Legislativo Judiciário Executivo

Luiz Paulo Dominguetti negociava vacina por comissão maior que a dita na CPI da Covid

Mensagens descobertas no celular do cabo da Polícia Militar indica conflito de informação declarada em depoimento

Escrito por Redação ,
Luiz Paulo Dominguetti
Legenda: Aparelho telefônico do policial foi apreendido pela Polícia Legislativa a pedido da comissão do Senado Federal
Foto: Pedro França/Agência Senado

Durante depoimento na CPI da Covid, na quinta-feira (1º), o cabo da Polícia Militar Luiz Paulo Dominguetti teve o celular apreendido pela comissão. O conteúdo do aparelho ainda está sob perícia, mas, em uma análise preliminar, diálogos indicam que ele negociava por dose de vacina uma comissão de vinte e cinco centavos de dólar. As informações são do Fantástico.   

Os investigadores já identificaram cerca de 900 caixas de diálogos nos aplicativos de mensagem. Em 10 de fevereiro, Dominguetti enviou a seguinte mensagem para um contato identificado como Guilherme Filho Odilon:   

"Estamos negociando algumas vacinas em números superior [sic] a 3 milhões de doses. Neste caso a comissão fica em 0,25 centavos de dólar por dose"  
Luiz Paulo Dominguetti
cabo da Polícia Militar

Em depoimento à CPI, ele havia comunicado um valor menor do que o revelado nas mensagens encontradas do celular.   

"A Davati paga para todos os envolvidos, o Cristiano, a parte técnica também, 0,20 [centavos de dólar] por dose", declarou o cabo no plenário do Senado Federal.  

Em seguida, ele continua explicando nas mensagens: "O que estamos fazendo é pegar o volume da comissão e dividimos de forma igual a todos os envolvidos, claro que proporcionalmente aos grupos. Sendo três pessoas, eu, você e seu parceiro não teria objeções em avançar neste sentido."  

Na mesma conversa, Guilherme Filho questiona se, caso os interessados em fechar contrato "venha a pedir alguma coisa", eles três poderiam viabilizar a solicitação, então Dominguetti responde "ajustamos".  

Negociação com estados 

Oito dias depois, em 18 de fevereiro, o cabo da PM volta a entrar em contato com Guilherme Filho.  

Dominguetti: Vacina AstraZeneca. Valor U$ 3,97 (dose). Fob. Capacidade entrega imediato. 100 milhões de doses. Venda direta AstraZeneca. 

Guilherme Filho Odilon: Boa tarde, meu amigo. Ainda aguardando documentação do grupo.
D: Ok. Só para te posicionar, Amapá e Mato Grosso estão comprando.

O estado do Piauí também é mencionado no diálogo entre os dois.  

D: Hoje, se for do seu interesse, podemos fazer uma call [ligação] representante trend/AstraZeneca [sic] para você pontuar. [...] Conseguimos 6 meses em contrato garantir [sic] qualquer venda no Piauí ou outro parceiro. 

Em nota na semana passada, o laboratório AstraZeneca declarou que "não disponibiliza a vacina por meio do mercado privado ou trabalha com qualquer intermediário no Brasil".  

Guilherme Filho Odilon supostamente é o mesmo “Odilon” citado por Dominguetti em oitiva no Senado. No depoimento à CPI, ele disse que uma pessoa, que identificou como Odilon, teria o apresentado ao coronel do Exército Marcelo Blanco, ex-assessor no departamento de logística do Ministério da Saúde.  

O militar foi apontado pelo cabo como o responsável por apresentá-lo ao ex-diretor de Logística da pasta, Roberto Ferreira Dias. O ex-servidor, exonerado na semana passada, teria proposto ao Dominguetti um esquema de propina de US$ 1 por dose de vacina em troca da assinatura de um contrato com o Ministério da Saúde. 

Em outro diálogo, no dia 26 de fevereiro, após perder uma ligação do contato “Haroldo Vacinas Compra”, Dominguetti envia:

D: Meu amigo, já já te retorno. Alfredo me passou sobre Amazonas né? Sabe a quantidade?
Haroldo Vacinas Compra: Inicialmente, liberaram de um fundo lá quando 160 milhões, estou...

O arquivo obtido pelo programa não revela o final da conversa.     

Os investigadores acreditam que o cabo da PM também tratava da negociação de outras vacinas, além da AstraZeneca. Em umas das mensagens obtidas do celular, o militar trata sobre o imunizante russo Sputnik V com uma pessoa que chama de “Consul”.  

Novos personagens   

O conteúdo encontrado no celular de Dominguetti traz outros nomes que ainda não foram identificados pela comissão do Senado, mas que devem ser investigados. Em uma conversa do dia 20 de maio, o contato Coronel Guerra é contactado pelo cabo.  

D: Cmt [Comandante], boa tarde. Podemos falar com Serafim e ajustar assuntos vacinas e AU [sic].
Cel. Guerra: Vamos sim. Deixa eu sair aqui do DOD, não dá para usar telefone aqui.  

A sigla DOD é geralmente usada para se referir, em inglês, a Departamento de Defesa. Dois dias depois, 22 de maio, outra conversa indica que o coronel estava nos Estados Unidos.  

D: Hoje conseguimos avançar em uma conversa com nossos. 
C: Sim. Qualquer hora. Estou no campeonato com o meu filho em Baltimore [Estados Unidos].   

Já no dia 30 de maio, um novo diálogo sobre o personagem "Serafim" acontece entre os dois. As mensagens indicam que o coronel mantém contato com ele.   

D: Cel [coronel], bom dia. Acredito que seria bom o senhor dar uma ligada ao Serafim. Estão bastante descontentes com a falta de comunicação. Estou tentando ajustar para não cair, mas peço ao senho essa disponibilidade para ajustar lá também.   
C: Dominguetti, tá tudo alinhado.   

Em outra conversa, em 7 de junho, Guerra menciona "Herman", mesmo nome do presidente da Davati, Herman Cardenas.   

C: O Herman e isolou das calls com a AZ desde quinta-feira. Acredito que ele esteja analisando a documentação, mas o alocador é um... Estou no aguardo da call dele. Americo é um pouco fdp [sic].  

A comissão do Senado acredita que o termo "AZ" se refere à AstraZeneca.  

Respostas 

O governo de Mato Grosso confirmou ao Fantástico que receber, em março, um e-mail de um representante da Daviti com oferta de vacinas, mas que a tratativa não avançou por que não foi apresentada nenhuma carta da fabricante Johnson & Johnson.  

Já o Piauí disse, via nota, afirmou que não negociou a compra de imunizantes com intermediários. O governo do Amapá disse, também em nota, que os únicos contatos para compra de vacinas foram feitos oficialmente ao Fundo Soberano Russo e ao Butantan.  

O Amazonas disse desconhecer a existência de um fundo de R$ 160 milhões para aquisição de imunizantes.  

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