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André Ítalo Rocha: 'A religião sempre esteve ligada à política, mesmo antes dos evangélicos’

Escritor de 'A Bancada da Bíblia', jornalista detalha ao Diário do Nordeste suas considerações sobre a relação entre política e religião no Brasil

Escrito por Bruno Leite, Marcos Moreira , politica@svm.com.br
Plenário Ulysses Guimarães
Legenda: Autor frisou que a intervenção da Igreja Católica na política é histórica e antecede a entrada dos evangélicos no âmbito institucional.
Foto: Mario Agra / Câmara dos Deputados

Autor de "A Bancada da Bíblia", em que investiga o funcionamento do braço das igrejas evangélicas no Congresso Nacional e de que maneira essa vertente do cristianismo passou a colocar na política, o cearense André Ítalo Rocha conversou com o Diário do Nordeste e analisou o cenário que está posto no Brasil nos dias atuais e o que está por vir. A obra, vencedora do 2° Prêmio Todavia de Não Ficção, é lançada em Fortaleza nesta semana.

Para o escritor, que é nascido em Fortaleza, a implicação entre o poder e a religião não é algo novo, haja vista o acolhimento de governantes aos líderes da Igreja Católica - em especial pela força da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) -, mas a correlação foi institucionalizada ao longo das últimas décadas, em decorrência da própria redemocratização do País e dos efeitos da Constituinte de 1988.

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Ele, que é jornalista especializado em política e tem passagens por veículos como a Agência Estado e o Valor Econômico, acredita que o segmento evangélico, com suas diversas denominações e congregações, pode não chegar a um estágio de conversão da metade do extrato social brasileiro, mas que é muito provável que a maioria dos cristãos se tornem evangélicos em um futuro próximo.

"Hoje os evangélicos são 30%, e os católicos são um pouco mais de 50%, mas pode muito bem acontecer, daqui a dez anos, dos evangélicos serem 40%, e os católicos serem 35%, vamos supor", considerou Rocha, em entrevista ao jornal.

André Ítalo também teceu suas considerações acerca dos fluxos de aproximação da esquerda e da centro-esquerda com a fatia evangélica do eleitorado. Na visão dele, os acenos simbólicos, como a criação de datas específicas, são importantes, mas que também são necessárias políticas que garantam o bem-estar da população e uma atenção do Poder Público para com essas pautas, até mesmo para que temas voltados para a "agenda de costumes" se tornem secundários.

André Ítalo Rocha é jornalista especializado em política e tem passagens por veículos como a Agência Estado e o Valor Econômico
Legenda: André Ítalo Rocha é jornalista especializado em política e tem passagens por veículos como a Agência Estado e o Valor Econômico
Foto: Arquivo pessoal

Confira a entrevista:

Diário do Nordeste: Você faz uma analogia no seu livro que é essa comparação de que o segmento evangélico um dia foi proibido de jogar, entrou em campo para se defender e hoje joga no ataque. Qual a dimensão da força desse grupo na política?  

Para te dar uma resposta bem objetiva, os evangélicos, na Câmara dos Deputados, para ser mais específico, são hoje cerca de 90 deputados, então isso dá um pouco menos de 20%. Esse número de deputados evangélicos na Câmara costuma variar, porque sempre tem aquele deputado que se licencia do cargo para assumir uma secretaria ou aquele que renuncia quando se elege como prefeito. É um número recorde para eles. A bancada evangélica começou a existir, digamos assim, na Constituinte de 1988. Naquela época, eles elegeram 32 deputados e hoje eles são cerca de 90, então a bancada é praticamente o triplo do tamanho, ao longo de pouco mais de 30 anos, se a gente pegar da Constituinte até hoje. 

É uma bancada que vem crescendo. Em uma ou outra eleição às vezes cai um pouquinho, mas, de maneira continuada, ela vem crescendo. Como coloquei no livro, houve uma época que os evangélicos não podiam sequer se candidatar, que foi no período colonial. Como os portugueses, quando vieram para o Brasil, trouxeram um projeto também religioso, com os jesuítas, de converter os índios, e era um projeto de ter o catolicismo como religião oficial de Estado, naquela época você só podia ser deputado se fosse católico, senador também. Na prática, os evangélicos não podiam ser eleitos. Não podiam sequer se candidatar. Mas também porque eles eram uma fatia muito pequena da população, não chegava nem a 1%.

