"Relatório vai apontar elementos fortes para responsabilização criminal", diz vice-presidente da CPI
Em entrevista exclusiva, o senador Randolfe Rodrigues fez críticas a Bolsonaro e detalhou a nova fase da CPI da Covid
Vice-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) aponta que a investigação realizada pelo Senado deve resultar em "forte material" para responsabilizar, inclusive criminalmente, erros na condução do enfrentamento à pandemia.
Em entrevista exclusiva ao Sistema Verdes Mares, o parlamentar detalhou quais devem ser os próximos passos da comissão: foco na apuração dos motivos para suposta omissão na gestão da crise sanitária no País.
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O senador também critica a conduta de Jair Bolsonaro (Sem Partido), como na realização, por exemplo, de motociatas e na crítica ao uso de máscara. Sobre eleição, ele defende uma frente ampla de oposição em 2022, m as avalia que o foco dele no momento é a CPI.
Confira a entrevista completa:
O Supremo Tribunal Federal (STF) acabou recusando algumas solicitações de quebra de sigilo de funcionários do Ministério da Saúde, argumentando que faltavam justificativa para o pedido. Isso prejudica o andamento da CPI ou causa algum desgaste com o Supremo?
A maioria dos sigilos que interessavam a CPI foram deferidos pelo Supremo Tribunal Federal. O Supremo decidiu pela manutenção da quebra desse sigilo da (Secretária do Ministério da Saúde) Mayra Pinheiro, do (ex-ministro) Eduardo Pazuello e do (ex-chanceler) Ernesto Araújo. Há uma compreensão, também do Supremo, de que as quebras de sigilos das pessoas mais abaixo no nível hierárquico não teriam importância para a perseguição do objetivo da CPI. Nós respeitamos as decisões judiciais mesmo quando não nos é favorável porque, na democracia, tem que ser assim. Tem que ter respeito a decisão judicial, o contraditório, a tolerância e o respeito às minorias.
Lamentavelmente, nós entramos em um ciclo – impulsionado pelo bolsonarismo – de ódio, desrespeito às decisões judiciais, às instituições do estado democrático de direito, ao funcionamento da democracia como ela é. O objetivo final do bolsonarismo e de quem lhe segue é este: acabar com a democracia. Então, quaisquer que sejam as decisões da Suprema Corte, sendo favorável ou desfavorável, nós sempre a respeitaremos.
A cada depoimento na CPI têm ocorrido muitos embates entre a base e a oposição ao governo. Esses confrontos, que às vezes saem do foco da comissão, podem atrapalhar o andamento? Quais respostas a CPI pretende oferecer?
Tem dois campos na CPI: os que querem seguir nas investigações e os que querem desacreditar a CPI. Hoje, estes (últimos) são minoria e eu espero que assim continuem. Tem dois caminhos nessa Comissão Parlamentar de Inquérito. O que o governo tenta fazer na CPI é somente confundir, desviar o foco das investigações, mas nós estamos conseguindo, a duras custas, avançar. Se não fosse a CPI, o Brasil não saberia porque não teve vacina desde o ano passado.
É graças à CPI que os brasileiros já sabem que nós poderíamos ter vacina da Pfizer no braço desde 17 de dezembro de 2020. Com isso, quantas vidas de cearenses não teriam sido salvas?
Só foi possível descobrir, graças à CPI, que o Governo apostou em cloroquina e não em vacina; que teve um gabinete paralelo, negacionista da ciência, atuando. E nós vamos descobrir ainda que esse gabinete paralelo não atuava à toa, atuava junto com o presidente da República, com favorecimento de laboratórios para ganhar dinheiro, para atuar com advocacia administrativa. O esquema também tinha corrupção.
Esse vai ser, então, o principal foco da CPI neste momento?
Essa é a linha que nós vamos avançar agora, é a terceira parte. Já confirmamos a omissão de vacinas, a existência do gabinete paralelo e do negacionismo. Já confirmamos que isso levou à morte de brasileiros. Agora, vamos para o porquê fizeram isso. Tudo indica que fizeram por conta de ‘ladroagem’, corrupção. Esquema montado com laboratórios para promover um determinado medicamento e lucrar às custas da vida de brasileiros.
A CPI recebe milhares de documentos, pede informações sigilosas. Existe um arsenal de informações grandes obtidas pela comissão. O que os brasileiros ainda não sabem que deve surgir nesses próximos dias?
