Gado e comércio marcam história da via

A velha Estrada do Gado, remonta ao século XIX e passava pela atual Avenida Gomes de Matos, no Montese

Escrito por Redação ,

Quando se fala da Avenida Gomes de Matos, uma das principais artérias do bairro Montese, em Fortaleza, o que vem à mente são as muitas lojas, os bancos e o comércio que fervilha. Outra característica atual é o trânsito intenso. De acordo com a Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e Cidadania (AMC), diariamente, 25 mil veículos por dia. Com início no bairro Jardim América, na Rua Jorge Dumar e fim na Rua Barão de Sobral / Três Marias, na Praça Aparecida, no Montese, ela ainda atravessa e é limite dos bairros Bom Futuro e Parreão. Seu nome atual foi instituído por lei municipal criada em 1968.

Entretanto, na primeira metade da década de 1940, aquele bairro tinha outro nome, Pirocaia, que em tupi quer dizer Aldeia dos Pele Queimada. Já o trajeto em questão é bem mais antigo e prenunciava a sua vocação comercial e de passagem. O Caminho dos Bois ou Velha Estrada do Gado, origem da Avenida Gomes de Matos, são conhecidos desde a época em que foi inaugurado o trecho da ferrovia Estrada de Ferro de Baturité, nos idos de 1873.

Era essa também a principal via de acesso, utilizada para transporte de mercadorias do Interior para a Capital, carregadas em lombos de animais. A água potável, consumida no Centro, tinha uma de suas fontes principais no bairro e seguia transportada, no lombo de burros, pela atual Gomes de Matos.

As informações constam no livro "De Pirocaia a Montese - Fragmentos Históricos", escrito pelo cirurgião-dentista, jornalista e integrante da Força Expedicionária Brasileira (FEB), Raimundo Nonato Ximenes, morador da Avenida Gomes de Matos e testemunha de todas as transformações do Montese, assim como um dos principais agentes da urbanização do local. R. Ximenes, como prefere ser chamado, foi um dos idealizadores da troca do nome do bairro. Montese e Monte Castelo foram as cidades italianas que tiveram pracinhas brasileiros da FEB entre os seus soldados, durante a Segunda Guerra Mundial.

Troca de nome

O pesquisador Miguel Nirez Azevedo, diretor do Museu da Imagem e do Som, explica como se deu a mudança para Avenida 14 de julho, nos anos 1940. "O gado vinha por Messejana e tomava vários caminhos. Um deles é aquele onde hoje está a Avenida Gomes de Matos. Ficou denominado como "Estrada do Gado" até receber o nome de Avenida 14 de julho, numa homenagem à Revolução Francesa na época da Segunda Guerra Mundial".

A homenagem ao professor e jurista Raimundo Gomes de Matos, advogado do padre Cícero e um dos diretores da Faculdade de Direito, só se deu na década de 1960: "No dia 13 de maio de 1968, morreu, em Fortaleza, o jurista Raimundo Gomes de Matos, conhecido por Gomez, que fora diretor da Faculdade de Direito do Ceará, Interventor do Estado, cearense do Crato nascido em 10 de outubro de 1886. No dia 28 de março de 1969, foi inaugurada a nova avenida já com o nome de Gomes de Matos, com a presença da família, amigos e profissionais do Direito".

Plantas antigas

Segundo o professor aposentado do curso de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará (UFC), Liberal de Castro, existem registros mais antigos: "Na planta executada pelo Adolpho Herbster em 1859 já aparecem insinuadas três estradas que partiam de Fortaleza em demanda de Arronches (Parangaba), Pacatuba e Maranguape. Na planta de 1875, as três estradas figuram de modo claro, já definidas. Uma delas, a Estrada Velha da Pacatuba anda hoje meio desmontada, mas surge e desaparece na Rua Marechal Deodoro, na Avenida Gomes de Matos, prosseguindo pelo Itaperi".

SAIBA MAIS

1859 - Adolpho Hebster projeta a planta de Fortaleza que insinua as estradas que partiam em direção a Arronches (Parangaba), Pacatuba e Maranguape.

1875 - Na nova planta, as três estradas figuram de modo claro, já definidas. Uma delas, a Estrada Velha da Pacatuba, que anda hoje meio desmontada, mas surge e desaparece na Rua Marechal Deodoro, na Avenida Gomes de Matos, prosseguindo pelo Itaperi.

1968 - Morre em Fortaleza o jurista e ex-Interventor municipal Raimundo Gomes de Matos.

1969 - A Avenida 14 de julho passa a chamar-se Avenida Gomes de Matos.

R. Ximenes é testemunha da transformação do bairro

Aos 92 anos, o jornalista, integrante da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e cirurgião-dentista, Raimundo Nonato Ximenes, acompanhou todas as transformações do bairro nos últimos 68 anos. No livro lançado em 2004, "De Pirocaia a Montese - Fragmentos Históricos", R. Ximenes conta que, após o término da guerra, tinha planos de se casar e, em vez de voltar para sua terra natal, Groairas, preferiu ficar em Fortaleza, mas o bairro era completamente diferente. "Aqui, era um matagal e por trás corria um riacho, que o deixava alagado. Além disso, os ônibus só chegaram aqui em 1954. Eu mesmo cansei de ir a pé daqui para o Centro, porque não tinha transporte. Quando a minha mulher foi ter o primeiro filho, tive que pegar uma caminhonete na João Pessoa e um jipe, na Praça do Coração de Jesus, para ela ir até a Casa de Saúde São Raimundo, para ela ter a criança", relata.

Analfabeto quando foi convocado para a guerra, R. Ximenes só começou a estudar aos 26 anos. Mais tarde, não poupou esforços, inclusive físicos, para continuar com os estudos. "Como o Liceu ficava muito longe, eu comprei uma bicicleta, para ir do Montese até lá". Obstinado, aos 40 anos, concluiu, na Universidade Federal do Ceará (UFC), o curso de Odontologia e Farmácia e exerceu em sua residência e no Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo o ofício de cirurgião-dentista.

A sua casa, mesmo estando em uma avenida bastante movimentada e cercada de lojas por todos os lados, tem ares de sítio. Na frente, uma castanholeira, plantada há mais de 60 anos, mostra vestígios de um tempo em que aquela área era ocupada só por residências com quintais. "As minhas fruteiras, eu plantei quando cheguei aqui, em 1946", destaca, orgulhoso.

Apesar de ter sido convocado para a guerra em 1944, ele escapou de ir para a Itália por alguns dias. "Eu estava aprovado para partir para a guerra, mas estava servindo na Lagoa Seca, hoje Pirambu, com outros três guardas, guardando a munição, quando soubemos que a guerra tinha sido ganha, através dos fogos e buzinas dos moradores. Tive muita sorte", recorda.

No seu consultório, a cadeira antiga de dentista serve de apoio para os muitos livros e na mesa em que conversava com os pacientes, ele escreve os artigos para os jornais. "Sempre quis ser jornalista e o Dedé de Castro foi o meu guru. Fui correspondente da minha cidade, Groairas, durante muitos anos", lembra.

R. Ximenes participou ativamente da busca por melhorias para o bairro, como o calçamento e a urbanização: "Eu participei do comitê pró-melhoramento do bairro desde 1949. O projeto para essa rua que nunca foi adiante era de uma via larga, com canteiro central".

Kelly Garcia
Repórter

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