O catolicismo deixou de ser uma religião oficial no país em 1890, ali no final do século XIX. Então, a partir dali que os evangélicos começam a crescer em população, mas até então sem participar muito da política. Eles começam, de fato, a ver a política como um caminho, como um canal de engajamento na sociedade, a partir da Constituinte.

É um patamar de 90 deputados, cerca de 20% da Câmara, que não dá para ignorar. Qualquer presidente que queira governar o país, pode ser o Lula (Luiz Inácio Lula da Silva, atual presidente), pode ser o Bolsonaro (Jair Bolsonaro, ex-presidente), pode ser quem for, não tem como governar sem ouvir os evangélicos, sem conversar com os evangélicos, sem negociar com os evangélicos. Se quer, eventualmente, aprovar algum projeto, vai ter que conversar com os evangélicos para ter essa aprovação também, porque não dá para colocar qualquer projeto em votação ignorando 20% da Câmara. Obviamente que os evangélicos ainda não são maioria, um dia podem chegar a ser. Eles sozinhos ainda não conseguem aprovar nenhum projeto. Se os evangélicos quiserem aprovar qualquer projeto relacionado, por exemplo, ao aborto, que é um tema importante para eles, vão ter que conseguir uma aliança com outros segmentos da Câmara.  

A gente tem visto, de forma geral, que essa relação entre política e religião não é nova. De que forma você entende que esse fenômeno tem crescido na política?  

Isso ficou mais evidente por causa dos evangélicos. Antes, a Igreja Católica sempre esteve muito ligada ao Estado. Ali, na colonização, era um projeto conjunto da Igreja com os portugueses para colonizar o Brasil. Durante muito tempo o catolicismo foi a religião oficial do país. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) sempre foi uma instituição muito influente, não no sentido de ter uma bancada, mas de ser muito ouvida. A opinião sempre foi respeitada em governos passados. 

Então, assim, a religião sempre esteve ligada à política, mesmo antes dos evangélicos. O que acontece é que o segmento evangélico é o primeiro que passa a ter uma bancada, que passa a ter essa atuação política institucional no Congresso Nacional. Isso aconteceu porque, até os anos 1980, os evangélicos eram uma minoria da população. Aliás, eles são até hoje, apesar de terem crescido muito, ainda são uma minoria de 30% da população. Até os anos 1980, eles eram uma parcela ainda menor, davam 6% da população. Naquela época, os evangélicos se sentiam muito perseguidos, porque tinha uma percepção entre eles de que o catolicismo era a religião dominante no Brasil e, eram aquela minoria vista com certo preconceito, "aqueles fanáticos".  

Tinha jornal que chamava os evangélicos de membros de seitas fanáticas, cultura alienada, aquele crente que não se integrava na sociedade. Eles se sentiam, de certa forma, inferiorizados, perseguidos. E sempre houve um medo da parte deles, naquela época, de perderem a liberdade de culto e a liberdade religiosa como um todo, porque, quando surgiu o debate da Constituinte, ali no finalzinho dos anos 1980, tinha um boato - e os evangélicos acreditaram muito nisso - de que, com a Constituição, o catolicismo ia voltar a ser a religião oficial do Brasil - até porque o catolicismo, na época da Ditadura, se aliou muito com a esquerda, aí os evangélicos mais à direita tinham medo de que fosse aprovada uma constituinte com o catolicismo como religião oficial. Isso gerava um receio de que os evangélicos começassem a ser mais perseguidos do que eles se sentiam.  

