Com Americanas e Marisa, o que explica os rombos em grandes varejistas brasileiras

Com o caso das Americanas, aumentou a desconfiança de alguns dos principais bancos para cessão de crédito, o que dificulta a negociação de dívidas

Escrito por Heloisa Vasconcelos , heloisa.vasconcelos@svm.com.br
Legenda: O endividamento das Americanas trouxe maior desconfiança para o mercado, afetando a facilidade de crédito
Foto: Kid Júnior

Semanas após a Americanas anunciar um débito de R$ 20 bilhões, foi a vez da Marisa também tornar pública uma dívida de R$ 600 milhões. O rombo econômico anunciado pelas varejistas tem relação com a conjuntura atual, e também exerce influência no mercado. 

O segmento de varejo depende bastante de crédito para movimentar o capital de giro, já que grande parte das compras são feitas pelos consumidores a prazo. Muitas dívidas que tiveram o prazo alongado pela pandemia chegam agora no momento de prestação de contas. 

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Desde o caso das Americanas, os principais bancos brasileiros se tornaram mais cautelosos na hora de negociar crédito para empresas. As altas taxas de juros também não facilitam o cenário, tornando as dívidas mais caras.  

Não há como dizer que o endividamento é uma tendência para o setor de varejo. Mas, apesar de Americanas e Marisa serem casos isolados, há alguma relação entre eles. 

Contexto delicado para o varejo 

O endividamento das Americanas no patamar em que foi registrado foi um choque para o mercado. A principal suspeita é que o rombo seja explicado por fraude, algo que ainda está sendo investigado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).  

Mesmo assim, o doutor em economia e professor da FACC-UFRJ Joseph Vasconcelos explica que existe uma conjuntura complicada para o setor de varejo como um todo, que foi particularmente afetado pela pandemia. 

Essas empresas têm uma maturidade de dívida que têm que ser observada. Com a pandemia elas conseguiram esticar, mas essas dívidas estão começando a ser cobradas. Como o pedido de alongamento de dívida por parte dos credores tem chegado ao fim, a maturidade da dívida vem sendo cobrada agora, por isso que isso se expõe esse ano”
Joseph Vasconcelos
Doutor em economia e professor da FACC-UFRJ

Muitas empresas tiveram queda de receita nos últimos dois anos e essa situação se soma a um cenário macroeconômico atual de alta de juros, com a Selic a 13,75% a.a. 

"Os juros estão em um patamar muito alto, e isso prejudica as empresas de varejo que precisam mexer com operações financeiras para manter seus custos e a venda, muitas vendem a prazo", afirma. 

O economista Alex Araújo acrescenta que, após o rombo da Americanas se tornar público, a negociação de débitos se tornou mais complicada para outras varejistas, como foi o caso da Marisa, que já rolava dívidas há algum tempo. Bancos como Itaú, Safra e Bradesco se tornaram mais criteriosos para cessão de crédito.  

"Esse segmento do varejo trabalha com um elevado giro de estoque e grande parte das compras é financiada. A Marisa tem um problema de endividamento elevado há alguns anos, mas sentiu dificuldades em contratar novos créditos após o caso das Americanas", diz. 

A situação tem preocupado outras varejistas e causado queda de algumas empresas do setor que possuem ações na bolsa, como é o caso da Renner, Riachuelo e Magazine Luiza. 

Para Joseph, esse é um momento em que varejistas devem tentar negociar débitos diretamente com os próprios credores, evitando tomar mais crédito com bancos tendo em vista os juros altos. Ele considera que deve haver uma maior flexibilidade para negociação. 

"Diante do caso das Americanas, que é um caso bastante relevante e emblemático, os credores têm uma tendência de serem mais flexíveis. Eles têm interesse de receber esses recursos emprestados no passado, sem flexibilidade por parte deles, as empresas podem acabar entrando em recuperação judicial", considera. 

Concorrência 

No caso das varejistas de moda, outro fator se soma à dificuldade em fazer negócios: a concorrência com a Shein. Oferecendo preços mais baixos, a chinesa tem conseguido capturar parte da clientela das lojas de departamento. 

Esse é apontado como um dos fatores que levou ao endividamento da Marisa e preocupa outras varejistas de fast fashion. Joseph destaca que o aumento das compras digitais, acelerado pela pandemia, tem um papel na discrepância de concorrência. 

A operação presencial traz mais custos às empresas e, mesmo que a maioria das varejistas tenham se integrado ao digital nos últimos anos, ainda há um impacto nos orçamentos. 

“As lojas físicas, pela queda volumosa de vendas em competição com o e-commerce, podem ter tido os custos superados pelas receitas, isso causa certo prejuízo. Pode ter um lucro no e-commerce e um prejuízo na loja física, isso pode ter prejudicado as empresas”, considera. 

Mas, para o coordenador do Centro de Excelência em Varejo da FGV, Maurício Morgado, isso não é justificativa para um desequilíbrio financeiro. 

Essa é uma preocupação grande para todos os varejistas de fast fashion, como C&A, Renner, Zara, todos eles sofrem os impactos de lojistas chineses. Mas até aí ter impacto de dívidas é diferente, uma coisa é vender menos e outra é quebrar”
Maurício Morgado
Coordenador do Centro de Excelência em Varejo da FGV

Casos isolados 

Mesmo com esse cenário, Morgado reitera que a situação da Marisa e das Americanas são bastante diferentes e que os endividamentos são casos isolados. 

“O varejo como um todo tem dificuldade devido à pandemia, inflação. Mas não dá para considerar que são farinha do mesmo saco”, ilustra. 

Ele explica que empresas de varejo podem ter mais dificuldade nas próximas semanas para conseguir crédito e rodar os negócios pela desconfiança de bancos, investidores e fornecedores, mas não há como prever uma tendência para divulgação de mais casos de endividamento. 

“Sempre tem estourando um caso assim, mas não quer dizer que o mercado inteiro utiliza as mesmas práticas. Mas isso serve para as pessoas aprenderem e criarem medidas de governança para que isso não aconteça novamente”, ressalta. 

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