Brasil no centro: o que o novo mapa do IBGE revela sobre a política internacional brasileira
Usuários de redes sociais foram da exaltação a um suposto caráter “decolonial” da representação terrestre a críticas contra uma suposta “lacração”
O lançamento de uma nova projeção cartográfica do mapa-múndi com o Brasil no centro da Terra deflagrou uma série de questionamentos ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que produziu o mapa. Usuários do Twitter, por exemplo, foram da exaltação a um suposto caráter “decolonial” da representação terrestre a críticas contra uma suposta “lacração”.
Contudo, para além da discussão que tem polarizado as redes sociais — e é minimizada por especialistas em cartografia e especialistas em política internacional —, a “representação oficial da Terra pelo olhar do Brasil” expõe a posição do País em debates que movimentam a política internacional e provocam conflitos até hoje, como no caso da Palestina e de Taiwan.
Mapa do IBGE é entregue ao presidente Lula
— Marcio Pochmann (@MarcioPochmann) April 11, 2024
O novo IBGE mostra o Brasil no centro do mundo
Todos os países possuem seu Símbolos Nacionais, entre eles a Bandeira, o Hino, as Armas e o Selo. E são protegidos por lei. Seu uso, os padrões e modelos são compostos em conformidade com… pic.twitter.com/0fcsve29xy
O novo mapa-múndi, com o Brasil centralizado — e não deslocado para a esquerda, como é comum em mapas, historicamente — integra a 9ª edição do Atlas Geográfico Escolar, lançado no último dia 9 de abril.
A publicação reúne dados sobre clima, vegetação, uso da terra, divisão política e regional, características demográficas, indicadores sociais, espaço econômico e das redes, diversidade ambiental do Brasil e de mais de 180 países.
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Há ainda mapas que ilustram os territórios indígenas e quilombolas, e as distribuições desses grupos étnicos nesses espaços, objetos de investigação no Censo Demográfico 2022. O mapa-múndi ainda tem marcações dos países que compõem o G20 e dos que possuem representação diplomática brasileira.
Desde esta terça-feira (16), também é possível adquirir o mapa com o Brasil centralizado na loja virtual do IBGE. A decisão, segundo o próprio Instituto, aconteceu após inúmeras consultas e pedidos feitos sobre a disponibilidade para venda. Neste primeiro momento, estarão disponíveis mapas no tamanho A3, mas o IBGE pretende oferecer esse mapa-múndi em tamanhos ampliados em breve.
Cientista político e professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV–EAESP), Guilherme Casarões explica que a centralização do País que produz a representação cartográfica é comum, mas também sinaliza posições políticas.
“Simplesmente manifestam a centralidade da perspectiva nacional, sem qualquer prejuízo ou distorção geográfica. A atualização cartográfica pode, claro, ser lida como uma sinalização de caráter nacionalista, mas não destoa da prática de outros países”
Não é a primeira vez que o Brasil é representado no centro do mapa-múndi produzido oficialmente pelo IBGE. Em 2007, no 4º Atlas Geográfico, isso já ocorreu. Em outros países, como Estados Unidos, Japão, China e Rússia, há mapas oficiais onde os respectivos territórios estão no centro.
“Trata-se de uma falsa polêmica, deflagrada por aqueles que buscam se opor ao governo Lula a qualquer custo - e, muitas vezes, de maneira indiscriminada ou incorreta. Quem refutou o mapa, por qualquer razão além do estranhamento inicial, provavelmente desconhece a cartografia e a história política por trás das projeções cartográficas”, considera Casarões.
Para além do Brasil no Centro
A delimitação de algumas nações e a incorporação de territórios a outros países acabou passando despercebido nos debates polarizados nas redes sociais, mas expõe posições relevantes do Brasil na política internacional, aponta Casarões.
“As linhas políticas do mapa acompanham, rigorosamente, a posição oficial do Brasil sobre territórios de independência limitada ou em disputa. No mapa, está representada a Palestina; as Malvinas constam como território argentino, e nem Taiwan nem Kosovo aparecem como territórios soberanos. Essas representações podem variar de acordo com a fonte do mapa, mas neste caso prevalece o entendimento oficial do Brasil”, ressalta.
No caso da Palestina, o Brasil reconhece, desde 2010, o Estado com as fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias, entre árabes e israelenses. O que não ocorre em relação a Taiwan e Kosovo, por exemplo, que aparecem no mapa-múndi integrados à China e à Sérvia. Já a Crimeia, território invadido pela Rússia em 2014, aparecem como parte da Ucrânia, que reivindica o direito de exercer soberania sobre o território.
Em janeiro deste ano, inclusive, o Ministério das Relações Exteriores voltou a tratar o território asiático como pertencente a uma “só China” logo após o separatista Lai Ching-te vencer a eleição presidencial de Taiwan.
Já sobre as Malvinas, também em janeiro, o Itamaraty defendeu os “legítimos direitos da Argentina na disputa de soberania com o Reino Unido”. O território é reivindicado pelas duas nações desde 1833, quando os ingleses expulsaram os argentinos do local. Em 1982, a disputa pelo arquipélago deflagrou uma guerra, após a Argentina tentar retomar à força o local. Em 2013, ocorreu um plebiscito em que os moradores declararam a preferência pelo domínio inglês sobre a região.