E aí o que eles pensaram: "A única alternativa que a gente tem é entrar na política, é eleger deputados, fazer aquele engajamento nosso, uma mobilização, campanha na igreja, eleger pastor para a gente ter uma parcela relevante dentro do Congresso e, com isso, eventualmente, se tiver algum projeto contrário, a gente vai lá e derruba". Isso, no início, era muito mais ligado à liberdade de culto e à liberdade religiosa. Mas, com o tempo, eles começaram também a agregar outras pautas, como a do aborto, a pauta do casamento de pessoas do mesmo sexo, a pauta da questão das drogas.

Os católicos sempre foram envolvidos por política, mas nunca com esse teor de resistência. Estiveram com aquele status de "eu sou o poder, eu já tenho o poder, não preciso provar nada para ninguém". Os evangélicos não, eles tinham um pouco desse complexo de vira-lata, de que precisavam mostrar para o restante da sociedade que eles queriam ser ouvidos e influenciar também. Aí começa a existir uma bancada evangélica, no final dos anos 1980. No início ainda não existia oficialmente a frente parlamentar evangélica, mas era uma bancada informal, digamos assim. 
 

Falando um pouco mais desse movimento, como ele evidencia também uma série de mudanças na composição das próprias igrejas, pensando aí no avanço do viés neopentecostal? Como você vê isso? 

Uma coisa que é importante é que os evangélicos têm se dividido em, basicamente, dois grupos. Você tem os evangélicos protestantes históricos, que são, digamos assim, as igrejas que nasceram a partir da Reforma Protestante, por volta de 1500, com Martin Lutero, na Alemanha - que era um monge que teve a iniciativa de se rebelar contra a Igreja Católica porque discordava de uma série de práticas e doutrinas, e foi lá e fez a Reforma Protestante, que deu origem a novas igrejas, também cristãs, porém com novas doutrinas, novas práticas e crenças. No começo do século XX, ou seja, 500 anos depois da Reforma Protestante, você tem o surgimento dos pentecostais, uma ramificação mais nova dessa dos evangélicos e que têm uma doutrina um pouco diferente. 

Os neopentecostais seriam uma terceira classificação, que é uma ramificação dentro dos pentecostais. São igrejas mais recentes, muito características aqui, do Brasil, e que têm, por exemplo, a crença na teologia da prosperidade, que é a crença de que você não deve esperar a salvação para depois de morrer, deve buscar a felicidade e a riqueza ainda em vida, e, por isso, você deve buscar o enriquecimento na Terra. É por isso que essas igrejas neopentecostais, uma delas é a Igreja Universal, do Edir Macedo, elas costumam associar muito o pagamento do dízimo ao retorno que Deus vai te oferecer ainda em vida.  

Os evangélicos têm uma série de igrejas com características muito diferentes umas das outras. Quando a gente pesquisa os evangélicos, é claro que procura falar dos evangélicos de maneira geral porque existem características em comum, mas é sempre importante tentar não generalizar, porque cada igreja tem uma característica diferente. E isso também se reflete na política, porque, por exemplo, algumas igrejas estão mais envolvidas com política e outras, menos. A Assembleia de Deus e a Universal são super engajadas politicamente, o Edir Macedo está sempre participando, chega a definir o candidato que vai apoiar na eleição presidencial. Mas algumas igrejas querem distância de política. A Deus é Amor, que é pentecostal também, e a Congregação Cristã têm aversão à política, não querem participar porque acham que a política é uma coisa mundana demais e que pode desviar da fé.  

Ainda falando um pouco mais sobre esse movimento de crescimento dessa 'Bancada da Bíblia', podemos entender o quanto a disputa de forças entre os espectros políticos e a polarização ajudam a entender esse cenário? É possível a gente afirmar que o fenômeno está estreitamente ligado com a direita?  

É claro que existem evangélicos que são de esquerda. Na última eleição, por exemplo, pesquisas mostraram que cerca de 1/3 da população evangélica tinha intenção em votar no Lula. Só que 2/3, a maioria, tinha a intenção de votar no Bolsonaro. Falo isso para dizer que cerca de 30% da população evangélica tem interesse em votar no Lula, não é uma parcela desprezível, mas o engajamento político dos evangélicos, das igrejas, é muito mais associado com a direita. Existe, entre as igrejas evangélicas, uma percepção de que a atuação política hoje é muito mais voltada para combater pautas de esquerda, que seriam, por exemplo, pautas progressistas, como flexibilizar a legislação do aborto, aprovar casamento com pessoas do mesmo sexo, descriminalizar a maconha. Todas essas pautas que estão associadas à esquerda, as igrejas evangélicas mais conservadoras se sentem muito motivadas a participar da política para combatê-las. 

