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Intolerância política pode se tornar crime no Brasil; entenda a proposta em discussão no Senado

O Diário do Nordeste resumiu o que prevê o texto do projeto que tramita no Congresso Nacional

Escrito por Bruno Leite , bruno.leite@svm.com.br
Congresso Nacional
Legenda: Matéria quer reprimir práticas violentas no campo da política nacional.
Foto: Gervásio Baptista/Agência Brasil

Um novo projeto de lei quer tornar crime a prática de intolerância política no País. Tramitando na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal, a proposta, caso aprovada, deve servir como um paradigma de mudança no campo político brasileiro, marcado por uma polarização ao longo dos últimos anos. 

De acordo com a proposição, protocolada pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), devem ser considerados de tal maneira e, portanto, passíveis de punição os atos de violência, hostilidade ou qualquer forma de discriminação por conta de orientação política, ou partidária.

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A matéria expressa que deve ser garantida a liberdade de manifestação e a pluralidade política, como rege a Constituição Federal. O texto tem em vista garantir, em especial, o apoio a causas sociais e a programas de partidos políticos e seus candidatos, a discordância em relação a propostas apresentadas no período eleitoral e fora dele, possíveis críticas a ações de governo, o uso de roupas que possam dar conta de uma orientação política ou partidária, além da realização de protestos pacíficos.

Ações penais resultantes de atos de intolerância a serem enquadrados crime pela legislação proposta não dependeriam de qualquer manifestação para serem iniciadas, por serem colocadas como públicas no texto. O Ministério Público, no entanto, poderá intervir com uma ação privada em até seis meses, caso não haja o ingresso com a ação penal pública no prazo legal.

A proposição chegou a entrar na pauta da reunião da CCJ dessa terça-feira (8), quando seria apresentado o parecer do senador Eduardo Braga (MDB-AM), o relator. Mas, por conta da suspensão da pauta por falta de quórum, ela não chegou a ser votada. O relatório contém três emendas modificativas e uma supressiva. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) também apresentou quatro emendas, sendo três delas supressivas e uma aditiva, que serão apreciadas.

Tipificações e penalidades

Poderão ser passíveis de enquadramento no tipo de delito em questão os casos de:

  • Discriminação política — de um a três anos de reclusão, e multa, caso seja um crime mais grave;
  • Violência política — pena seis meses a dois anos e multa, mas pode chegar a doze anos se resultar em morte;
  • Ameaça política — seis meses a dois anos de prisão e multa, podendo ser aumentada pela metade se a vítima tiver que se mudar;
  • Injúria política — detenção de um a três anos e multa, podendo haver um aumento de metade da pena quando a pessoa ofendida tiver que se retirar do local e triplicada se o crime for cometido ou divulgado pelas redes sociais;
  • Intolerância política no mercado de trabalho — reclusão de um a três anos e multa, podendo a pena ser aumentada pela metade se ocorrer no serviço público;
  • Intolerância política no acesso a bens e serviços — um a três anos de reclusão e multa, podendo a pena ser aumentada pela metade se ocorrer no serviço público;
  • Intolerância política no ensino — reclusão de um a três anos e multa, podendo aumentar pela metade se a vítima for menor de idade;
  • Dano ao patrimônio por conta de orientação política — reclusão de seis meses a dois anos e multa, podendo chegar a três anos em caso de grave ameaça, emprego de arma ou substância inflamável ou com prejuízo considerável para a vítima e aumentada pela metade se for cometido contra patrimônio do Poder Público ou partido político e candidatos;
  • Obstrução de via pública para contestar resultado de eleição ou desconfiança no processo eleitoral — reclusão de um a três anos e multa, podendo chegar a quatro anos se houver grave ameaça ou violência, ser aplicada contra agentes públicos que, requisitados para o serviço, não atuem para desobstruir ruas e aumentada pela metade no caso de financiadores da conduta.

O texto-base que está na CCJ diz ainda que serão aumentadas pela metade todas as condenações resultantes de crimes de intolerância política realizadas por grupos.

CCJ do Senado
Legenda: Projeto chegou a entrar na pauta da reunião da CCJ desta quarta-feira (8).
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Modificações no Código Penal

A proposta de legislação quer incluir ainda no rol de casos considerados como homicídio qualificado, previstos no Código Penal, aqueles que tenham sido motivados por intolerância política. 

A adição de outro artigo, que admite o ingresso de ação privada pelo MP no caso de crimes contra o Estado Democrático de Direito por partidos políticos com representação no Congresso Nacional e que não for proposta ação penal pública, também consta no projeto de lei.

Servidores condenados por intolerância política poderão perder o cargo ou a função que ocupa na máquina pública. Em razão do crime, poderá haver ainda a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por um prazo de até três meses. 

Casos de grande repercussão

Na justificativa da matéria, Calheiros, o autor, menciona o acirramento do debate público nos últimos quatro anos como um argumento válido para a aprovação da lei. 

“A diversidade do nosso povo, que sempre foi motivo de orgulho para todo brasileiro, vem sendo tolhida por atitudes ostensivas que constrangem a manifestação livre e pacífica do pensamento e da orientação política”, sustentou o emedebista.

Num outro trecho, o congressista menciona casos de violência em razão de orientação política e a utilização de crenças políticas como motivação para demissões, rescisão de contratos e boicotes.

Renan Calheiros
Legenda: Autor da matéria, Renan Calheiros argumentou que houve um acirramento do debate público no Brasil ao longo dos últimos quatro anos.
Foto: Jane de Araújo/Agência Senado

Um dos casos que poderiam ser enquadrados como crime de intolerância política e que ganharam notoriedade foi o do assassinato do guarda municipal Marcelo Aloizio de Arruda, morto a tiros em Foz do Iguaçu, no Paraná, em julho de 2022. Na ocasião, o funcionário público comemorava seu aniversário de 50 anos com um tema que homenageava o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando um policial penal federal invadiu o lugar aos gritos de “Bolsonaro” e “mito” e efetuou os disparos.

Outro fato que ganhou repercussão no noticiário e que também poderia ser enquadrado na lei que se quer aprovar no Congresso foi o da realização de bloqueios em rodovias por bolsonaristas que, no fim de 2022, após a vitória de Lula para a Presidência da República, protestaram contra o resultado nas urnas.

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