Médica linha de frente Covid-19 expõe fragilidade: 'Não somos heróis. Somos gente que sofre'

Atuando na linha de frente contra a Covid-19, a hepatologista Elodie Bonfim Hyppolito revela em livro um lado mais humano da profissão durante a pandemia

Escrito por Lígia Costa , ligia.costa@svm.com.br
Legenda: Se colocar no lugar do paciente é uma das tarefas diárias da médica Elodie Hyppolito
Foto: Arquivo pessoal

Os médicos, sobretudo durante a pandemia de Covid-19, foram vestidos pela sociedade com capas de heróis. A eles são atribuídos a invencibilidade, o destemor e o supremo poder de manter chamas de vidas acesas.

No entanto, Elodie Bonfim Hyppolito, médica hepatologista e integrante do Coletivo Rebento de Médicos e Médicas em defesa da Ética, da Ciência e do SUS, desnuda-se de tal fantasia. Entende como mais verdadeiro revelar medos e fraquezas próprios de quem precisou ir às trincheiras em combate ao coronavírus; de quem, várias vezes, “desaba ao sair do plantão”. E nem por isso se considera vítima.

Às vezes, retratam muito os profissionais de saúde como heróis, mas nós não somos heróis coisa nenhuma. Somos gente de carne e osso, que sofre terrivelmente em ver o sofrimento alheio e que precisa manter o autocontrole”
Elodie Bonfim Hyppolito
Médica hepatologista e integrante do Coletivo Rebento

"Dez anos em um"

Longe dos sentimentos do herói, o medo, a angústia e a ansiedade fazem parte do dia a dia exaustivo de Elodie. Logo no início da pandemia, ela, a filha e o marido foram diagnosticados com Covid-19. Não houve necessidade de internação, mas o temor do agravamento da doença e de contaminar outras pessoas elevaram o estresse do cotidiano. 

“Tenho uma mãe idosa, de 80 anos, então era uma operação de guerra ir na minha mãe. [Existe ainda] o medo de levar a doença aos outros, o medo que os outros têm da gente como profissionais da saúde”, pontua, declarando “impossível” o profissional da saúde não ter medo de morrer.  

Mesmo atuando como médica há quase 30 anos, Elodie acredita ter vivido “dez anos em um”. Nos picos das duas ondas da pandemia, passou por treinamentos com colegas para atuar como intensivista em “UTIs gigantes” que se formavam nas enfermarias do Hospital São José (HSJ).

Hoje, dá plantões na emergência da unidade, onde também faz a regulação de pacientes. A meta é ver a pandemia acabar e retomar o trabalho de coordenação no ambulatório de Hepatites Virais do HSJ.

Legenda: Em junho de 2020, médicos do Coletivo Rebento cravaram cruzes na Praia de Iracema para manifestar apoio a famílias de vítimas da Covid-19
Foto: Ana Beatriz Farias

O lado humano da “médica mensageira” 

Não somente como mais um, Elodie via em cada paciente a face de alguém com uma história, com uma vida e com entes queridos ansiosos pela notícia da recuperação. Para traduzir aos familiares o quadro clínico do paciente, se fez “médica mensageira”. Virtualmente, tratava de amenizar a dor e a apreensão dos dois lados

Experiências da médica por um viés “mais humano” estão compilados no livro “Rebento: Vivências de uma pandemia”, a ser lançado nesta quinta-feira (13). A obra também reúne experiências de outros 34 médicos integrantes do coletivo e 10 convidados de outras áreas. 

“Eu tive a grata experiência de fazer vídeo chamadas entre o paciente e a sua família, então, presenciei a emoção, aquele choro aliviado do paciente que estava pra ter alta e achou que fosse morrer. E acho que esse livro é muito feliz nesse sentido, de mostrar a dor dessas pessoas que não são números”. 

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A hepatologista afirma que, assim como ela, seus colegas de trabalho costumam se colocar sempre no lugar do paciente e de suas famílias. Porém, ser um “doutor que não falhasse”, trouxe uma “carga muito grande de responsabilidade”. 

“Isso teve um preço pessoal pra todos esses profissionais [da saúde], no sentido de estresse, [Síndrome de] Burnout, ansiedade. muitos colegas precisaram se afastar por conta de exaustão mesmo. Essa experiência [da pandemia] foi e está sendo ainda bem rica, mas também muito pesada e, por vezes, dolorosa”. 

Livro é lançado nesta quinta

O livro “Rebento: Vivências de uma pandemia”, de 156 páginas, concentra relatos de médicos, psicólogos, pacientes de Covid-19, artistas e jornalistas que compartilham um pouco de suas vivências e buscam, também, combater as notícias falsas acerca do cenário epidemiológico no Ceará. 

O Coletivo Rebento reúne, hoje, 178 médicos e se organiza em grupos de trabalho, a partir dos quais atua e desenvolve ações de assistência social. O grupo já realizou manifestações em espaços públicos de Fortaleza, quando o País atingiu as marcas de 100 mil, 200 mil e 300 mil mortos por Covid-19. 

O lançamento do livro vai ocorrer nesta quinta-feira (13), às 20h, em live transmitida no FacebookInstagram e canal do Youtube do Coletivo Rebento. Já o exemplar pode ser adquirido pelo e-mail coletivorebentomedicos@gmail.com. 

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