Programas de assistência domiciliar no pós-Covid evitam reinternação de pacientes; veja relatos

Segundo especialistas, o acompanhamento em casa reduz a pressão na rede hospitalar e contribui para a recuperação do paciente

Escrito por Lígia Costa , ligia.costa@svm.com.br
Legenda: José Alves recebeu visitas da equipe do Programa de Assistência Domiciliar do Hospital São José durante dois meses
Foto: Diego Sombra/Ascom HSJ

Dificuldade para andar, sentar, falar, dormir, deglutir, respirar. Mesmo após a alta hospitalar, pacientes com Covid-19, sobretudo em casos mais graves, ficam com sequelas e precisam de assistência domiciliar para continuar a recuperar o que a doença lhes tirou. Além de evitar a reinternação, o atendimento médico em casa traz benefícios para a própria recuperação do paciente, pois se vê cercado dos familiares e fora ambiente hospitalar, ainda mais hostil com a pandemia.  

Isso é o que Denis Rodrigues Diniz, 42, vem vivenciando em sua nova rotina. Há 14 dias, o empresário recebe em casa, duas vezes por semana, uma equipe multidisciplinar de profissionais do Serviço de Assistência Domiciliar (SAD) do Hospital Geral Dr. Waldemar Alcântara (HGWA).  

O SAD, cuja principal demanda é a Covid-19, atende não somente os pacientes que estiveram internados no HGWA, mas também aqueles encaminhados por outras unidades geridas pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), como o Hospital Leonardo Da Vinci. Foi lá onde Denis ficou internado durante 60 dias, sendo 30 deles intubado em um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e outros 30 na enfermaria. 

Legenda: Com a ajuda dos profissionais de saúde e dos familiares, Denis Rodrigues se recupera da Covid-19 em casa
Foto: Arquivo pessoal
 

“Dei entrada na UPA [Unidade de Pronto Atendimento] de Messejana no dia 17 de fevereiro e no mesmo dia fui transferido para o Leonardo Da Vinci. Já fui logo entubado porque estava sentindo muita falta de ar. Mas recebi alta no dia 12 de abril”, rememora, apontando que uma sinusite “mascarou”, por três dias, suspeitas de que poderia estar com Covid-19.  

Eu fui ao hospital porque já não aguentava mais a falta de ar. A minha saturação baixou para 75 e já fui internado. O problema maior é você procurar o ar e não ter; é uma sensação muito esquisita. Só acordei depois de 35 dias”
Denis Rodrigues Diniz
Empresário

Por passar tanto tempo imóvel, Denis ficou com sequelas motoras e, hoje, tem dificuldades para andar. Também sofre com feridas (escaras), desenvolvidas nos dois meses em que esteve acamado. 

“Tenho um ferimento que o pessoal da SAD está cuidando e a fisioterapia. Vem a nutricionista, a psicóloga, enfermeira, a fonoaudióloga, uma equipe bem bacana. Fazem exames, veem o curativo; me sinto muito bem assistido”, elogia.  

O empresário lembra que o médico o encaminhou para a assistência domiciliar, pois avaliou ser o mais seguro. “Não fazia sentido eu estar dentro do hospital só por causa de um ferimento que poderia ser tratado em casa e correr o risco de pegar uma infecção hospitalar ou de ter de novo a Covid. Em casa, eu estou com minha família, com minha esposa e meus filhos cuidando de mim. Estou muito feliz”.  

"Contando a história"

Legenda: José Alves recebeu visitas da equipe do Programa de Assistência Domiciliar do Hospital São José durante dois meses
Foto: Diego Sombra/Ascom HSJ

Residente do município de Pedra Branca, no Sertão Central do Ceará, o funcionário público, José Alves Pereira, de 59 anos, também contou com a ajuda de uma equipe de profissionais da saúde para complementar a recuperação em casa. Ele ficou 47 dias internado no Hospital São José (HSJ), em Fortaleza, sendo 18 deles intubado, após sentir febre, dor de cabeça e falta de ar. 

