'Muitos falam de solidão, uma solidão acompanhada', diz voluntária no Ceará sobre trabalho do CVV

Em entrevista, voluntária da instituição que atua na prevenção do suicídio conta que “sentir-se só” é um dos dilemas mais relatados por quem busca ajuda

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
cvv
Legenda: Rejane Felipe, há 23 anos anos é voluntária no CVV em Fortaleza
Foto: Arquivo Pessoal

Ligar na tentativa de ser ouvido sem julgamentos. Desabafar, falar dos incômodos, das dores. E do outro lado da linha, ser a escuta que pode salvar vidas, prevenir suicídios. Nos 6 primeiros meses do ano, ao menos 85 mil vezes o telefone do Centro de Valorização da Vida (CVV) tocou por ligações que partiram de moradores do Ceará. São pessoas em busca de ajuda. 

Nas linhas, 4 mil voluntários do Brasil inteiro se colocam à disposição. Destes, cerca de 50 integram o CVV em Fortaleza.  A associação civil sem fins lucrativos foi fundada em 1962 em São Paulo. Desde então presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio. 

85 mil ligações 
Conforme relatório do CVV, entre janeiro e junho de 2021, esse é o total de ligações recebidas pelo serviço oriundas do Ceará

Dentre as pessoas que escutam quem precisa do serviço está Rejane Felipe, moradora do Ceará, cuja identificação, relata ela, “pode ser apenas voluntária do CVV”. Já são 23 anos nesse processo. 

Em entrevista ao Diário do Nordeste ela destaca:  “muitos falam em solidão e até dizem assim: é uma solidão acompanhada. Se sentem cercados de pessoas e, em algumas situações, até conversam, mas não são compreendidos”. 

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Como você ingressou no CVV? 

Bom, tem 23 anos que eu ingressei no CVV, embora eu tenha passado um período afastada, mas o meu ingresso inicial foi em 1998. Eu conheci o CVV através de uma amiga que eu ouviu em uma rádio local que ia ter um processo seletivo de novos voluntários e falaram que era um trabalho de prevenção ao suicídio e ela se interessou.

Ela me convidou e nós fomos juntas fazer esse processo seletivo. A gente fez todo curso, ela passou um período sendo voluntária e eu fiquei por um tempo, passei um período afastada, mas retornei e estou aqui nesse processo de ser voluntária. 

Qual o trabalho do CVV? E como essa atuação pode ajudar as pessoas?

Basicamente nós atendemos as pessoas que precisam conversar ou desabafar. Eu não vou chamar de um bate-papo, não. São pessoas que estão vivendo situações de inquietação, muitas vezes, extremamente deprimidas, angustiadas, sem esperança, sem acreditar na vida. Então, ligam pra conversar um pouquinho sobre suas e nessas conversas, vão mencionando as perdas que têm tido ao longo da vida, as experiências, muitas vezes mal sucedidas. 

Há situações que ocorreram para que ela chegasse naquele momento em que se encontra no qual ela busca conversar com alguém para tentar liberar um pouquinho a tensão que se encontra. Buscam alguém para compartilhar. 

Você, como voluntária, atende pessoas de Fortaleza ou de outras cidades do Ceará também? 

Nós somos uma grande rede nacional de prevenção ao suicídio e desde 2017 foi feito um convênio do CVV com o Ministério da Saúde e esse convênio possibilitou dispbonibiliza o número gratuito que é o 188.

Mas, a partir de 2018 de forma gradativa em todos os postos do País e hoje somos 120 postos, passaram a atender pessoas de qualquer localidade.  Então, eu estou em Fortaleza, mas posso atender pessoas do País inteiro. 

E pessoas dos 184 municípios do Ceará podem ligar e serem atendidos por qualquer um dos 4 mil voluntários no Brasil. Até 2017, tínhamos um número próprio e só era atendido em Fortaleza, mas depois que foi feita essa expansão possibilitou as pessoas ligarem e serem atendidas em um posto em outro estado. 

No dia a dia, como são os atendimentos e o que você percebe sobre quem busca o serviço?

