Pretos e pardos são os mais infectados nas primeira e segunda ondas da Covid-19 no Ceará
Essas populações são as mais vulneráveis economicamente, segundo pesquisadores
Desde o início da pandemia, já foram infectados no Ceará 516.556 pessoas. Os pretos e pardos somam 210.431 pessoas e compõem a maioria entre as classificações por raça ou cor, em um percentual de 40,74%. Os dados são da plataforma IntegraSUS, com atualização na quinta-feira (25), às 14h25.
Na primeira onda, que compreende os meses de março a setembro, 229.590 dos que contraíram a doença, 63,25% (145.218) foram classificados como pretos ou pardos. Na segunda (outubro até agora), já são 111.833, sendo 64.788 com o mesmo recorte, o que representa 57,93%.
Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maioria da população no Estado é preta e parda. São cerca de 8.452.381 cearenses, sendo 66,89% do total, (5.653.512) tem essas classificações.
Por isso, Nonato de Castro, sócio-proprietário do Instituto Brasil de Pesquisas Inteligentes e professor do Departamento de Computação da Universidade Estadual do Ceará (Uece), alertou que os números de incidência de infecção da Covid-19 nesse público podem ser maiores.
Isso não quer dizer, acrescenta o professor responsável pelo estudo que previa o pico da segunda onda do coronavírus, que outros fatores também não estejam contribuindo para essa taxa ser alta.
Vulnerabilidade
“Além de serem a maioria do Estado, são também as populações mais carentes e mais vulneráveis economicamente. Esse percentual vem só confirmar ser o público mais vulnerável. Essa população, por ser mais carente, ou seja, sem menos recursos financeiros, são pessoas que precisam sair para trazer recurso financeiro, diz. E acrescenta:
Esse público é a maioria nos transportes públicos, que são os principais vetores de transmissão da Covid. Também são aquelas que moram em locais pequenos, etc. São um público bastante vulnerável economicamente”, afirma.
A estudante de Geografia, na Universidade Federal do Ceará (UFC), Assíria Batista, acredita que um fator responsável para ter sido infectado na primeira onda foi não apenas a sua cor, mas também o cenário de vulnerabilidade social em que está inserida.
Embora as aulas da graduação estejam em formato remoto, sua mãe ainda tinha que trabalhar. “Como eu sou bolsista, conseguia me manter financeiramente sem ter que sair para trabalhar. Conseguia trabalhar por home office, mas não a minha mãe. Ela ia para o trabalho, mesmo sem ser serviço essencial. Ela acabou se infectando, como eu tive que cuidar dela, acabei ficando doente também”, explica.
Morando em um apartamento “minúsculo” no Quintino Cunha, a estudante relata dificuldades em manter o isolamento social recomendado.
“Ela (sua mãe) não tem a opção de bater o pé e dizer que vai ficar em casa, afinal, ela precisa do trabalho. Agora por exemplo, ela está trabalhando normal. Mesmo com a segunda onda. E ela é dos Recursos Humanos, recebe todo mundo que chega, para medir temperatura, sendo que ela já tem quase 50 anos. Tendo ainda contato com atestados de todo mundo que fica doente”, acrescenta Assíria.
Problema econômico
É a situação econômica que explica a maior incidência de contaminação no grupo que se declara preto e pardo, afirma o Vitor Hugo Miro, coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza da UFC. Segundo ele, as taxas de desemprego são maiores para este grupo, além de estarem empregados em setores que foram muito afetados, como é o caso de setores de serviços, alimentação e comércio.
No entanto, ele observa novamente que a maioria dos cearenses (66,89%) se declara como tal, sendo de “certa forma estatisticamente natural que esta proporção também esteja refletida na população que se infectou pelo covid-19”.
No entanto, Hilário Ferreira, professor e pesquisador da história e cultura negra no Ceará, acredita que independente de ser maioria ou não da população, o racismo estrutural e institucional corrobora no número de infectados.
“Tem a ver com questão de direitos, condições de acesso à saúde e qualidade de vida. Nós sabemos, infelizmente, que neste país, o racismo estrutural é o grande responsável por colocar essa população a margem da sociedade, sem o mínimo de direitos que a cidadania oferece a essa população", explica.
"Então, se nós estamos refletindo, infelizmente, como o grupo mais afetado, sendo também os últimos a serem vacinados, o grande responsável por isso é o racismo que se perpetua nessa sociedade”, conclui.
O pesquisador reforça o discutido pelos outros entrevistados, que essa parcela da população é a mais vulnerável socialmente, o que provoca o constante deslocamento casa-trabalho através de transportes públicos.
“Eles estão entre a cruz e a espada, sendo o racismo o grande responsável por esta população estar constantemente nos índices, de desemprego, de população de rua e carcerária”, finaliza.