O que afeta a identificação de novas cepas do coronavírus no Ceará?

No Estado, assim como em outros lugares do Brasil, há equipamentos e cientistas aptos a realizarem a detecção das variantes do vírus, mas faltam verba e uma rede estruturada para fazer vigilância genômica massiva

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
Legenda: Do total de monitorados, conforme a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), 57 são homens e 50 mulheres
Foto: Arquivo

O Ceará não sabe precisamente quais variantes do novo coronavírus circulam em seu território. Embora, se comparado aos demais estados do Brasil, o Ceará teste muitos pacientes, esses exames apontam se pessoas estão ou não contaminadas, portanto, se o vírus está ou não sendo transmitido, mas não indicam exatamente se há variantes do novo coronavírus nas diversas regiões do Estado ou mesmo dentro de uma única cidade.

Para isso, é necessário fazer a vigilância genômica, que é um conjunto de procedimentos capazes de revelar, por exemplo, a detecção de cepas mais letais ou mais transmissíveis do vírus. Mas, no Estado, assim como no Brasil, a ação de sequenciar geneticamente os exames, que depende tanto da capacidade científica quanto de estruturação de redes e recursos, ainda carece de investimentos para ser realizada em grande escala.

Até o momento, o Ceará já registra mais de 388 mil casos de Covid-19 e sabe que a variante de Manaus foi constatada em, ao menos, três pacientes que estão internados no Estado, conforme informado na segunda-feira (8), pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa). Além desses, a Sesa e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) analisam outras 90 notificações de casos suspeitos.

Variantes em investigação

O registro de mutações de vírus é comum e nem todas trazem grandes preocupações, por isso saber quais variantes estão em circulação em um determinado lugar ajuda, por exemplo, as gestões públicas da saúde a monitorar se as novas cepas são capazes de aumentar a transmissão ou a severidade dos casos da doença. E assim, os governos podem orientar a tomada de decisão no combate à crise sanitária. Por isso, ter conhecimento sobre as variantes em circulação é tão fundamental durante uma pandemia.

Em paralelo às ações da gestão pública, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) trabalham agora para sequenciar, inicialmente, 20 amostras de testes de pessoas do Estado, na tentativa de garantir um mínimo de vigilância genômica e descobrir quais variantes de coronavírus circularam ou estão em circulação no território.

A análise será feita por integrantes da Central de Genômica e Bioinformática e do Laboratório de Farmacogenética, ambos do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da UFC. A coordenadora do Laboratório de Farmacogenética do NPDM, Raquel Montenegro, estima que os resultados dessas análises devem sair em um mês.

O material utilizado, segundo ela, é aquele que o NPDM tem estocado e foi coletado em distintos momentos da pandemia, em pacientes internados, dentro outros, no Hospital Universitário Walter Cantídio, no Instituto Dr. José Frota (IJF) e no Departamento de Saúde da UFC.

"O problema é financiamento"

Embora a UFC tenha equipamento que garante o sequenciamento e computadores para fazer a análise automatizada das amostras, só é possível fazer a vigilância genômica, explica ela, porque o grupo recebeu recursos da própria instituição e também da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap).

"A gente no Ceará não tem muito essa cultura de sequenciar. Em Manaus, eles estão sequenciando muito. Agora aqui no Ceará, com esses equipamentos que a gente tem é que a começamos a contribuir", completa a coordenadora do laboratório.

Questionada sobre por que o Ceará não monitora as possíveis variantes do vírus desde o início da pandemia, Raquel explica que não há condições de garantir a análise em grande escala se não houver aporte de financiamento para essa finalidade.

Segundo Raquel, "o problema é financiamento. Nós temos técnicos qualificadíssimos, com doutorado, pós-doutorado, professores capacitados que conseguem fazer análise de bioestatística. Precisamos aumentar o número, claro, mas nós temos pessoas qualificadas e equipamentos. O que falta, na verdade, é financiamento", comenta.

Detecção

As análises que revelaram a presença da mutação oriunda de Manaus em pessoas internadas em Fortaleza envolveram pesquisadores e recursos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Ceará e no Amazonas. O procedimento de avaliação não foi feito completamente no Estado, pois ainda há carência de incrementação de processos.

Quando publicizado o achado dessa variante no Ceará, a Sesa informou que para tentar rastrear as possíveis novas cepas, a Secretaria fez parcerias com órgãos como o Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce), e a Rede Genômica Fiocruz, representada pela Fiocruz Ceará e Fiocruz Amazonas, que permitem a caracterização genômica de variantes.

O pesquisador da Fiocruz Ceará, integrante da Rede Genômica da Fiocruz Nacional, Fábio Miyajima, explica que Estado tem os requisitos necessários para realizar tanto o sequenciamento, como a busca ativa, a identificação, o diagnóstico rápido, o preparo, a amplificação e o sequenciamento de amostras suspeitas, mas o que está em questão, acrescenta ele, "é o estabelecimento de uma rede integrada nacional de vigilância genômica, com iniciativas coordenadas pela própria Fiocruz e pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, com foco no fortalecimento e capacitação de centros regionais, estabelecimento de um fluxograma para captação de casos suspeitos, padronização de procedimentos laboratoriais e de análises de bioinformática para incremento significativo no sequenciamento de genomas".

De acordo com ele, essas ações são capazes de gerar "números que possam subsidiar decisões e de fato serem representativos para um monitoramento genômico de variantes consideradas preocupantes". O pesquisador reforça que, "no país, desde o início da pandemia foram sequenciados algo em torno de 3 mil genomas até o momento, número irrisório perto dos 200 mil realizados pelo Reino Unido. A ideia é que se viabilize, com o apoio do Ministério da Saúde, algo em torno disso por mês, e que se torne um programa sustentável".

Processo é complexo, afirma pesquisador

Para viabilizar tais processos, explica ele, é preciso envolver não somente a Fiocruz e o Ministério da Saúde, mas também parcerias com órgãos regionais de saúde, laboratórios públicos (Lacens) e universidades. Ele acrescenta que o sequenciamento genético viral é um processo complexo que envolve múltiplas etapas e, embora o Ceará tenha um boa base regional, inclusive com uma central multiusuário com sequenciador na UFC, para ter autonomia, o Estado ainda precisa avançar, dentre outros, em infraestrutura regional, capacitação de pessoal, e processos de transferência tecnológica e de conhecimentos.

Fábio indica ainda que a grande maioria dos genomas publicados até o momento "só foi possível com recursos advindos de projetos de pesquisa e do trabalho árduo de cientistas". Para a subsistência de um sistema de vigilância molecular de grande escala, ela afirma que "tem sido discutido o estabelecimento de um programa nacional junto ao Governo Federal, e que deve estabelecer cotas mínimas para atender aos estados da federação". No momento, a rede genômica da Fiocruz tem subsidiado ações estratégicas com parceiros regionais, como a Sesa, através de recursos institucionais via os laboratórios de referência e unidades regionais.

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