Mesmo com melhorias, transporte coletivo perde passageiros
Crise econômica e surgimento de mais opções de locomoção contribuíram para queda na demanda
A área de mobilidade urbana tem sido o foco dos últimos anos na gestão de Fortaleza. No rol das ações desenvolvidas pela Prefeitura, o transporte coletivo tem recebido atenção particular. Medidas como a implantação de faixas exclusivas e corredores expressos para ônibus e a criação do Bilhete Único, facilitaram, até certo ponto, a vida de quem utiliza ônibus para se deslocar. Ainda assim, cada vez menos pessoas usam o modal como meio de locomoção na Capital.
Dados do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus) revelam que, há pelo menos cinco anos, a quantidade de usuários do transporte coletivo apresenta quedas quase seguidas. Em 2012, a média mensal de passageiros pagantes registrada nos ônibus de Fortaleza era igual a, aproximadamente, 24,8 milhões. No ano passado, esse total chegou a cerca de 23 milhões. Em números absolutos, os coletivos perderam mais de 20 milhões de usuários apenas nesse período.
A redução é observada em outras capitais brasileiras. De acordo com estudo da Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU) divulgado na última semana, além de Fortaleza, as cidades de Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, que possuem grande parte da demanda por transporte coletivo no País, também viram seus números diminuírem. Segundo o Anuário NTU 2017, entre os anos de 2013 e 2016, o total de passageiros transportados nas nove capitais teve queda de 18,1%.
Há os que optaram por evitar congestionamentos e trocaram o ônibus pela moto ou pela bicicleta. Há quem tenha preferido mais conforto e liberdade de deslocamento e adquirido um veículo particular ou passado a utilizar táxis e até o Ubber. Mas, principalmente, há quem tenha sido afetado diretamente pela crise econômica e pelo desemprego, deixando de fazer uso diário dos coletivos ou de qualquer outro meio pago de locomoção.
Desemprego
A intensificação das dificuldades financeiras enfrentadas por classes menos favorecidas (nas quais boa parcela dos usuários de ônibus está inserida) é considerada não só pelos empresários do setor, mas também por especialistas, como ponto determinante para a redução da demanda.
Mário Azevedo, professor de Engenharia de Tráfego da Universidade Federal do Ceará (UFC) explica que o aumento das taxas de desemprego fez diminuir a quantidade de viagens realizadas diariamente. "Um dos principais motivos de viagem é o trabalho. Só se usa o transporte para exercer alguma atividade, então se mais pessoas estão sem emprego, elas não vão fazer essas viagens", opina.
Alternativas
Para os que podem escolher outras formas de locomoção, embora estejam em menor escala, o surgimento e o incentivo à utilização de novos modais favoreceram a debandada dos coletivos. Se não isso, houve redução da frequência de uso. "Hoje, existem muito mais alternativas de transporte. Já tinha o transporte complementar e o táxi, agora tem Ubber, bicicleta, carona amiga. Esse tipo de ocorrência veio a reforçar, junto com a crise econômica, a queda na demanda", destaca o gerente de planejamento do Sindiônibus, Sá Júnior.
Há cerca de um ano, a comunicadora Lara Vasconcelos trocou o ônibus pela bicicleta para fazer boa parte de seus trajetos. Para maiores percursos, vez por outra, utiliza o serviço do Ubber. A decisão envolveu múltiplos fatores. No caso da bicicleta, serviram de estímulo a praticidade no deslocamento, a insegurança nos ônibus, o desejo de adotar meios de transporte mais saudáveis e, também, a economia. "O que você poupa por mês andando de bicicleta é um dinheiro bom, comparado ao que você gasta com ônibus. Faz muita diferença, principalmente para mim, que pago passagem inteira", diz.
Lara ainda utiliza o ônibus quando percorre distâncias longas demais para ir de bicicleta. No entanto, a comunicadora, que se tornou cicloativista, afirma que dificilmente voltaria a usar o coletivo como meio de deslocamento exclusivo. "Teria que acontecer uma reforma muito considerável na mobilidade urbana para eu considerar essa possibilidade", completa.
Estabilização
Segundo Sá Júnior, do Sindiônibus, as ações desenvolvidas pela Prefeitura para melhoria do transporte coletivo, embora não tenham sido suficientes para resgatar usuários perdidos, conseguiram desacelerar a queda na demanda dos ônibus. "Houve um abrandamento nesse impacto", ressalta.
Na visão do gerente de planejamento, a tendência para os próximos anos é que a demanda se estabilize. "Por haver mais opções de realizar deslocamento, vai existir uma demanda para cada uma delas. Acreditamos que vai chegar numa certa estabilidade", afirma.
Para Etufor, foco é troca de individual por coletivo
De acordo com a Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), o principal foco das ações de mobilidade urbana voltadas para o transporte público não é, necessariamente, o aumento no número de passageiros, mas, sim, incentivar a migração de meios individuais, como automóveis, para os coletivos. Dentre as medidas desenvolvidas com essa finalidade, o órgão cita a implantação de corredores e faixas exclusivas, a aquisição de ônibus com ar-condicionado e Wi-Fi, reestruturação dos terminais de ônibus e a criação do Bilhete Único.
Em nota, a Etufor ressaltou que, com as mudanças e outras ações complementares, como a inserção de novas linhas de ônibus na Capital, indicadores apontam para a estabilidade no número de usuários do transporte coletivo. O órgão alega que "não há pesquisas que identifiquem que exista migração" dos ônibus para outros modais.
Passagem
Embora as tendências da Prefeitura indiquem maior permanência de passageiros nos próximos anos, o cenário atual do transporte coletivo revela uma preocupação. Com menos usuários e custos iguais para manter o serviço, há o risco de aumento do valor das passagens.
"Estamos rachando essa conta com um número menor de passageiros em Fortaleza. Se não for feito com muito cuidado o acompanhamento da compatibilidade entre demanda e oferta, pode haver um reflexo na tarifa", destaca Sá Júnior.
Segundo o gerente de planejamento do Sindiônibus, no intuito de controlar o preço das passagens, as empresas e a Prefeitura Municipal têm realizado estudos para verificar essa compatibilidade e, assim, tomar medidas para evitar desperdícios.Para o professor, a qualidade do serviço, apesar de ainda exigir avanços, tem influência secundária. Segundo ele, a maioria dos usuários do transporte coletivo são "cativos", ou seja, não têm outra opção para deslocamento que não o ônibus. Logo, mesmo sofrendo com a superlotação, os atrasos e os engarrafamentos, eles não possuem condições de arcar com os custos de um táxi ou Ubber, tampouco de comprar um carro ou uma motocicleta. "Uma parte da população tem opção de escolher, mas outra não. Ou encontra um trabalho próximo de casa ou vai precisar usar o sistema de transporte coletivo", acrescenta Márcio Azevedo.