Superlotação nas UPAs persiste, e atendimento é prejudicado
Modelo assistencial para casos de urgência e emergência, unidades da Capital acabam absorvendo demanda excessiva de atendimento. Para especialista, isso é reflexo da carência operacional que atinge os postos de saúde
Essenciais para o suporte à rede de atenção às urgências e emergências, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de Fortaleza voltaram a ser alvo de insatisfação por parte de seus usuários, que reclamam das longas filas de espera até o atendimento. A reportagem visitou unidades de gestão municipal e estadual no fim da tarde da última segunda-feira (22) e constatou o problema de superlotação.
O mestre de obras Célio Roberto Silva, 35, chegou à UPA do bairro José Walter por volta das 13h, acompanhando um colega de trabalho com fortes dores na coluna lombar. Passadas quatro horas de espera, no entanto, ainda não havia estimativa para o efetivo atendimento. “A moça da recepção me disse que só tem um médico atendendo hoje. Não achei que fosse tão ruim assim. Vejo muita gente entrando e quase ninguém saindo. Acho que só saio daqui depois das 19h”, lamenta.
Uma profissional da unidade, que preferiu não se identificar, admite que o quadro de médicos do dia não estava completo. Segundo ela, condições ruins de trabalho - potencializadas pela quantidade excessiva de atendimentos - vêm afugentando os médicos, que acabam não sendo repostos pelo Governo do Estado. “Hoje, tem gente esperando desde a manhã. Mas muita gente busca a UPA com demandas que são dos postos de saúde, e essas pessoas acabam esperando muito porque os casos urgentes são prioridade”, diz.
É o caso da dona de casa Aparecida Silva, 40, que levou a filha pequena com reação alérgica à unidade. Por se tratar de classificação de alto risco, a menina foi atendida de imediato, mas ela admite que procura a UPA para qualquer questão médica. “Eu prefiro aqui do que o posto de saúde, onde a gente cansa de esperar e às vezes nem é atendido”, revela a dona de casa.
Incerteza
“Se tiver que ficar aqui até de noite, nós vamos esperar”, constatou, com tristeza e incerteza, Ana Paula de Sousa, 44, após mais de cinco horas de espera na UPA do Cristo Redentor, uma das unidades que constantemente enfrenta o problema, conforme já noticiado pelo Diário do Nordeste. Ana Paula acompanhava a filha, com forte dores nas costas. “Ela mal consegue se sentar”, comenta.
A disparidade entre a fluidez na entrada e saída de pacientes, em algumas unidades, e os longos momentos de espera em outras são descritas por Romel Araújo, médico coordenador de hospitais e unidades especializadas da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), como consequência da classificação de risco.
“Todas as UPAs trabalham a partir da criticidade. Grande parte dos pacientes tem casos de baixíssima complexidade, não deveriam estar na UPA e sim nos postos de saúde”. O médico destaca, ainda, a influência da “área geográfica” em que a unidade está inserida. Segundo ele, existem as que têm maior demanda de pacientes clínicos, outras, de cirúrgicos, traumatológicos, ou vítimas de violência.
O efetivo de médicos em cada UPA – uma equipe pela manhã e outra à noite, cada uma com dois clínicos, dois pediatras e um chefe de equipe – é determinado pelo Ministério da Saúde, e seguido à risca nas unidades municipais, segundo Romel Araújo. “Em nenhum sistema de saúde do mundo é possível aumentar o número de profissionais só para absorver essa demanda. Se não, seriam colocados 5, 6, 7, 10 profissionais, e o sistema não suporta, não só em estrutura física, mas também em recurso financeiro”, diz.
Segundo a professora do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará (UFC), Magda Moura de Almeida, os casos que “explodem” na UPA são resultado da falta de cobertura da rede de atenção primária de Fortaleza frente à demanda atual, devendo haver um complemento das equipes. “Cada equipe deveria ser responsável por cuidar de, no máximo, 3.500 pessoas, mas temos equipes com 10 mil ou 11 mil, e o processo de trabalho não dá conta disso. Com essa cobertura baixa, os pacientes com doença crônica, que deveriam estar estáveis, estão descompensados e por não serem acompanhados acabam indo para as UPAs”, comenta.
Contingência
De acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), existem 41 médicos atuando nas UPAS do Estado e, para cada plantão de 12 horas, seis estão em atendimento. Na ausência dos profissionais, afirma a Pasta, há um plano de contingência e autorização de hora extra. A Sesa reforça que o atendimento nas unidades ocorre pela classificação de risco e não por ordem de chegada, e que, dos 307 atendimentos realizados pela UPA do José Walter, na última segunda-feira (22), apenas 106 possuíam perfil de UPA, tendo estes prioridade no serviço.
Estratégia operacional das UPAs estaduais
Uma das estratégias utilizadas na otimização do serviço das UPAs, segundo a Sesa, é o uso do 'fast track', modelo usado para agilizar o atendimento médico dos pacientes de baixa complexidade por meio de uma equipe clínica. Neste caso, os perfis dos enfermos contemplados são os que recebem classificação verde (pouco urgente), azul (não urgente) e branco (não pertence ao serviço de urgência), ou seja, que podem ser tratados em curto período de tempo. Ainda segundo a Sesa, são utilizados protocolos estratégicos para mais agilidade no atendimento de pacientes com diagnóstico de Sepse, Infarto Agudo do Miocárdio e Acidente Vascular Cerebral, através de interações internas e pactuações externas.
"Eu prefiro aqui (UPA) do que o posto de saúde, onde a gente cansa de esperar"
Aparecida Silva
Dona de casa
"É preciso utilizar as unidades de saúde de acordo com cada perfil"
Romel Araújo
Médico coordenador de hospitais e unidades especializadas da SMS
75%
dos pacientes são de baixa complexidade. Mais da metade dos casos recebidos em unidades do Município é de baixo risco, sendo recomendado o redirecionamento dos pacientes para postos de saúde, segundo o médico Romel Araújo.
43
médicos atuam nas UPAs do Governo do Estado. Existem 21 no eixo adulto, 14 no eixo infantil, sete chefes de equipe e um coordenador médico. Para cada plantão de 12 horas, há seis médicos em atendimento, diz a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa).