Violação de leis e desrespeito ainda são ameaças a ciclistas

Apesar do avanço da malha cicloviária na Capital, usuários de bicicletas se mantêm como parte das vítimas mais vulneráveis. No ano passado, das 256 mortes no trânsito, 19 foram usuários do modal

Escrito por Renato Bezerra , renato.bezerra@diariodonordeste.com.br

Écom desafios até mesmo nas pequenas tarefas diárias - como tomar banho, se vestir e sair de casa - que a produtora cultural Luana Holanda enfrenta sua atual rotina, transformada há pouco mais de seis meses, quando foi atropelada por um ônibus enquanto trafegava na ciclofaixa da Avenida Antônio Sales, em Fortaleza. Fatais ou não, esse tipo de ocorrência - apesar de apresentar uma variação negativa nos últimos anos - segue tendo os ciclistas como parte dos usuários mais vulneráveis no trânsito da Capital.

No "acidente", Luana perdeu a perna esquerda ao ter sua prioridade como ciclista desrespeitada numa conversão. A direita sofreu fratura, lesionando um dos nervos que dá movimento ao pé e, por isso, a produtora cultural se locomove, hoje, por meio de cadeira de rodas. "A rotina que antes era de trabalho, esporte e vida social passou a ser de retornos a médicos, fisioterapia diária, psicólogo, curativos complicados e dores que não vão embora", conta.

Legenda: A produtora cultural Luana Holanda teve a rotina transformada há pouco mais de seis meses, quando foi atropelada por um ônibus
Foto: Foto: Thiago Gadelha

Ainda sem perspectiva de um dia voltar a pedalar, o foco no momento, destaca ela, é sarar as lesões e tentar andar por meio de uma prótese, ciente de que o impacto dessa ocorrência na sua vida é irreversível. "Ainda tem um longo e doloroso processo de reabilitação física e emocional, serão anos. Mas minha vida nunca será como antes, nunca mais terei os movimentos que tinha", comenta.

Em 2017, dos 670 ciclistas envolvidos em acidentes de trânsito, 19 perderam a vida, segundo dados do Observatório de Segurança Viária de Fortaleza (OSV), órgão ligado à Universidade de Fortaleza (Unifor). O total representa 7,4% das ocorrências fatais do mesmo ano e a 3ª maior categoria a morrer, atrás dos pedestres (37,5%) e dos motociclistas (44,9%).

Luana já encorpa as estatísticas de 2018, ainda não disponíveis de forma oficial, segundo a Prefeitura de Fortaleza. A estimativa da Pasta, contudo, é que essa variação permaneça em queda, comportamento verificado nos últimos quatro anos. Entre 2017 e 2016, por exemplo, a redução de mortes foi de 9%, levando em consideração todos os modais.

Em se tratando dos usuários de bicicletas, essa redução pode ser atribuída a expansão da malha cicloviária, atualmente em 244,8 km, entre ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas. O número representa um aumento de 258% quando verificado o disponível no fim de 2012, de apenas 68,2 km.

 

Visibilidade

Na avaliação do membro da Associação dos Ciclistas Urbanos de Fortaleza (Ciclovida), Felipe Alves, o crescimento dos espaços exclusivos, assim como o Sistema de Bicicletas Compartilhadas estão entre as causas que deram mais visibilidade ao modal, fazendo com que a bicicleta, hoje, seja vista como um meio de transporte, contribuindo assim para uma maior segurança no pedalar.

Para o ciclista, a continuidade das ocorrências graves, no entanto, estão ligadas ao desconhecimento em relação a legislação do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), ainda comum entre os condutores. "São leis que tratam justamente da segurança, como por exemplo a questão da prioridade, que tanto o ciclista como o pedestre tem em relação às conversões feitas por veículos motorizados. Nas ultrapassagens de vias que não têm estrutura cicloviária motoristas ou motociclistas têm que reduzir a velocidade e ultrapassar o ciclista a uma distância de no mínimo 1 metro e meio, mas ainda existem condutores que não sabem", diz.

Velocidade

Com ênfase na melhora da mobilidade e dos benefícios ao meio ambiente e na saúde dos usuários, o coordenador da Iniciativa Bloomberg em Fortaleza, Dante Rosado, considera como boas as perspectivas para o ciclista da Capital, tendo em vista a continuidade dos investimentos para o modal. Entre as causas das ocorrências envolvendo este público, o gestor destaca a velocidade excessiva por condutores de veículos motorizados.

"Uma velocidade moderada no ambiente viário permite que o condutor visualize o ambiente a sua volta, identifique potenciais vulnerabilidades, como ciclistas e pedestres. Hoje a Prefeitura já incorporou no treinamento dos condutores de ônibus o respeito ao ciclista. Eles fazem um teste prático em que são colocados na bicicleta e os ônibus passam por eles para sentirem como é ser ultrapassado por um veículo muito maior. Ações desse tipo acabam conscientizando".

Com a infraestrutura cicloviária em crescimento, destaca a arquiteta da Iniciativa Bloomberg, Beatriz Rodrigues, o trabalho deve se concentrar, agora, na conscientização por meio de campanhas educativas, assim como mudanças estratégicas em pontos críticos, linha de atuação prevista no Projeto Parcerias por Cidades Saudáveis. "É preciso trabalhar uma infraestrutura mais segura pensando nos cruzamentos críticos, nos locais aonde acontecem as fatalidades, porque os pilares já estão sendo cobertos. Temos a infraestrutura onde ele tem o espaço para trafegar. Temos o paraciclo, onde ele pode estacionar. Temos o Sistema de Bicicletas Compartilhadas, que dá flexibilidade, então tudo o que é visto com a bicicleta está sendo pensado, o que é importante é que a gente tenha essa consolidação dela como meio de transporte", afirma.

Uma velocidade moderada permite que o condutor visualize o ambiente a sua volta e identifique potenciais vulnerabilidades

Dante Rosado

Coordenador da Bloomberg

Um dia você acorda saudável, se apronta para ir ao trabalho e meia hora após sua saída de casa, você está sem suas pernas

Luana Holanda

Produtora Cultural

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ciclistas vítimas de trânsito no IJF. Eles deram entrada no Instituto Dr. José Frota (IJF) nos primeiros seis meses de 2018, redução de 23% do que o registrado no mesmo período de 2014. Em todo o ano passado, foram 1.177 casos.

6.455
infrações de trânsito registradas em 2017. Este foi o número de ocorrências por transitar de forma irregular em ciclovias e ciclofaixas de Fortaleza, mais que o triplo do acumulado no ano anterior, segundo a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania

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