Perda de emprego e moradia leva famílias a viver na rua em Fortaleza; 'é triste a gente perder tudo'
Dificuldade de ingresso no mercado de trabalho agrava crise socioeconômica e aumenta urgência de políticas assistenciais
“Se me perguntam do que eu preciso hoje, não digo comida nem teto: digo trabalho.” A certeza sai direta e firme da boca de Benjamin Alves, 53, enquanto aguarda na fila para receber uma marmita de almoço entregue pela Prefeitura de Fortaleza.
Com o mesmo propósito, dezenas de pessoas ocupam a calçada e até pedaços da Avenida Dom Manuel, no Centro da cidade, antes mesmo das 11h, todos os dias – algumas em situação de rua, movidas pela crise aguda que assola o País; outras em busca apenas do alimento, já que o teto não basta.
Por ali, multiplicam-se histórias de quem conseguia, “com sacrifício”, pagar as contas e um aluguel simples, mas que viu a renda zerar devido ao desemprego, e encontrou em praças e marquises de lojas um local para se abrigar.
Veja também
Benjamin, por exemplo, fez o caminho oposto ao que se conhece: veio de São Paulo a Fortaleza de carona, em setembro deste ano, “em busca de uma vida melhor”, após o fim do casamento. Hoje, sem casa, dorme numa das Pousadas Sociais da prefeitura, de onde sai toda manhã com a pasta de documentos e currículos embaixo do braço.
Segundo ele, já está cadastrado numa das unidades do Sine Municipal, “passou nos testes psicológicos” e aguarda com ansiedade o surgimento de um posto de trabalho “numa sapataria aqui da cidade”.
A coisa que toda pessoa almeja é ter o seu cantinho pra deitar a cabeça e descansar no fim do dia de trabalho. É isso que eu quero, mas tá muito difícil.
Com o avanço da crise sanitária, que logo se tornou social e econômica, a reinserção no mercado ficou dia a dia mais distante, mesmo para quem tem as experiências e formações na ponta da língua.
“Tenho todos os meus documentos, tenho vontade, só preciso de uma colocação. Tenho curso básico de informática, já fui gerente de posto de gasolina, chefe de vendas. Tenho muita experiência, e não consigo nada”, desabafa Benjamin.
“Não tenho nem o teto”
Para Tenório Teixeira, 55, a situação é ainda mais grave: antes da pandemia, desenvolveu um problema de saúde na perna, e desde 2020 as chances de emprego ficaram mais escassas. Hoje, vive na rua e depende das refeições entregues pela prefeitura para se alimentar.
“O problema é o social pra tirar o indivíduo da rua, que não tem. Não tenho nenhuma perspectiva. Sou profissional de segurança privada, tenho cursos de vigilância armada, eletrônica e carro forte, mas não consigo mais me inserir”, diz, resignado.
Figura falante e sociável, apesar do porte sério, Tenório afirma que a quantidade de pessoas “esclarecidas e até formadas” buscando sobrevivência nas ruas é crescente.
Já me deparei com professor, engenheiro mecânico, civil, pedagogo: todos vieram parar na rua e permanecem, porque aqui tem a comida, que é o básico.
Se para alguns lidar com o relento já virou “costume”, para Ana* (nome fictício), 32, tornou-se realidade há apenas seis meses – cinco dos quais enfrenta grávida, gestação resultante de um estupro que sofreu nos primeiros dias de rua.
Ainda no ano passado, Ana perdeu o emprego como doméstica, e passou a depender de benefícios sociais e da renda da mãe, com quem ela e os filhos pequenos moravam num bairro periférico de Fortaleza. No início de 2021, porém, a idosa faleceu – e a filha, agora, “não tem nem o teto”.
Eu tinha casa, tinha onde morar com os meus filhos. Agora, não tenho nem o teto nem eles. É triste a gente perder tudo.
A fala embargada pelas múltiplas e indigestas saudades entala ainda mais quando a jovem fala nos filhos, que precisam viver, hoje, com o pai. “Esse bebê aqui quem vai criar é outra pessoa”, alisa a barriga. “Eu nunca tinha vivido na rua, é uma experiência muito ruim. Não quero isso pra ele”, justifica.
Medidas de assistência
Num cenário em que a falta de renda gera um ciclo de problemas sociais, agravado pela pandemia, o Diário do Nordeste questionou às Secretarias Municipal de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) e de Estadual de Proteção Social (SPS) sobre que medidas têm adotado ou planejado para assistência a quem busca emprego e renda.
Ilário Marques, secretário-executivo de Política sobre Drogas da SPS, pontua que o desemprego atinge de forma mais grave algumas parcelas da população, como pessoas submetidas ao uso abusivo de álcool e outras drogas.
Veja também
Em nota, a SDHDS reforçou os serviços de higienização e alimentação que tem ofertado às pessoas em situação de rua, e informou que “no fim de setembro, entregou 22 carrinhos de lanches e ofertou capacitação para que esse público pudesse entrar no mercado de trabalho”.
A Pasta também destacou o atendimento nas unidades do Sine Municipal, nos bairros Parquelândia, Otávio Bonfim, Siqueira e Messejana. “Nestes locais, estão sendo disponibilizados os serviços de busca de vagas de emprego e habilitação para o seguro-desemprego”, pontua.