Engorda do Aterro de Iracema dificulta trabalho de guarda-vidas
Quantidade de areia ampliou a distância entre a torre de observação e o mar, bloqueando a visualização dos agentes da Inspetoria de Salvamento Aquático da Guarda Municipal- que observam águas mais agitadas
As ondas capazes de acalmar são as mesmas que amedrontam - é por meio delas que a força do oceano se mostra implacável. Em alguns trechos de praia de Fortaleza, porém, essa característica tem passado do ponto: é o caso do Aterro da Praia de Iracema, onde, segundo guarda-vidas e banhistas, o mar está a cada dia mais agitado. Frequentadores e especialista atribuem a intensidade à engorda da faixa de areia, que também tem dificultado o trabalho de salvamento aquático.
A grande quantidade de areia depositada entre o calçadão e o mar impede que os banhistas fiquem visíveis desde a torre de observação, de acordo com guarda-vidas que atuam no local. Por isso, os profissionais de resgate precisam adaptar-se à rotina. "Na maior parte do tempo, a gente fica lá no fim da faixa de areia, patrulhando a praia. A torre só está servindo de ponto de apoio, não dá pra ver nada daqui. Já fizemos a solicitação pra mudar de lugar, mas não chegou nenhum retorno oficial", afirmou um dos profissionais, que preferiu não se identificar.
Outro problema, segundo o guarda-vidas da Inspetoria de Salvamento Aquático (ISA) da Guarda Municipal de Fortaleza (GMF), é a alteração da própria dinâmica do meio ambiente. "Além de ser alta estação e ter maior movimentação, o período de novembro a fevereiro é o que tem mais afogamentos, porque tem mais intensidade das correntes de retorno. Agora, o mar está mais perigoso, porque antes era plano. Até as ondas virem e nivelarem a areia, vai demorar. Com uns dez passos pra dentro, já não dá mais pé", observa o profissional.
Perigo
O farmacêutico Thiago Victor, mineiro que vive na capital cearense há seis dos 33 anos, também notou a mudança: e desistiu de usufruir do mar de Iracema. "Está perigoso, desde o aterramento. Era bem mais calmo e tinha mais gente. Além disso, os salva-vidas não conseguem nem ver se acontecer alguma coisa. Eu não entro. Sei nadar, mas não tenho coragem", assume.
A maior agitação do mar no Aterro da PI tem explicação. Segundo o professor e pesquisador do Laboratório de Geologia e Geomorfologia Costeira e Oceânica da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Davis de Paula, "faz parte de um "processo natural" - mas que requer atenção. "O novo aterro ainda está passando por um processo de consolidação e adaptação ao novo sistema natural, e isso acontece justamente num período de ventos fortes, quando já há uma tendência maior de escavação das praias, criando um declive maior. Isso, de fato, gera risco para os banhistas", analisa.
Segundo Davis, a tendência é que, no próximo semestre, existam "ondas mais espaçadas", favorecendo a normalização do cenário. "Elas aplainam mais as praias, diminuindo a declividade. A partir de fevereiro, as ondas do tipo swell lavam o aterro, e a praia vai chegando a um estágio de equilíbrio. O sistema natural dali foi modificado pela obra, como ocorre com qualquer outro ambiente que recebe intervenção. E isso requer uma adaptação", conclui.
Em nota, a Guarda Municipal informou que a "recolocação da torre" é de responsabilidade da Secretaria de Infraestrutura de Fortaleza (Seinf), que operou as obras no trecho. A Seinf reforçou que o prazo de conclusão das obras da Beira Mar é agosto de 2020 e que "até este período serão feitos todos os ajustes necessários".