Com três CPIs vigentes, Câmara Municipal de Juazeiro já chegou a instalar 7 comissões em um ano
Em 2013, sete comissões foram instaladas para investigar tanto ações do Executivo, como do Legislativo, quando ficou famosa a "farra das vassouras"
Enfrentando uma numerosa oposição na Câmara Municipal, a atual gestão em Juazeiro do Norte lida com a abertura simultânea de três Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) em quatro meses de gestão. A abertura de CPIs, no entanto, já teve recorde em outro ano no Município.
Em 2013, sete CPIs foram instaladas na Casa, no primeiro ano de gestão do ex-prefeito Raimundo Macêdo, o “Raimundão” (MDB), que derrotou o então prefeito Manoel Santana (PT). As comissões eram direcionadas não só ao Poder Executivo, mas também ao Legislativo.
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Uma das tradições políticas de Juazeiro é não reeleger prefeitos. Como Raimundão em 2013, o atual gestor Glêdson Bezerra (Podemos) está nos primeiros meses de mandato, após derrotar o ex-prefeito Arnon Bezerra (PTB).
Diferentemente do antecessor e do sucessor, Arnon teve pouca dificuldade com o Legislativo municipal. Em seus quatro anos de mandato, houve apenas uma investida de investigação, feita pelo vereador Márcio Joias (PTB), em 2017.
Ele tentou iniciar um colegiado para investigar possíveis irregularidades na gestão. As suspeitas eram acerca da licitação para contratação de empresa para coleta de lixo. A tentativa de abrir uma CPI, no entanto, não somou apoios suficientes.
Sete CPIs
Já o ano de 2013 foi movimentado na Câmara Municipal de Juazeiro. Os vereadores instalaram CPIs para investigar serviço de refrigeração, compra de materiais de limpeza e de escritório pelo Legislativo e outras prestações de serviço de empresas à Prefeitura.
Em um dos casos, o então vereador Cláudio Luz (PT) protocolou um pedido de investigação para apurar pagamento de cerca de R$ 1,2 milhão para empresas que prestavam serviço de manutenção aos aparelhos de refrigeração da prefeitura.
O então prefeito negou as irregularidades e disse desconhecer os donos das empresas investigadas.
Uma vez instaurado, o colegiado passou a ouvir uma série de testemunhas. Ao final do processo de análise dos documentos, um relatório foi produzido.
O então presidente da CPI do ar-condicionado, agora ex-vereador Cláudio Luz relembra que a maioria dos parlamentares votou contra o relatório produzido. “O prefeito tinha maioria folgada”, destaca.
Ao final, o então parlamentar encaminhou o documento de forma independente, e entregou aos órgãos de fiscalização como Ministério Público, Polícia Federal e tribunais de contas. Alguns processos ainda tramitam na Justiça.
"CPI das Vassouras"
Outra investigação na Casa que ficou famosa em 2013 foi instalada após o Ministério Público descobrir que a Câmara havia comprado 33 mil esponjas de aço, 4,2 mil vassouras, 2,5 mil quilos de sabão, 2,5 mil caixas de fósforo, 1,4 mil litros de água sanitária e 1,2 mil quilos de açúcar, além da aquisição de 312 unidades de óleo de peroba.
Na época, o então presidente da Casa, vereador Antonio de Lunga (PSC), chegou a ser afastado das atividades durante investigação que ficou conhecida como "farra das vassouras" e "CPI do sabão".
Das sete CPIs, seis foram arquivadas sem investigações concluídas, após parecer técnico da assessoria jurídica do Legislativo que apontou para o fim do prazo de 90 dias que as comissões possuíam para realização de investigações e produção de provas e pareceres.
Atual legislatura
Oito anos depois, as comissões instauradas na Casa Legislativa investigam contratos temporários de servidores, fura-fila na vacinação contra a Covid-19 e nepotismo. Apenas sete dos 21 parlamentares de Juazeiro compõem a base do governo, e isso, segundo especialistas, tende a dificultar a governabilidade.
O prefeito Glêdson Bezerra se defende e diz encarar "com naturalidade" as investigações. Há, porém, um outro agravante na atual situação política do Município.
A Justiça Eleitoral cassou, na última sexta-feira (30), os mandatos de Glêdson Bezerra, e do vice, Giovanni Sampaio (PSD), por abuso de poder econômico durante as eleições municipais de 2020. Os dois continuam no cargo e irão recorrer da decisão. Sobre a condenação, Bezerra disse ter recebido com estranheza.
“Temos a nosso favor um parecer do Ministério Público e nós vamos recorrer. Falar de abuso de poder econômico numa campanha como a nossa, simples, quando vocês sabem como foram as campanhas dos nossos adversários? Realmente é um contrassenso”, disse o prefeito, em um vídeo publicado em suas redes sociais.
Para o cientista político Raulino Pessoa, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), esperava-se que Glêdson tivesse um trânsito melhor na Câmara.
“Ele foi vereador, foi presidente da Câmara e isso levava a crer que ele tivesse um trânsito melhor, mas não é o que a gente percebe. De fato, você tem uma base política ainda muito fiel ao ex-prefeito Arnon Bezerra (PTB), e isso dificulta o trabalho do Glêdson”, analisa o especialista.
Pressão dos vereadores
A atual investida da oposição ficou clara já na primeira sessão da atual legislatura, em 2 de fevereiro. Sob a presidência do vereador Darlan Lobo (PTB), os parlamentares chegaram a votar o afastamento do prefeito.
Isso porque, também no primeiro encontro dos parlamentares, duas CPIs já foram instaladas. De acordo com o Regimento Interno da Casa, o afastamento do gestor precisa, por regra, ser votado na mesma sessão.
Os vereadores, no entanto, decidiram por unanimidade não afastar o prefeito.
“Acho precoce o afastamento no momento. Ele ou qualquer um tem direito à defesa, mas a lei diz que tem que colocar (a votação) na primeira sessão em que foi instaurada a CPI”, argumentou o presidente da Casa, Darlan Lobo (PTB), na ocasião.
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A eleição de parlamentares do PTB, inclusive, é tida como uma demonstração de força do ex-prefeito, derrotado nas urnas. Arnon Bezerra é um dos quadros mais antigos do partido no Ceará. Há, na bancada de Juazeiro, seis parlamentares do partido.
Para Raulino Pessoa, “o PTB elegeu uma bancada forte, com seis vereadores experientes, e eles tendem a dar trabalho ao prefeito [...], há como negociar, mas é preciso empenho e articulação”.
Consequências econômicas
A instabilidade política em Juazeiro - que além das CPIs também se reafirma com o pedido de cassação da chapa vencedora nas urnas - pode impôr mais obstáculos para a atividade econômica da cidade - a maior do interior cearense e uma das que mais crescem no Nordeste.
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Representantes do setor produtivo alegam que o cenário político pode levar a atrasos ou paralisações de serviços, como licenças e alvarás, impactando a cadeia produtiva da região em um momento já delicado por conta da crise desencadeada pela pandemia.