“Graças a Deus estou contando a história, mas foi muito difícil, viu? Fui transferido pra Fortaleza e faltou oxigênio na ambulância durante a viagem, ainda em Horizonte. Desses 47 dias, só lembro mesmo do dia em que cheguei no hospital”, afirma, ressaltando ter ficado com 94% do pulmão comprometido pelo coronavírus. 

Apesar de ainda sentir cansaço e um pouco de dificuldade para andar, o funcionário público garante estar “ótimo”, tendo em vista tudo o que passou. Ao longo de 60 dias, preferiu se manter na Capital para receber os cuidados de uma equipe do Programa de Assistência Domiciliar (PAD) do Hospital São José.  

“No início, eles iam todos os dias, e depois ficaram indo um dia [sim] e outro não. Tinha acompanhamento de fisioterapeuta e eles faziam os curativos todo dia porque eu peguei uma escara muito grande”. 

Legenda: José Alves se sentiu fortalecido ao retornar para casa e contar com os cuidados da esposa e dos três filhos
Foto: Arquivo pessoal
 

Além dos profissionais, José aponta a esposa e os três filhos como os “anjos” que ajudaram em sua recuperação. “Eu passei 60 dias acamado, não me levantava. Pra me alimentar, tinha que ter alguém pra dar. Pra tomar banho, pra tudo, tinha que ser com alguém. Fiquei sem movimentação nas minhas mãos, pernas, braços, mas hoje já estou bem, graças a Deus”. Já de volta à terra natal, lamenta apenas não ter sido ainda imunizado contra a doença.   

A equipe multidisciplinar do Programa de Assistência Domiciliar do Hospital São José faz visitas diárias e é formada por assistente social, enfermeiro, fisioterapeuta, médico, nutricionista, técnico de enfermagem e motorista. Por mês, o PAD acompanha, pelo menos, 15 pessoas internadas na unidade com Covid-19.  

De acordo com a fisioterapeuta e coordenadora do programa do HSJ, Lea Queiroz, o trabalho desenvolvido no PAD existe desde 2000, para atender pacientes da unidade com sequelas de qualquer doença infecciosa. E passou a atender também os pacientes com Covid, tão logo o vírus se espalhou no Ceará. 

Em abril do ano passado, a gente notava que os pacientes recebiam alta e voltavam [ao hospital]. Daí em diante, perguntaram se a gente toparia atender pacientes Covid e, na mesma hora, aceitamos. Até porque temos curiosidade para aprender mais sobre o vírus”
Lea Queiroz
Fisioterapeuta

Os pacientes com mais sequelas, endossa a coordenadora do PAD, têm prioridade para receber a assistência em domicílio. “Nós passamos a ajudar ao paciente ter a sua vida útil normal. Tanto a parte respiratória, como pulmonar. Com isso, começamos a resolver a demanda de retorno [hospitalar] e começamos a dar alta por melhora clínica. Pra mim, isso não tem dinheiro que pague”.  

Somente no pós-Covid, o PAD do HSJ acompanhou 81 pacientes no ano passado. De janeiro a março deste ano, foram 24. Praticamente todos já receberam alta. “A gente quer assegurar o não retorno. Se for pra retornar, que seja para uma consulta, ver como ficou o pulmão”, diz, lamentando não poder atender mais pessoas, devido à alta demanda. “Só damos alta ao ver que o paciente está pronto e muito bem”.  

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Cuidados em casa aceleram curas 

Lea Queiroz se diz “impressionada” com os resultados obtidos no ambiente domiciliar. “O paciente muda. Na hora em que ele chega em casa, ele melhora a parte respiratória, a parte motora. O emocional é vital”.   