Vamos supor que existe uma igreja em que o pastor seja mais à esquerda, ele vai ter quase nenhuma motivação para se mobilizar politicamente, porque o que ele defende já é defendido pelos partidos de esquerda, enquanto o pastor de direita sente que, se ele não agir, ninguém vai fazer isso por ele. Às vezes pode parecer que todos os pastores são de direita, mas não são. A questão é que os pastores de direita são muito mais engajados politicamente do que os pastores e os evangélicos que estão mais à esquerda.

Muito provavelmente o evangélico de esquerda não vai votar num candidato evangélico, ele vai voltar, sei lá, num candidato que seja de esquerda, mas não é evangélico. Ou, eventualmente, ele pode até votar em um candidato evangélico de esquerda, mas que não tem como proposta questões religiosas. O candidato evangélico de direita, ele vai fazer campanha dentro da igreja, buscando o voto daquele evangélico mais conservador, com propostas relacionadas à religião, falando sobre coisas que estão na Bíblia. Existem os dois grupos. A questão é que esses dois grupos operam de maneira diferente, têm motivações diferentes e níveis de engajamento diferentes e, portanto, acaba que os evangélicos são muito mais associados ao campo da direita. 

Culto no Congresso Nacional
Legenda: Culto evangélico na Câmara dos Deputados, em 2011.
Foto: David Ribeiro / Câmara dos Deputados

No nosso cenário de Fortaleza, nessa última semana de campanha, 14 pastores divulgaram um manifesto pedindo para os púlpitos não serem utilizados como palanques eleitorais, isso foi publicado no domingo (20) e, a nível nacional, a CNBB também fez um alerta de que o ambiente eclesial não pode ser transformado para esse objetivo, ainda no primeiro turno. O que esses episódios refletem sobre a relação entre a política e o uso de templos religiosos? 

Tem um grupo de pastores, como esses que se manifestaram, que eles têm uma preocupação de não serem taxados de estarem manipulando seus fiéis. Independentemente de serem de esquerda ou de direita, não querem ser vistos como lideranças religiosas que estão ali tentando manipular, até porque muitos fiéis que se incomodam com isso. Durante minha pesquisa, participei de vários cultos para poder compreender melhor essa questão e, em vários momentos, via pastores falando de política no culto, às vezes até pedindo explicitamente voto em algum candidato, e escutava fiéis do meu lado e na minha frente comentando, incomodados. 

Dentro da Igreja Católica, esse incômodo é ainda maior, porque ela tem uma relação com a política um pouco mais discreta. É uma relação histórica, porque o catolicismo sempre foi muito envolvido com a política, mas procuram fazer isso de maneira mais discreta. É diferente de muitos evangélicos que são um pouco mais escrachados, digamos assim, não têm muita vergonha de falar sobre política e de fazer pregação no culto defendendo determinado candidato. Esses casos desses pastores, que tomaram essa posição, infelizmente são minoria. A maioria dos pastores, hoje em dia, defende falar de política no púlpito - o que é ilegal, porque a gente sabe que a legislação eleitoral do Brasil proíbe fazer campanha e pedir voto no púlpito. Muitos pastores fazem campanha mesmo assim porque sabem que a fiscalização é frouxa. Seria bom que mais pastores tivessem essa postura como uma desses 14. 

Ainda falando daqui de Fortaleza, temos visto essa pauta religiosa entrando no centro da disputa. O candidato André Fernandes, por exemplo, costuma destacar sua trajetória na igreja e é filho de um pastor que também é deputado. Além disso, ele tem uma vice que é uma das lideranças da Comunidade Católica Shalom, a Alcyvânia Pinheiro. Por sua vez, Evandro é católico e tem uma vice também católica. De que forma a política une pessoas de diferentes vertentes, ao mesmo tempo que alegar a religião se torna cada vez mais caro na corrida eleitoral?  

