Pepe Mujica, raro político
Não pôde concluir os estudos diante da necessidade de trabalhar. Na juventude, começou a se envolver com as causas dos trabalhadores e os problemas que seu país enfrentava
Infelizmente é sabido que a classe política, tanto no Brasil como na maior parte do mundo, não goza da confiança de seus eleitores. A cada eleição, a maioria dos candidatos engana o povo com falsas promessas e, chegando ao poder pelo voto, age em benefício próprio. Sem qualquer escrúpulo, muitos locupletam-se criminosamente das verbas públicas destinadas à melhoria das condições de vida da população, agregando tais recursos ao seu patrimônio pessoal. Porém, há nobres exceções.
Os uruguaios, por exemplo, choraram a perda do ex-presidente José Alberto Mujica Cordano ou, simplesmente, Pepe Mujica (1935-2025), falecido a 13 de maio corrente, apenas uma semana antes de completar 90 anos de vida, em consequência de um câncer no esôfago. Filho de pequenos trabalhadores rurais, ele perdeu o pai aos seis anos de idade e, desde cedo, trabalhou vendendo flores para ajudar a mãe.
Seu bem querer pela atividade agrícola o acompanharia até os últimos dias de vida. Não pôde concluir os estudos diante da necessidade de trabalhar. Na juventude, começou a se envolver com as causas dos trabalhadores e os problemas que seu país enfrentava. Já aos 14 anos, começou a acompanhar as mobilizações populares por melhores salários e associou-se ao Partido Nacional, chegando a ocupar o cargo de secretário-geral da Juventude.
Em meados dos anos 1960, diante do difícil contexto político que seu país e boa parte da América Latina atravessavam, Pepe foi um dos fundadores do Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros (MLN-T), uma organização político-militar de esquerda que tornar-se-ia uma das mais importantes no sul do continente. Em quatro ocasiões, Mujica foi baleado e preso quatro vezes. Em 1972, com outros companheiros, foi capturado e torturado por quase 13 anos. Com a volta da democracia ao Uruguai, em 1985, o MLN-T passou a integrar a Frente Ampla, partido pelo qual Pepe Mujica seria eleito presidente em 2009, para um mandato de cinco anos (2010-2015).
Seu governo foi marcado por políticas progressistas e um estilo de vida austero, recusando-se inclusive a morar no palácio presidencial. Sempre residiu na pequena chácara da família, na localidade de Rincón del Cerro, nos arredores de Montevidéu, dirigindo seu simples Fusca azul, modelo 1987, e ao lado de sua querida cadela e fiel companheira de 3 patas, Manuela, morta aos 22 anos, em 2018, e que Pepe costumava chamar de “a integrante mais fiel” de seu governo. Após décadas de convivência, Pepe oficializou seu casamento com Lucía Topolansky, também ex-integrante dos Tupamaros, em 2005.
Na chácara onde vivia, o casal cultivava e vendia crisântemos. Pepe, austero e coerente com o discurso e a prática, era conhecido por doar 90% de seu salário a instituições de caridade. Dizia – o que é verdade! - que não é necessário muito para que se viva com dignidade. E assim foi até o fim, cercado da admiração e do respeito dos uruguaios. Realmente, um raro e digno político!