que ajuda os pais na atividade de pesca, Joérica Leite, costuma cantar com a mãe, a música composta por padre Zezinho – ‘Há um barco esquecido na praia’, cuja letra relata o perigo enfrentado pelos pescadores: “Quantas vezes partiram seguros/Enfrentando os perigos do mar/Era chuva, era noite, era escuro/Mas os dois precisavam pescar”.

Afinal, “para ser pescador é preciso ter coragem e ter fé”, lembra Neide Chaves França que até hoje, aos 59 anos, mantém a atividade juntamente com o marido, Arnaldo de França.

No último fim de semana, o casal estava em um barco pescando no açude Trussu, em Iguatu. “Comecei aos dez anos, ajudando meu pai, que era pescador, na Lagoa de Iguatu”, lembrou. “Parei por uns oito anos para estudar Pedagogia e ensinar em escola da rede municipal, mas vi que a sala de aula não era minha praia, e voltei a ser pescadora”.

Hoje, em tom de recordação, e com humor, Neide França relata que “quando a gente vai tirar o galão da água próximo à margem, pela madrugada, às vezes, se depara com cobra, que fica no meio da vegetação, e dá aquele medo grande”.

Na localidade de Barrocas, Josefa Alves da Silva, 48 anos, é outra pescadora, que contribui para quebrar um pouco a hegemonia de uma atividade essencialmente masculina. Ela também é casada com um pescador (Valdemar Andrade).

“Nasci aqui, nas Barrocas, na beira do Orós, casei e vivo até hoje, pescando, mas está tudo diferente, mais difícil, porque o açude não tem mais peixe como no passado. Neste ano, voltou a ficar um pouco melhor, porque o açude está com mais água”.
Josefa da Silva.
Pescadora

Ela lembra que no período de estiagem (2013 a 2016) “a gente só pescava para comer, e era pouco”.

A história que Josefa da Silva traz de recordação é quando ela colocou em risco a vida de várias crianças. “Um dia saí à tardinha para colocar o galão e enchi a canoa de meninos e meninas. Um pescador, já idoso, seu Leonardo, viu e reclamou muito. Ele tinha razão, depois pedi desculpa, poderia ter ocorrido um desastre”.

Castanhão

Nas águas do maior açude do Ceará, o Castanhão, pescadores artesanais mantêm a atividade, em meio aos piscicultores que criam de forma intensiva tilápias em gaiolas.

Carlos Freire é um deles. “Tenho orgulho de ser pescador, sustentar minha família com esse trabalho, mesmo não ganhando mais o que ganhava antes de 2015, quando o açude tinha mais água e mais peixe”, argumentou. “Vou continuar sendo pescador, até quando Deus permitir”. A renda mensal caiu de R$ 1800,00 para R$ 800,00.

Sentado em uma pequena plataforma de madeira, José Wilson Silva, fica horas e horas, pescando com vara e anzol. Faz isso, quase todos os dias, desde que o Castanhão encheu em 2004, e ele veio da Jaguaribara, antiga, que foi encoberta pelas águas do reservatório, para a nova cidade, atraído pela possibilidade de tirar o sustendo no gigante das águas doces.

Antes, Wilson Silva pescava no rio Jaguaribe. “Pesco para comer e vender, vivo disso”, pontuou Wilson Silva. “Ganho pouco porque pesco de anzol, não gosto de usar rede (malha)”. A renda mensal é em torno de R$ 800,00.

“A vida é assim, do jeito que Deus quer”, analisou. A estratégia do experiente pescador é ficar próximo às gaiolas de criação de tilápias, que são alimentadas com ração, e a comida que cai na água atrai outros peixes. “Assim fica mais fácil, né?”.

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