Saravá Shalom
Assistir ao filme "Saravá Shalom", de Alex Minkin, oferece uma visão única do Brasil, reunindo elementos que refletem sua diversidade de maneira surpreendente. O filme desafia ideais de pureza racial ao valorizar a mistura cultural. É justamente essa mistura que é elevada ao protagonismo pela visão fascinada e etnopoética do diretor. Ele generosamente dá voz às divindades, entidades e espíritos corporificados no transe espírita e umbandista.
Minkin celebra a "impureza" das origens, dando destaque às divindades e espíritos que emergem das tradições afro-brasileiras, como na Umbanda. A performance dos personagens, especialmente André Feitosa, conecta as vozes e experiências fragmentadas pela história de violência e opressão, evidenciando um Brasil multifacetado.
Os rituais e os espaços sagrados mostrados trazem marcas icônicas e metafóricas do Judaísmo. E não se trata de uma novidade neste meio, muito embora o André Feitosa apareça ali solicitando um atendimento à sua demanda de reconhecimento ancestral. Mas aquela marca já estava ali, na forma do uso de símbolos como a Estrela de Davi (usualmente nomeada como “Selo de Salomão”), a menorá e a própria figura do Rei Salomão, associado ou não à Rainha de Sabá. E isso independente da icônica cena de instalação da mezuzá na entrada do terreiro. Esse cenário precede tanto a disseminação do Judaísmo messiânico no Brasil, como a assimilação da parafernália cultual judaica pelas igrejas neopentecostais.
A busca por africanidade, por indianidade e por judaicidade só se tornaram possíveis quando a categoria “diáspora” se tornou preponderante no mainstream cultural, com destaques para seus aspectos midiáticos e acadêmicos, a partir do final da década de 1980. Saravá Shalom contempla o refazimento da modernidade (não pretendo aqui mais um uso preguiçoso do termo “pós-modernidade”) na forma de um ensaio de impressionismo etnográfico, ressaltando poeticamente a experiência de estar e ser no mundo por meio das dores e delícias de ser brasileiro.
O documentário, uma colaboração entre Brasil, Estados Unidos e Portugal, traz à tona questões de enfrentamento dos legados do passado. É também um espaço de reflexão sobre o impacto das diásporas e sobre como diferentes culturas podem se unir em um único "terreiro encantado".
Robson Cruz é antropólogo