Eu diria só mais dois aspectos: o acumpliciamento corrupto existente com laboratórios, que nós vamos aprofundar agora nessa fase final, e o papel das fake news no agravamento da pandemia. Tem mais algumas quebras de sigilo que devem ser aprovadas no âmbito da comissão.
Responsabilização
Já existe alguma investigação em torno de possível crime de responsabilidade de algum integrante do governo federal?
Isso daí está na veia, né? Está latente, está na cara. O relatório final da CPI deverá versar em três aspectos: a responsabilização, a responsabilização criminal e a responsabilização criminal à luz de crimes de lesa humanidade e genocídio - que levariam os responsáveis ao Tribunal Penal Internacional.
O senhor considera que o resultado da CPI pode gerar processo de impeachment?
Eu posso assegurar que o material probatório que nós teremos será substancial. O material probatório que nós levaremos à conclusão dessa CPI dá pra levar os responsáveis até para o Tribunal Penal Internacional, quiçá crime de impeachment. Então até para o Tribunal Penal Internacional dará. Obviamente que o crime de impeachment, o crime de responsabilidade, é um juízo político que passa primeiro pelo presidente da Câmara dos Deputados. Ficamos à mercê disso.
Agora, as outras responsabilizações, por exemplo, a criminal, perseguirá o responsável até o final da vida.
Então, uma coisa eu posso garantir para vocês: o relatório vai ser substanciado e vai apontar elementos muito fortes para responsabilização criminal dos responsáveis.
É possível prever punições, por exemplo, para o próprio presidente, para ex-ministros ou ministros ainda atuando? Quais devem ser os resultados concretos que a população pode acompanhar no futuro?
Indiciamento de todos os responsáveis pelo agravamento da pandemia em nosso país. O indiciamento, à luz da responsabilidade civil e do crime de impeachment, pode não avançar por razões óbvias.
Agora, o indiciamento criminal, esse tenho melhor expectativa. Porque diz a lei que rege as comissões parlamentares de inquéritos, que a autoridade que receber as denúncias criminais contra quem quer que seja, tem o prazo de trinta dias para se manifestar sob pena de responder civil, administrativa ou criminalmente.
Inclusão de Estados e municípios
Na época do requerimento para convocação de governadores, o senhor demonstrou ter algumas discordâncias. Como avalia os desdobramentos dessa questão?
Na verdade, eu acabei votando, inclusive, favorável à convocação deles e apresentei a convocação do Presidente da República. A minha dúvida é que tinha um impedimento legal com base no regimento do Senado e com base na Constituição. Se, de alguma forma, o Supremo entender que o governador pode prestar depoimento como testemunha, como inquirido, como investigado, então vai ser possível o presidente da República também.
Eu até acho interessante o comparecimento, não só dos governadores, mas do próprio presidente. Seria muito interessante para os brasileiros ter o senhor Jair Bolsonaro lá frente a frente conosco. Eu esperaria por esse dia como o vigia espera pela aurora.
Quanto aos governadores, o senhor considera que eles estarão na situação de convocados na CPI?
O primeiro pedido do governador Wilson Lima foi negado pelo Supremo. Eu acho que tem um impedimento legal, claro. Agora, os governadores já demonstraram a disposição de estarem presentes como convidados. É o caso do governador Wellington Dias, do Piauí, que se dispôs a falar, inclusive, pelo Consórcio Nordeste. Eu acho que o esclarecimento feito por eles é muito importante para comissão, principalmente porque a gente contrastará a condução da pandemia que foi feita nas esferas locais a condução que foi dada pelo Presidente da República.
Ações do presidente Bolsonaro
Como o senhor avalia a questão do uso da máscara, que tem sido discutida pelo presidente Jair Bolsonaro, e o tratamento precoce, também defendido pelo presidente?
Não ouçam o presidente da República, pelo amor de Deus, usem máscaras. Só vamos deixar de usar máscaras depois que tivermos setenta, setenta e cinco por cento dos brasileiros imunizados. Como fizeram em Israel, como fizeram na Nova Zelândia, como fizeram na Austrália, como fizeram até nos Estados Unidos. Ouçam a ciência, não ouçam esse canto de sereia. É um canto de sereia para a morte. A máscara tem que ser utilizada até nós termos um índice de imunização de brasileiros e brasileiras seguro.
O senador Tasso Jereissati , inclusive, chegou a sugerir alguma medida que pudesse proibir que o presidente Jair Bolsonaro, andasse sem máscara. É possível uma medida do Congresso Nacional para tentar frear essas condutas?
