O point da Draga

Escrito por Susy Costa , metro@svm.com.br
Legenda: Os saltos - ousados ou cheios de ansiedade - são a vocação da ponte do Porço da Draga
Foto: FOTO: PRISCILA BAIMA

Na primeira vez que fui ao Poço da Draga, queria ver o pôr do sol. De onde eu costumava assistir, na beira-mar, já não o via mais. A obra de engorda do aterro, o calçadão todo quebrado e a própria rotação do Sol fizeram com que eu andasse mais à procura do céu laranja, amarelo ouro do fim de tarde. Gosto de pensar que nem o Sol quis ver as máquinas revirando o leito do mar, jorrando areia para onde antes era água salgada, modificando toda uma orla já calcificada na memória afetiva dos fortalezenses. E o Sol foi se pôr longe desse cenário.

Nessa travessia, encontrei a ponte velha do Poço da Draga, uma estrutura enferrujada, com algumas estacas de madeira saindo do mar. Num contraste com a estrutura das barracas da Praia do Futuro, ali os banhistas levam apenas uma canga, sentam na areia e se perdem no tempo que parece passar lento por ali.

No entanto, a vocação verdadeira do Poço da Draga é outra. São os saltos de cima da ponte, onde dezenas de pessoas desafiam o perigo para saltar na água: uns com saltos acrobáticos, numa visível demonstração de destreza, outros, medrosamente, pulando como bombinha em piscinas.

É bonito ver os mais ousados que enfrentam altura maior, dão mortais, fazem alegorias no ar. Mas também admirar os que saltam pela primeira vez e ficam intermináveis minutos na borda da ponte sem coragem para pular. Além de vencer o medo, esses precisam de incentivo e torcida. E isso não falta por lá. As mulheres são minoria e se arriscam, sempre ladeadas pelos amigos. Ali o mar também é bom para banho, e as ondas atraem surfistas da cidade.

O local atrai cada dia mais visitantes, apesar do lixo aparente e do visível abandono de urbanização. O lugar guarda ares da antiga zona Portuária, antes da construção do Porto do Mucuripe. Mesmo com muitos problemas aparentes, o lugar se tornou o novo point queridinho de Fortaleza no limite da Praia de Iracema, na vizinhança do Dragão do Mar e do Centro Cultural da Caixa. Hoje, tem como ilustre vizinho, o elefante branco do Acquário Ceará. Um esqueleto de cimento que enfeia o lugar e ostenta o desperdício de R$ 177 milhões numa obra inacabada.

Ao procurar o pôr do sol acabei, me viciando no lugar, nas fotografias cinematográficas que produz, nos pulos ousados e tímidos, nos personagens que circulam por lá, como o pastor alemão Bruce, que pastora seu dono a cada salto, nos que sonham em um dia pular da velha ponte, como eu.

O Poço da Draga tem sua precariedade e encantos, seus personagens que se exibem e arriscam. Um lugar que você encontra adrenalina no ar e a calma necessária de um fim de tarde. Como se diz de um bom lugar: -ali tem alma.

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