Prefeitura de Fortaleza gasta R$ 1,6 milhão por mês com aluguéis

Ao fim de 2019, gasto municipal para alugar 116 prédios privados pode ultrapassar R$ 19,2 milhões. Secretário justifica que locações são opções mais baratas do que novas construções, e que o valor mensal pago é "dinâmico"

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste
Legenda: Valor arrecadado com aluguéis não supera gastos da Prefeitura com imóveis
Foto: FOTO: HELENE SANTOS

A lógica é simples, mas os números são muitos, tornando difícil a tarefa de não se perder. Em resumo, a Prefeitura de Fortaleza tem 559 imóveis próprios, incluindo mercados públicos, e "aluga" 60 deles a pessoas físicas e jurídicas. A arrecadação com isso, entre 2014 e 2018, foi de R$ 319 mil por mês, em média. Enquanto isso, a própria Prefeitura precisa alugar de terceiros, atualmente, 116 prédios para instalar equipamentos municipais - gerando um gasto médio de R$ 1 milhão mensal aos cofres públicos, no mesmo período.

Já em 2019, o valor pago pela gestão municipal, por mês, com aluguéis, é superior à média: totaliza R$ 1,6 milhão. Se for mantido - já que os contratos são dinâmicos -, o pagamento resultará em R$ 19,2 milhões gastos ao fim do ano. Os dados são das Secretarias Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão (Sepog) e de Finanças (Sefin), e foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e do Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares.

Nos mais de 100 prédios ocupados pela Prefeitura como inquilina, estão instalados serviços como Centros de Referência de Assistência Social (Cras), Centros de Atenção Psicossocial (Caps), escolas, Centros de Educação Infantil e acolhimentos institucionais, além de órgãos administrativos. Em consulta a 22 contratos de locação, de 2015 a 2018, disponíveis no Portal da Transparência, a reportagem identificou que um dos aluguéis mais caros em 2015 se referia a um "complexo" onde estão localizadas, hoje, a Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) e a Seinf: naquele ano, a mensalidade era de R$ 53 mil.

O titular da Sepog, Philipe Nottingham, confirmou que a locação ainda é vigente, mas não informou o valor atual. O secretário reconhece a necessidade de alugar imóveis para órgãos públicos como "um problema identificado desde o início da gestão", mas defende a locação como solução "mais viável".

"Hoje, temos 543 prédios que servem para implantar nossos equipamentos. O restante não é apropriado à demanda, daí a razão do aluguel. Poderíamos pegar terrenos e construir prédios neles, mas nem sempre é oportuno ou o terreno está no local que a gente precisa. Uma escola, creche ou posto de saúde existe por uma demanda do local: não posso colocar onde tem o terreno, mas onde está a demanda", frisa.

Soluções

Dos 116 imóveis alugados, 37 estão ocupados por órgãos e anexos administrativos, oito por creches, 26 por escolas, nove por Caps, cinco por Unidades de Acolhimento, seis por Cras, um por Creas e os demais para outros tipos de equipamentos públicos. "A decisão de alugar tem variáveis que medimos na hora: a urgência e emergência do serviço e o custo. O aluguel, normalmente, é mais em conta. Mas se vou construir uma escola, por exemplo, a preferência é por um prédio próprio. E normalmente é isso que se faz", explica o secretário.

Para o vice-presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB Ceará, Igor César Rodrigues, o ideal é que a Prefeitura evite esses gastos. "O interessante é que o gestor possa realizar um controle financeiro melhor e se valer de imóveis que a administração pública já possua, que seria mais vantajoso reformar do que contratar um aluguel e o dinheiro ser em benefício de um ente privado, e não de interesse público", analisa.

Conforme a Sepog, a Prefeitura possui, pelo menos, 47 terrenos "desocupados e prontos para receber equipamentos", além dos imóveis alugados, cedidos e dos "invadidos" por empresas de portes variados - como, por exemplo, concessionárias de veículos localizadas na Avenida José Bastos. O titular da Pasta explica que os prédios públicos estavam alugados aos empresários, que cessaram os pagamentos, mas não os desocuparam. "A maioria ainda paga. Mas os que não pagam, entramos com ação de reintegração de posse. Temos interesse de utilizar aqueles terrenos para um distrito de saúde e para adensamento de habitações populares", afirmou Nottingham, sem mais detalhes.

Ano passado, a arrecadação da Prefeitura com aluguéis - incluindo a concessão de uso de boxes em mercados públicos - foi de R$ 4.301.354, conforme dados obtidos via LAI. Em cinco anos, de 2014 a 2018, foram R$ 19,1 milhões, valor ainda menor do que o gasto da gestão estimado somente em 2019 com aluguéis.

Um dos "inquilinos" da Prefeitura é o peixeiro Antônio Augusto, que trabalha "na praia" há 44 dos 58 anos de idade. Ocupando um dos boxes do Mercado dos Peixes, no Mucuripe, desde que o equipamento foi inaugurado, Antônio responde por R$ 69 da arrecadação mensal do Município. "Mas água e luz é a gente que paga e é um absurdo. A manutenção aqui também é por nossa conta. Mas, no fim das contas, o aluguel é justo", afirma.

Impacto

Comparar o valor que a Prefeitura de Fortaleza gasta ao que recebe com aluguéis, para Nottingham, "não tem nada a ver", mesmo que a arrecadação seja cerca de um terço do gasto. "Não temos objetivo de alugar prédio para ninguém. Poucos terrenos estão efetivamente locados, como prédios remanescentes de desapropriações para obras públicas e terrenos pequenos que não nos servem. Mas devemos aliená-los para comprar terrenos que interessem", salienta o titular da Sepog.

Por outro lado, o advogado especialista reconhece que, legalmente, não há nenhuma regra que estabeleça o limite de imóveis a serem alugados pela gestão municipal. Quanto ao movimento contrário, quando a Prefeitura é quem recebe aluguel de terceiros, Igor César tem ressalvas. "O Município não deve se valer desses contratos de aluguéis porque a finalidade do Poder Público não é essa, precipuamente. Há, inclusive, a possibilidade de uma perda de controle dos recursos recebidos", alerta.

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