Especialistas defendem que medidas mais restritivas sejam tomadas contra riscos de segunda onda
Fortaleza registra mais de mil casos da doença há sete semanas seguidas, número de óbitos já apresenta aumento e UTIs seguem com ocupação alta. Profissionais da área de saúde temem piora de indicadores até início de 2021
A curva é clara: novos casos de Covid-19 registrados em Fortaleza vêm apresentando crescimento há oito semanas, e nas últimas sete as confirmações ultrapassaram a casa dos mil. Na reta final de novembro, entre os dias 15 e 21 de novembro, as confirmações dos contágios superaram os dois mil casos, de acordo com dados disponibilizados na plataforma IntegraSUS, da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa). Para especialistas em vigilância em saúde, os indicadores podem sinalizar uma segunda onda da doença na Capital.
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Na última semana epidemiológica de novembro, entre 22 e 28 de novembro, os registros chegaram a 1.173 diagnósticos positivos. De 29 de novembro a 3 de dezembro, foram mais 120 confirmações. No entanto, a plataforma ainda pode ter atualizações pela liberação de novos exames que ainda estão em análise nos laboratórios, nos próximos dias.
Para Caroline Gurgel, epidemiologista e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza já vive a segunda onda. “Em agosto e setembro, a curva reduziu, o que deixou as pessoas seguras para lotarem shoppings, fazerem festa. Agora, temos o retrato disso. Infelizmente passou e agora está vindo com tudo de novo”, considera.
Já o biomédico e virologista Mário Oliveira prefere cautela e esperar pela consolidação do cenário nas próximas semanas. “O início dela está um pouco claro, mas como boa parte da população já foi infectada, não creio que vá durar muito tempo. Mesmo pessoas que estão sendo reinfectadas estão tendo formas mais brandas”, explica.
A avaliação comum entre eles, porém, é a percepção do descumprimento de medidas de distanciamento social. Esse relaxamento também é apontado pela pesquisa Pnad Covid-19, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em outubro, segundo o levantamento, 533 mil (5,8%) cearenses não adotaram qualquer medida de restrição, e outros 3,7 milhões (40,2%) reduziram o contato, mas continuaram saindo de casa.
Conforme o IBGE, as mulheres registraram percentuais de isolamento maiores que os homens. Mesmo com alto índice de isolamento (74,5%), o grupo das pessoas de 60 anos ou mais de idade - de maior risco para formas graves e óbitos - apresentou redução em relação a setembro (79,5%).
O secretário da Saúde do Ceará, Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho, o Dr. Cabeto, evita falar em 2ª onda, mas confirma a maior positividade das amostras. Ele ressalta que 80% dos novos infectados têm menos de 50 anos. O gestor garante que o Estado já se antecipou em medidas de resposta a esse novo cenário.
“Estamos ampliando os leitos em cima de nossas projeções de aumento. Nas últimas quatro semanas, o Governo também não tem evoluído no plano de flexibilização. Acho que essa é uma mensagem importante: quando não evolui no plano, ele diz que não há condições de ampliar a abertura”, explica Cabeto, defendendo a regionalização das decisões conforme cada quadro epidemiológico.
Medidas restritivas
A epidemiologista Caroline Gurgel não acredita que a incidência possa diminuir apenas com medidas comportamentais. Ela adverte ainda sobre o desconhecimento de como o Sars-Cov-2 vai interagir com os vírus respiratórios já conhecidos no Ceará, como o influenza e o VSR, nos primeiros meses de 2021. “Não sabemos ainda se a Covid pode potencializar a gravidade das infecções que a gente já conhece. E aí, talvez, só o lockdown mesmo, infelizmente. Tenho oito anos de experiência com viroses respiratórias e essa é a pior”, assegura.
Mário Oliveira não se diz a favor de um novo lockdown, mas concorda que medidas mais restritivas são necessárias, sobretudo quanto à circulação em comércios e festas. “Quem sabe mexer no bolso, aplicar alguma punição econômica, principalmente em locais que estão promovendo aglomerações”, sugere, confirmando que a positividade dos novos testes não vem caindo.
Ao longo de novembro, conforme o IntegraSUS, se constatou aumento de óbitos na Capital cearense. Do fim de setembro à metade de outubro, houve menos de 10 óbitos a cada semana. Contudo, a partir de 1º de novembro, essa marca foi superada com 15, 13, 19 e 21 mortes nas quatro semanas do mês, respectivamente.
Ainda assim, Caroline Gurgel, da UFC, observa que a modificação na proporção de casos por faixa etária e a qualificação dos profissionais têm reduzido os óbitos. “Grande parte dos jovens economicamente ativos não é do grupo de risco e não têm comorbidades, fazendo com que a mortalidade não venha a acompanhar a incidência crescente do número de casos. Além disso, tem a experiência adquirida. Hoje, há quantidade e qualidade de estudos que faz com que profissionais consigam administrar melhor cada caso”.
A especialista pondera que, com a flexibilização das atividades econômicas, em junho, “as pessoas acreditaram que a pandemia estava diminuindo a ponto de se sentirem seguras e voltaram a frequentar aglomerações”. Contudo, lembra: há estudos documentando que apenas uma pessoa infectada, em um ambiente fechado, pode transmitir até 100 outras - os considerados eventos de “supertransmissão”.
O infectologista Roberto da Justa, integrante do Coletivo Rebento - Médicos em Defesa da Ética, da Ciência e do SUS, também se preocupa com a tendência de aumento de mortes. Para ele, se não houver “consciência da preservação da vida” na movimentação de festas de fim de ano, é possível que o número de óbitos, “que já está em ascensão, aumentará mais ainda”.
No último mês, a ocupação de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), sobretudo na rede privada, voltou a subir. Segundo o IntegraSUS, na tarde dessa sexta-feira (4), Fortaleza tinha ocupados 68,9% das UTIs exclusivas para Covid-19. Ao todo, 131 dos 190 leitos disponíveis estavam ocupados. Na rede pública, a capacidade estava em 79,5% (62 dos 78 ocupados). Já na rede particular, 61,6% (69 dos 112 ocupados).
Na última semana, o hospital de campanha do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) também voltou a internar pacientes com a doença. Com a redução de casos desde junho, ele tinha passado a atender pessoas com outras enfermidades. A Sesa declarou que a unidade nunca chegou a ser desativada porque, como a pandemia continua em curso, é necessário manter as estruturas.
Para a professora Caroline Gurgel, não se pode abrir mão da testagem em massa da população da cidade - mesmo reconhecendo a dificuldade logística de investigar os 2,6 milhões de habitantes - e do rastreamento de contatos das pessoas já infectadas. “Não tem como isolar assintomáticos. Se essas medidas não forem feitas, você não vai controlar a doença. Seria a maneira correta de conter o avanço da epidemia”, salienta.