Em depoimento, Moro reforça acusações de interferência na PF; Bolsonaro rebate

O ministro do STF Celso de Mello, responsável pelo inquérito que apura possível interferência na corporação, autorizou a divulgação de depoimento; presidente acusa o ex-ministro de crimes contra a Lei de Segurança Nacional

Escrito por Luana Barros ,
Legenda: Trocas de farpas entre Bolsonaro e Moro não cessam desde a demissão do ex-ministro
Foto: Foto: AFP

A divulgação do depoimento do ex-ministro Sérgio Moro à Polícia Federal (PF) voltou a inflamar o embate travado entre ele e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). No depoimento, Moro reforçou as acusações de que Bolsonaro teria tentado interferir indevidamente na Polícia Federal, tanto por meio do diretor-geral do órgão como pela troca do superintendente da PF no Rio de Janeiro. O presidente, por outro lado, voltou a rebater as falas do ex-ministro e afirmou que Moro está tendo condutas que podem se enquadrar na Lei de Segurança Nacional.

A narrativa do ex-ministro é considerada um dos principais elementos do inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) que pode levar à apresentação de denúncia contra o próprio Moro ou contra o presidente. Como parte da investigação, foram autorizados ontem os depoimentos de três ministros de Bolsonaro: Augusto Heleno (GSI), Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).

Responsável pelo inquérito que apura se o presidente tentou interferir indevidamente em investigações da PF, o ministro do STF Celso de Mello atendeu a pedido que havia sido feito pelo Procurador-Geral da República, Augusto Aras. Durante depoimento de mais de oito horas, concedido no último sábado (2), Moro citou os três ministros como testemunhas de ameaças feitas por Bolsonaro caso o ex-ministro não aceitasse a mudança de comando na PF.

Interferências

Além disso, Mello autorizou a entrega de gravação de reunião em que os ministros testemunharam as supostas ameaça do presidente contra Moro, além de oitivas com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e seis delegados da Polícia Federal envolvidos na crise da troca de comando da Polícia Federal do Rio de Janeiro, em agosto passado.

O ex-ministro afirmou que o presidente pediu no começo de março deste ano a troca do chefe da Polícia Federal no Rio de Janeiro. "Moro, você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro", disse Bolsonaro ao então ministro, por mensagem de WhatsApp, segundo transcrição do depoimento.

Segundo o depoimento de Moro, Bolsonaro teria dito que interferiria "em todos os ministérios" e "quanto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que se não pudesse trocar o superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro (Carlos Henrique Oliveira), que trocaria o diretor-geral (Maurício Valeixo) e o próprio ministro da Justiça". Bolsonaro teria ainda ameaçado Moro, na última semana, com a possibilidade de divulgação de vídeos gravados durante reuniões que tinham.

Sobre o acesso do presidente a relatórios de inteligência da Polícia Federal, Moro disse que Bolsonaro nunca pediu a ele acesso a investigações sigilosas da corporação, "pois sabe que não seria atendido", nem solicitou nenhum relatório específico de inteligência. Apesar disso, reiterou que o presidente admitiu que uma das causas do pedido para a troca no comando da PF seria a "falta de acesso a relatórios de inteligência".

Resposta

O presidente chamou, ontem, de "mentira deslavada" a acusação feita pelo ex-ministro da Justiça de que tentou interferir na PF. Ele ainda acusou Moro de permitir o vazamento de relatórios sigilosos do Governo para a imprensa e chegou a dizer que o ex-juiz pode até mesmo ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional.

"É um homem que tinha peças de relatórios parciais, de coisas que eu passava para ele. Entregava para a Globo as coisas há muito tempo. Isso é um crime federal, talvez incurso na Lei de Segurança Nacional", afirmou, sem especificar ao que se referia.

Moro deixou o Governo no último 24 de abril, após Bolsonaro demitir o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. O ex-ministro disse na ocasião e repetiu no depoimento à PF que a intenção do presidente era ter alguém de sua confiança no cargo. Na segunda-feira, o delegado Rolando de Souza assumiu o comando da corporação, após indicação do favorito de Bolsonaro, Alexandre Ramagem.

"Em nenhum momento pedi relatório de inquérito. Isso é mentira deslavada por parte dele", afirmou o presidente. "Ele diz que pedi numa reunião de ministros. Numa reunião de ministros a gente ia pedir algo ilegal?", perguntou Bolsonaro, em referência à reunião do último dia 22, a qual Moro se referiu à PF.

Após a divulgação, bolsonaristas comemoravam o depoimento 'sem surpresas' de Moro. Nos bastidores, contudo, alguns apoiadores do presidente consideram que a divulgação de mensagens e vídeos de Bolsonaro, confirmando as acusações, possam ter força maior que o depoimento.

Justiça

O juiz Francisco Alexandre Ribeiro, do Distrito Federal, deu um prazo de 72 horas para que o Palácio do Planalto apresente informações sobre a troca no comando da Polícia Federal. A decisão é uma resposta à ação do Movimento Brasil Livre (MBL).

Ação

O movimento pede a suspensão imediata da nomeação de rolando ao cargo. Um dos pontos levantados é que o presidente escolheu um nome "alinhado a seus interesses escusos, como ficou evidenciado em seu primeiro ato após empossado".

Presidente ataca de novo a imprensa

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mandou repórteres calarem a boca, na manhã de ontem, quando foi questionado sobre as recentes mudanças na Polícia Federal. O fato ocorreu na saída do Palácio da Alvorada, onde o presidente parou para falar à imprensa e a apoiadores.

Durante sua fala, Bolsonaro foi questionado se havia pedido a mudança na superintendência da PF no Rio. Ele então disse para os jornalistas calarem a boca.

"Cala a boca, não perguntei nada", respondeu a um primeiro questionamento, feito por uma repórter de O Estado de S. Paulo. "Folha de S.Paulo, um jornal patife e mentiroso", disse. Questionado em seguida, desta vez pela Folha de S.Paulo, o presidente gritou novamente: "cala a boca, cala a boca".

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) repudiou os ataques feitos pelo presidente a profissionais da imprensa. "Mais uma vez, o presidente mostra sua incapacidade de compreender a atividade jornalística e externa seu caráter autoritário", afirma nota da entidade. "Os jornalistas têm o direito e o dever de inquirir as autoridades públicas".

O presidente minimizou ainda agressões e insultos feitos por apoiadores durante manifestações, tanto contra jornalistas como contra profissionais da Saúde. "Se houve agressão, foi verbal, coisa que eles fazem o tempo todo conosco. Houve zero agressão", afirmou.

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) requisitou à Polícia Civil do DF a apuração de agressões sofridas por enfermeiros e jornalistas durante as manifestações.

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