O debate eleitoral, infelizmente, acaba tendo muito pouco espaço para debater propostas. Você tem campanhas curtas, que duram 40 a 45 dias. E até candidatos que gostariam de discutir propostas, projetos para a cidade, mas eles sabem que seus adversários vão partir para discursos mais apelativos, porque sabem que o tempo é muito curto para conquistar um eleitor. Muitas vezes você começa uma campanha eleitoral, e o eleitor mal sabe quem são os candidatos, não conhece direito quem são os políticos, e se tem ali 40 a 45 dias para mostrar quem é você, para mostrar qual projeto representa.  

Pegando o caso de Fortaleza, ela é uma cidade que, há 20 anos, é comandada por partidos de esquerda ou centro-esquerda. Tivemos um período da Luizianne (Lins), um período de Roberto Cláudio, que começou no PSB e depois foi para o PDT, dois partidos de centro-esquerda, agora o Sarto também é prefeito pelo PDT. O André Fernandes, sendo um candidato da direita, sabendo que historicamente a direita não costuma ter resultados favoráveis em Fortaleza e no Ceará, com algumas exceções, ele sabe que precisa partir para um discurso mais apelativo para chegar em um eleitorado maior e ter algumas chances de vencer. Então, a gente tem visto muitos candidatos de direita, não só em Fortaleza, mas em outras capitais também, partindo para o discurso religioso, porque ele gera uma identificação.  

Você tem um crescimento dos evangélicos no Brasil, em Fortaleza não é diferente, os evangélicos também têm crescido e aí um candidato como André Fernandes, ele sabe que há uma série de pautas hoje que são muito sensíveis aos evangélicos. Às vezes não são nem pautas que estão relacionadas ao debate municipal. Mas ele sabe que, para boa parte da população, há um desconhecimento com relação a isso, então prefere partir para essas pautas que são mais sensíveis para a população, para os evangélicos especificamente, porque pode ter um retorno mais rápido em termos eleitorais, aquela identificação vai ser gerada de maneira mais rápida. 

Esse segmento evangélico vai se sentindo representado por um candidato como André Fernandes, por um candidato, por exemplo, como Bolsonaro. E isso vai se consolidando. O outro lado, no caso do Evandro Leitão, o discurso religioso acaba aparecendo menos, mas ele acaba aparecendo, muito mais como uma reação. No caso de candidatos como Evandro Leitão, vem muito mais daí, dessa necessidade de não perder eleitores para o candidato que apela mais para o discurso religioso. 

A primeira rodada do segundo turno da pesquisa Quest mostra o André Fernandes com 63% do eleitorado evangélico, enquanto o Evandro Leitão tem cerca da maioria no eleitorado católico, são 49%. É possível apontar quais elementos dificultam a entrada de um candidato que se diz de uma religião no eleitorado de outro segmento? Ainda há limites intransponíveis para o encontro de viés religiosos na política? 

É claro que o André, sendo evangélico, naturalmente vai ter uma aceitação maior entre os eleitores evangélicos, mas não existe uma correlação muito forte em relação a isso. A gente pode pegar, inclusive, o próprio exemplo do Bolsonaro, ele não é evangélico. A gente acha que ele é evangélico, mas não é, ele se batizou dentro da Igreja Católica e até hoje fala que é católico. Houve um momento ali, em 2016, em que ele se batizou com um pastor evangélico, mas aquilo não representou uma conversão dele, porque não rejeitou o batismo anterior, na Igreja Católica. Ele se diz católico, mas tem uma aceitação muito grande entre os evangélicos, a gente viu nas eleições passadas. Isso acontece porque o Bolsonaro defende as pautas que os evangélicos defendem, então é muito mais uma questão de você defender as mesmas pautas, de estar alinhado ideologicamente no sentido religioso.

