Universidade retoma disputa judicial por terreno onde 58 famílias estão localizadas

O objetivo da reintegração é para a construção de um Parque Tecnológico (ParTec), que segundo a Universidade Federal do Ceará é de altíssima relevância institucional

Escrito por João Duarte e Natali Carvalho , metro@svm.com.br
Moradores do Pici
Legenda: A área já foi de administração da Base Aérea de Fortaleza e do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs)
Foto: Helene Santos

Disputa travada desde 1933, a Universidade Federal do Ceará (UFC) tenta novamente reaver um terreno localizado no Campus do Pici, onde residem dezenas de famílias. O embate judicial foi reacendido na última sexta-feira (18), quando oficiais de Justiça da 6ª Vara Federal do Ceará intimaram as 58 famílias que hoje habitam a localidade, para se manifestarem sobre o pedido de reintegração de posse. O objetivo da Instituição é construir um Parque Tecnológico (ParTec) na área.

De acordo com os moradores, os mandatos que foram entregues trazem prazos para que eles possam contestar a solicitação. A Defensoria Pública da União (DPU), informou, em nota, que já presta assistência jurídica às famílias desde julho de 2020 e, inclusive, protocolou uma petição em defesa dos moradores na qual requer a extinção do processo e a improcedência do pedido da UFC.

O órgão argumenta que a Universidade já tinha conhecimento da existência das famílias no momento de recebimento do terreno. Os moradores acrescentam que a Universidade detém diversas outras áreas com espaço e potencial para a criação do Parque.

As moradias se dividem em cinco vilas, de, aproximadamente, 40 metros de distância uma da outra. De acordo com a Instituição de Ensino, "as ocupações continuam expandindo seu perímetro", e que a UFC está cumprindo as determinações de dois entes federais: a Controladoria Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU).  

A área já pertenceu ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Passando a ser da Federal Cearense quando a mesma o adquiriu por 'usucapião' (forma de se conseguir um bem pelo uso durante um determinado tempo). Em junho deste ano, a UFC deu entrada, junto à Justiça Federal, em uma ação reivindicatória das áreas ocupadas, com o objetivo de retirar os moradores. Para a Universidade, é necessário um resgate histórico do local.   

Legenda: As moradias se dividem em cinco vilas, com cerca de 40 metros de distância uma da outra
Foto: Helene Santos

Histórico  

Em décadas passadas, funcionários do Dnocs foram autorizados por gestores a ocuparem galpões e a construírem habitações onde funcionava a antiga Base Aérea de Fortaleza, conforme alega a UFC no processo. "As moradias, inicialmente, abrigavam um grupo restrito de oito famílias, e houve expansão desenfreada de construções irregulares, o que teria promovido a ocupação também por agregados e indivíduos totalmente alheios aos primeiros beneficiários da ação do Dnocs”, acrescenta.

Há três gerações da família residindo no local, a agente de saúde Kaliane Rêgo, 39, afirma que apenas parentes dos grupos originários ocupam as áreas.

“Sofremos constantes humilhações por aqui, até para reformar um compartimento de casa é uma luta. Tememos sair, pois muitos nasceram e se criaram aqui, e não têm para onde ir”, reflete. 

Em 2017, houve uma auditoria realizada pela CGU, para averiguar as ocupações irregulares e solicitou à UFC o imediato ingresso e impulsionamento dos processos de reintegração de posse, inclusive do primeiro processo, da década de 90. O Tribunal de Contas da União (TCU) promoveu uma ação em escala nacional de regularização imobiliária, chegando a notificar outras universidades por omissão. 

Legenda: "Viver isso logo próximo ao Natal é um verdadeiro presente de grego", diz Lucilene de Sousa
Foto: Helene Santos

“A situação não é nenhuma surpresa, porque entra e sai reitor e a conversa é a mesma. Nós não estamos errados e nem somos um problema. Estamos na nossa casa. Viver isso logo próximo ao Natal é um verdadeiro presente de grego, mas vamos lutar pela nossa permanência. É só o começo”, reflete a dona de casa, Lucilene Paulo de Sousa, de 55 anos, residente do local há 53.  

Incerteza  

Aos 6 anos, a aposentada Betedavis Ferreira, chegou ao local. Hoje, aos 74, confessa que deseja ir para bem longe dali, caso a ação se concretize. “Não somos invasores, somos humanos, trabalhadores, que só querem sossego. Eu nem saberia viver fora daqui”

A sensação de segurança vivenciada pelos moradores das vilas dentro do Campus, permite que os moradores criem seus filhos com mais liberdade, principalmente as cinco famílias que possuem crianças autistas.   

Com ansiedade e hipertensão, a senhora de 78 anos, Maria Rodrigues, reforça que existem diversas obras inacabadas dentro do Campus. Seu marido, Raimundo Ferreira, 77, relata a tamanha dificuldade em dormir à noite. “Estamos aqui há 46 anos, não são 46 dias. São muitos janeiros. E agora temos de enfrentar essa situação, ainda mais num ano onde já enfrentamos uma pandemia”. 

Quando questionados sobre possível indenização, alguns moradores afirmam “pensar no caso”. Mas, a Federal informou que esta somente poderá ser determinada em juízo.  

Legenda: Alguns moradores, como Seu Antonio Ferreira, relatam dificuldade em dormir à noite
Foto: Helene Santos

Parque Tecnológico  

Segundo a UFC, o equipamento necessita de imediata desocupação, pois é de "altíssima relevância institucional", demandando uma atuação imediata e urgente "a fim de permitir à Universidade que se valha de seu patrimônio em prol, não só da comunidade acadêmica, mas da integralidade da sociedade cearense”.   

O Parque Tecnológico “se encontra em fase de implantação no Campus do Pici” e precisará usar o terreno ocupado pelas moradias, afirma a UFC. O empreendimento visa atrair empresas de base tecnológica, estimulando a cultura de inovação e empreendedorismo por estudantes e professores, em prol da comunidade acadêmica e da sociedade cearense. A área física a ser ocupada pelo Parque Tecnológico tem 229.301 metros quadrados.

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