Estado mantém influências portuguesas no cotidiano
A comida e a arquitetura de cidades como Icó e Aracati são algumas das heranças dos portugueses no Estado
Desde 1603, quando o açoriano Pero Coelho de Souza aportou nas terras do Siará Grande, levas e levas de portugueses trouxeram seus costumes, língua e sobrenomes para compor a miscelânea que forma hoje o povo cearense. Contudo, no Ceará, a influência dos lusos vai além dos pães e da intrepidez de desbravar novos territórios, mas também é forte na culinária tradicional dos sertões e na arquitetura, especialmente das igrejas de cidades como Icó, Aquiraz, Aracati, Sobral e em Almofala, distrito de Itarema.
No Brasil, o dia 7 de junho é a data marcada para as comemorações do Dia de Portugal. Apesar da presença dos portugueses ser registrada no Ceará há mais de 400 anos, hoje, de acordo com Sistema Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiro (Sincre), da Polícia Federal, 2.680 lusos residem no Estado. Destes, 69% moram em Fortaleza.
O livro "Praça Portugal - Um laço entre Portugal e o Ceará", lançado em 2009 pela Terra da Luz Editorial, relata que a imigração de portugueses para o Nordeste nos séculos XVIII e XIX se dava aos poucos e tinham quase sempre o destino e trabalho já acertados pelos conterrâneos que chegaram primeiro.
No Ceará, de acordo com a obra, havia os mais destemidos, que desciam no Porto de Camocim, para desbravar os sertões com a pecuária e outros, já na segunda metade do século XIX, que atuavam com pequenas indústrias, como os Dias Branco, no Cedro e os Telles de Menezes, em Maranguape.
As regiões do Minho e das Beiras e as ilhas do Atlântico, Madeira e Açores eram a origem da maioria dos portugueses que aportaram no Nordeste. No Ceará, são portugueses os sobrenomes Abreu, Almada, Barbosa, Castelo Branco, Diniz, Fernandes, Fialho, Gomes, Linhares, Lopes, Magalhães, Bulhões, Pereira, Silva, Santos, entre outros.
Travessia
Hoje, a motivação para a travessia guarda semelhanças com a dos que imigraram para o Brasil em outros tempos. Com a crise econômica na Europa, muitos portugueses buscaram emprego e melhores condições no nosso País, assim como empresários, que vislumbraram boas oportunidades de negócios.
Para o chef de cozinha português José Lino Andrade Rodrigues, natural de Vila Nova de Famalicão, cidade situada a cerca de 30 km do Porto, além da possibilidade de ter novas experiências na sua profissão, um amor impulsionou a sua viagem para o Ceará.
José Lino Andrade se mudou para Fortaleza para se casar. "Eu namorava a Tabita e queríamos casar, então tínhamos que decidir onde morar. Apesar de tanto eu, como ela, termos um emprego estável, fui eu que mudei. Ia ser o contrário, mas como a Europa estava mergulhada numa crise econômica da qual até hoje não saiu e o Brasil tinha uma situação mais promissora, eu optei por vir para cá", conta.
Mesmo se sentindo bem acolhido pelos cearenses e já estabelecido com uma pequena fábrica de bolinhos de bacalhau, José Lino pretende voltar a Portugal, daqui a algum tempo. "Na verdade, eu quero que a minha filha estude na Europa quando for mais crescida, a razão é simples, chama-se criminalidade e falta de segurança".
Hoje, assim como na época do Império, os estudos motivam os brasileiros a seguirem para território português. De acordo com o vice-cônsul de Portugal, Francisco Neto Brandão, anualmente, cerca de 200 cearenses procuram o País para cursos de formação. Na gastronomia, alguns pratos populares nos sertões, como o cozido de carneiro, têm semelhança com comidas servidas em Portugal. "A comida sertaneja é muito semelhante a do interior de Portugal e do Alentejo", diz o vice-cônsul.
Arquitetura barroca deixa marcas no Interior do CE
Na arquitetura, a influência portuguesa no Ceará é muito presente, especialmente nas cidades que cresceram por conta da pecuária. Conforme o professor aposentado do Curso de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará (UFC), João Alfredo Sá Pessoa, as igrejas matriz de Icó, Aracati e Aquiraz são exemplos do barroco português no Estado.
Também se destacam o casario colonial de Aquiraz, primeira capital do Ceará, e algumas edificações em Fortaleza. "Os azulejos que revestem algumas casas de Aracati são de influência portuguesa, assim como os que revestem a Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Prainha e o Sobrado de José Lourenço, em Fortaleza. Embora o azulejo tenha chegado a península ibérica trazido pelos árabes, Portugal talvez tenha mais exemplos da utilização em fachadas. E foram os portugueses que os trouxeram para o Brasil. Encontramos no Maranhão, no Rio e aqui no Ceará, principalmente em Aracati", afirma Sá Pessoa.
Todas as igrejas citadas pelo professor remontam ao século XVIII. Uma das mais antigas é a de Almofala, em Itarema, que fazia parte do antigo aldeamento jesuíta dos índios Tremembé, construída em 1712. A Igreja de Nossa Senhora da Conceição encontra-se tombada desde 1980 e recuperada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional desde 1984.
Kelly Garcia
Repórter