Acho importante destacar que os evangélicos e os católicos, ambos são grupos cristãos, têm a mesma fé em Jesus Cristo, a mesma crença em Deus, o que separa às vezes são as questões específicas de doutrina. Há uma série de diferenças que separa, mas você tem uma série de bandeiras que os une. Um candidato católico, se for muito conservador, ele pode muito bem atrair o eleitorado evangélico mais conservador também, poderia ser uma estratégia. Já um candidato evangélico, também pode atrair o voto católico se eles estiveram alinhados em relação a essas pautas. Não existe uma barreira, digamos assim, que impeça um candidato evangélico de atrair o eleitorado católico e vice-versa, é muito mais uma questão de quais são as bandeiras e as pautas que esse candidato defende ou não. Se o Evandro, por exemplo, é católico, mas tem uma posição mais de centro-esquerda, dificilmente ele vai atrair os católicos mais conservadores, provavelmente os católicos mais conservadores vão votar no André Fernandes. 

Lula e evangélicos
Legenda: Sanção do projeto de lei que institui o Dia Nacional da Música Gospel, no último dia 15.
Foto: Ricardo Stuckert / PR

Recentemente, nós vimos acenos ao segmento evangélico por parte do governo federal e estadual. O Lula, por exemplo, instituiu o Dia da Música Gospel e se reuniu com integrantes da 'Bancada da Bíblia' e o Elmano de Freitas, por sua vez, prometeu comprar e distribuir bíblias para as escolas públicas estaduais - essa medida entrou também como proposta na campanha municipal. Como esse grupo ganha força ao ponto de não poder mais ser ignorado pelas forças políticas? Você também disse que ele ainda não é 50% da população, mas, pelas suas pesquisas, há possibilidade de ele ser metade do extrato social brasileiro? 

Vai ser difícil que os evangélicos cheguem a ser mais de 50% da população. Não digo isso porque acho que os evangélicos vão parar de crescer, mas porque há também um movimento no Brasil de aumento de pessoas sem nenhuma religião ou pessoas que seguem outras religiões que não são cristãs, como pessoas que seguem religiões de matriz africana. Mas o que vai acontecer, o que é muito provável que aconteça, é que os evangélicos se tornem a maior religião do Brasil, isso não significa que eles vão ter mais de 50%. Hoje os evangélicos são 30% e os católicos são um pouco mais de 50%, mas pode muito bem acontecer daqui a dez anos dos evangélicos serem 40% e os católicos serem 35%, vamos supor. 

E uma coisa importante também é que está havendo um esforço dos grupos de esquerda, como o presidente Lula ou como o governador Elmano, de fazer esses acenos, porque as lideranças de esquerda sabem que o eleitorado evangélico está crescendo e não dá para ignorar. Não dá para você fazer uma campanha eleitoral, sem um olhar também pelo eleitor evangélico, principalmente a esquerda, porque você tem uma maioria evangélica que está nas periferias, nas regiões mais pobres do Brasil. E essas pessoas também sofrem com a fome, com a falta de empregos, com a inflação, que são temas que a esquerda historicamente debate.  

Esses acenos mais simbólicos podem ser importantes, como criar o Dia Nacional da Música Gospel. É lógico que não vai fazer com que o evangélico se sinta mais atendido pelo governo, mas é claro que esse aceno é importante, de repente, para uma primeira aproximação. É importante que o governo atue com políticas públicas que, de fato, gerem uma melhora na qualidade de vida dessas pessoas, porque no fim das contas é o eleitor como um todo, se ele sente uma melhora na qualidade de vida dele, essas outras questões vão acabar se tornando secundárias. A gente vê, por exemplo, em Recife, o prefeito João Campos foi reeleito lá com uma super votação. Ele é um candidato de centro-esquerda, mas teve uma votação expressiva dos evangélicos.  

SERVIÇO
Lançamento da obra A Bancada da Bíblia - Uma História de Conversões Políticas

Quando: 26/10, às 11h
Local: Livraria Arte e Ciência (Avenida 13 de Maio, 2400 - Fátima)

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