Deveria, mas veja, eu acho do ponto de vista constitucional jurídico muito limitado o poder disso. Vamos entender que esta atuação do senhor presidente da República é uma busca desenfreada dele de voltar ao foco. Um dos grandes méritos da CPI é ter tirado o Brasil do cercadinho que o senhor Jair Bolsonaro aprisionou os brasileiros.
(A pandemia) Passou a ser pautada no país com base nesse número que de fato é relevante. Esse negócio todo de máscara, essas atuações circenses dele, com todo respeito aos artistas de circo que não merecem esse tipo de comparação. Mas esse tipo de busca dele de ficar no centro do palco é claramente para desviar o foco da CPI. Nós temos que estar convictos pra onde temos que caminhar na CPI.
Sabe por que esse desespero todo? Andar sem máscara, fazer campanha sem máscara... Sabe por que tudo isso? É porque a gente está encontrando o caminho do dinheiro, a gente tá descobrindo a maracutaia, a corrupção, onde eles ganharam dinheiro. Qual foi a rachadinha da pandemia às custas da morte brasileira? É por isso esse desespero todo. Então, toda vez que vê o senhor presidente fizer uma motociata, disser uma frase de efeito sobre uso de máscara é cortina de fumaça para tentar impedir que não seja descoberto o que a CPI está investigando.
Sucessão presidencial
Nas eleições municipais de 2020, a Rede esteve ao lado de PV, PSB e PDT. É possível manter essa aliança para 2022?
Nessa altura, minha concentração todinha é na CPI, eu não estou muito preocupada em 2022. Eu quero que o Brasil todo esteja de um lado, em 2022. O lado da superação dessa página infeliz da história nacional, essa página triste da história nacional. Essa página em que o governo atentou contra a vida dos seus compatriotas, essa página que nos levou a uma gravíssima crise econômica. Nós temos mais de 14 milhões de brasileiros desempregados hoje.
Temos uma crise sanitária, uma crise econômica, uma crise social, uma crise ambiental. O lado que qualquer democrata desse país tem que estar, em 2022, é só um: o lado para superar esse momento. E olha, vai dar trabalho, se nós conseguirmos superar esse momento, reconstruir esse país.
Como se não bastasse todas as crises, a incompetência do Governo Federal nos leva agora a uma crise hidráulica. Nós corremos o risco de entrar, inclusive, em um racionamento de energia elétrica, como se não bastasse todas as demais crises. Hoje, os índices dão conta que o Brasil passou a ter aumentado a sua percepção de corrupção, perdendo postos no controle da corrupção na América Latina. Esta CPI, voltando a falar dela, só existe porque outras instituições que deveriam ter o dever de atuar, se omitiram. E aí coube a nós cumprir esse papel que outras instituições se omitiram.
Só tem dois lados em 2022: quem quer a restauração do pacto civilizatório para que esse país avance ou quem quer aprofundar a degradação moral, política e democrática que nós estamos vivendo. Eu vou estar no primeiro grupo.
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O presidente Jair Bolsonaro deve tentar a reeleição em 2022. Na oposição, como estão as definições?
Eu tinha uma concentração maior para esse diálogo antes do papel na CPI. O papel da CPI é histórico e eu resolvi sair do debate mais eleitoral, nessa seara política de eventuais negociações para me dedicar ao papel que temos a cumprir nessa Comissão Parlamentar de Inquérito. Ao término da CPI, nós voltaremos a dialogar com os diferentes a todos.
Por enquanto esses diálogos estão sendo feitos pelos dirigentes do meu partido. Então eles estão conduzindo esse processo de negociação e eu tô bem representado por eles. A convicção que nós temos é que só existem dois grandes campos para 2022: o da reconstrução nacional ou o do aprofundamento dramático e trágico dessa crise que vivemos.
Na sua avaliação, essa união vai acontecer ainda no primeiro turno?
Que aconteça em qual turno for. A Constituição de 1988 nos possibilita ter uma eleição em dois turnos, então acontecendo quando aconteça. Os brasileiros estão cansados da situação que estão vivendo. Os brasileiros se cansam todo final de semana de assistir um espetáculo deprimente de morticínio, protagonizado pelo mais alto mandatário da nação.
Ao invés de assistir espetáculo de desfile de motos, presidente da República devia se preocupar em evitar o aumento no número de mortos no país. Então é um cansaço de todos os brasileiros, é um capítulo infeliz da nossa história, que eu espero que todos nós superemos no ano que vem.