A família, nesse momento, é essencial porque um cuidador responsável acaba sendo treinado pela equipe para trocar um curativo ou dar a medicação correta ao paciente, acrescenta a coordenadora. 

Diretora do Serviço de Assistência Domiciliar do Hospital Waldemar Alcântara, Úrsula Wille reforça a importância da desospitalização e retorno ao lar. Tanto para a recuperação do paciente, quanto para a liberação de leitos, hoje ocupados por mais tempo devido a efeitos da nova variante. 

“O paciente do hospital é um e em casa é outro. É muito grande a melhora quando ele chega em casa. E também evita a reinternação porque muitos pacientes no pós-Covid ficam instáveis, sentem cansaço, têm outras complicações. E, através do SAD, têm uma segurança maior para ficar em casa”. Sem a assistência, avalia, muitos pacientes poderiam voltar a ser internados, elevando ainda mais a pressão sobre a rede hospitalar. 

Conforme Úrsula Wille, há critérios para definir quais pacientes serão atendidos em casa. Aqueles acamados, imobilizados, com traqueostomia, que se alimentam por sonda ou necessitam de oxigenoterapia, por exemplo, estão entre os que recebem a assistência.  

Ao todo, o SAD do HGWA conta com cinco equipes para dar assistência a cerca de 200 famílias. Três equipes atendem 50 pessoas, outra, a 30 pacientes em ventilação mecânica, e uma quinta dá assistência a 30 crianças, sendo 20 em ventilação domiciliar. 

“No Covid, são muitos os pacientes que precisam de oxigênio pra ir pra casa porque o pulmão ainda está com sequela, com dificuldade. Então, precisa desse suporte [ventilatório]”. 

As visitas, detalha Úrsula, variam conforme o quadro de saúde de cada paciente. No primeiro momento, as visitas são mais frequentes e, conforme o paciente fica estável, são reduzidas gradativamente. “Quando chegam pacientes a mais, a gente vai atendendo. Estamos fazendo esforço extra para atender a demanda”, soma a diretora.  

Poucos recursos para uma alta demanda

Assim como Léa e Úrsula, o médico emergencista Khalil Feitosa defende que os programas de assistência domiciliar contribuem para reduzir os riscos inerentes a uma internação hospitalar, como infecções, tromboses, etc.

Outro aspecto importante, aponta o especialista, é que, por meio destes programas, o paciente tem a possibilidade de se recuperar por completo “no seio familiar, tendo um pouco da rotina devolvida”.  

Ele endossa que os programas de assistência domiciliar já existiam antes mesmo da Covid-19, a fim de tratar outros pacientes crônicos. A antiga demanda, no entanto, se soma à atual, que é ainda maior. 

“Com o grande número de internações, uma parte desses pacientes [com Covid], principalmente por ficarem em UTIs com cuidados prolongados, cronificam e precisam de assistência domiciliar durante essa recuperação”. 

Por consequência, a demanda supera, em muito, o número de profissionais da saúde disponíveis para assistir a tantos pacientes em casa.   

“Esses pacientes que cronificam, precisando de assistência pra mobilidade, respiração, eles precisam de uma quantidade de recursos humanos grande. E isso esbarra na capacidade de atendimento dos programas de assistência domiciliar”.  

Para Khalil Feitosa, a disparidade entre a quantidade de profissionais disponíveis e o total de pacientes com sequelas pode gerar um problema de saúde pública. “Já existem alguns pacientes cronificando nos hospitais que internaram por Covid, passaram da fase de transmissão e ainda estão com internação prolongada em virtude disso”. 

Recuperados e altas no Ceará 

Conforme a plataforma IntegraSUS, gerida pela Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), o Ceará soma 436.973 casos recuperados, desde o início da pandemia até a manhã dessa sexta-feira (23). Desse total, 423.050 pessoas foram consideradas curadas da Covid-19 e 17.179 evoluíram para alta após internação hospitalar, segundo informado ao Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica (Sivep). 

 

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