É um incentivo, uma oferta de ajuda nessa sociedade em que as pessoas não tem mais tempo para ouvir um ao outro. E muitos falam em solidão e até dizem assim: é uma solidão acompanhada. Se sentem cercados de pessoas e, em algumas situações, até conversam, mas não são compreendidos. 

E a linha de trabalho da gente tem é essa que escuta sem crítica, sem julgamento, ou seja,a pessoa que não procura ela vai ser acolhida com o que elas são e da forma como elas vêm.

Pode acontecer que uma pessoa estar altamente revoltada, ligar para o CVC, e inclusive disparar palavras muito fortes para aquele voluntário que está atendendo, mas para o CVV existe uma compreensão de que a revolta daquela pessoa não é com o voluntário. É com a vida que está levando, com o sofrimento que ela tem. Então, elas buscam descarregar em alguém. 

Há situações que eles comentam dessa questão dessa solidão, solidão acompanhada de pessoas. Pessoas que não tem tempo pra ouvir, e às vezes, não tem preparo também para ouvir. 

Há outras formas de atendimento além das ligações? 

Atendemos por e-mail e por chat. Acessando o site do CVV tem inclusive os postos onde tem postos de atendimento. Antes da pandemia, alguns postes atendiam inclusive de forma presencial. O posto de Fortaleza era um dos que atendia de forma presencial, mas desde a pandemia, de março de 2020, a gente precisou suspender. 

Nós temos 120 postos espalhados no país todo e quase 4 mil voluntários nessa grande rede que funciona 24 horas.

Cada voluntário atua quantas horas e como é estabelecido?

Embora seja composta somente por voluntários, nessa forma de serviço, a gente tem que cumprir um plantão de 4 horas semanais. Em 2020, em todos os postos foram realizados 3 milhões de atendimentos. É como se fosse uma faixa de nove, dez mil atendimentos por dia que a gente realiza. 

Em um atendimento, você passa quanto tempo ouvindo que busca ajuda?

Olha, como o objetivo é que a pessoa ao desabafar se sinta melhor, se liberte das questões, reflita sobre sua vida e sinta esse calor humano, que o voluntário vai oferecer. Então varia muito. Cada atendimento eu posso atender 4 ligações, 10 ou 15, depende muito do tempo que uma pessoa vai precisar conversar com a gente. Há muita demanda? Há! Por isso que ainda há fila de espera. Estamos até fazendo campanha agora no Setembro Amarelo para ver se reduzimos essas horas de espera. 

Como vocês percebem quem busca? São pessoas mais velhas, mais jovens? Tem como falar quem têm procurado?

Nesses atendimentos a gente assegura total anonimato. Não é perguntando nem idade, nem localidade e diz o nome se quiser. E asseguramos também o sigilo sobre o que é falado. O sigilo de todo o conteúdo que é conversado. Então assim o nosso registro ele se resume basicamente a quantidade de atendimento que fazemos. Atendimento de diversas formas.

Não registramos nenhuma informação, asseguramos total privacidade das pessoas que nos procuram. Ligam  homens, mulheres, adolescentes e idosos. 

Então a gente não tem nenhum perfil de quem liga, mas o que eu posso dizer é que a grande maioria são pessoas que estão se sentindo muito sozinhas. São pessoas que precisam ser ouvidas e compreendidas.

Não é só falar, é ter alguém que possa compreender aquela dificuldade que está passando. Quando a gente atua de forma sem julgamento, a gente oferecer aquela pessoa a possibilidade de ela ser ela própria, sem precisar se esconder. 

Elas falam sobre o que está incomodando no momento, sobre o que não está bem resolvido. A gente atua acreditando que a pessoa tem condição sim de poder refletir sobre a sua própria vida. 

Para atender no CVV, o que a pessoa precisa fazer? Qual a formação precisa ter?

Nós fazemos geralmente um curso, ofertado uma ou duas vezes ao ano, dependendo da quantidade de pessoas. A formação dura cerca de três meses. É preciso ter disponibilidade de atender e participar das reuniões. 

Como buscar ajuda

Pessoas de qualquer lugar do Brasil que precisarem de auxílio emocional podem ligar para o CVV (188) ou acessar o site cvv.org.br, por meio do qual é possível conversar com voluntários via chat ou também enviar email. O serviço é 24h, gratuito e o sigilo é garantido.

 

 



 

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