Cresce número de crianças em abrigos e adotadas em Fortaleza

De janeiro a 19 de agosto deste ano, período da pandemia, 30 adoções foram realizadas na Capital, de acordo com o TJCE, mais do que em igual período de 2019. Em contrapartida, há mais crianças nas sedes de acolhimento

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
Legenda: O pequeno Davi, de cinco anos, tem uma nova família desde abril, abraçado pelo irmão Samuel e pais

A angústia por não ver saída a não ser entregar um filho em uma unidade de acolhimento. Do outro lado, a ansiedade durante a espera pela chegada de um novo ente à família. São histórias que se entrelaçam no processo de adoção. Durante o período de pandemia, rotinas se modificaram. A quantidade de crianças chegadas às unidades de acolhimento em Fortaleza aumentou, aproximadamente, 10%. Na porta da saída, o número também mudou: 11% a mais de crianças adotadas.

Conforme o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), em Fortaleza, de janeiro até o último dia 19 de agosto deste ano de 2020, adoções de 30 crianças pelo Sistema Nacional de Adoção (SNA) foram concluídas. Em igual período de 2019 o número chegou a 27, e em todo o ano passado, 63. Atualmente, acontecem 23 vinculações, etapa do processo quando pretendentes e pretendidos se encontram.

Já o Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude e Educação (Caopije) do Ministério Público do Ceará (MPCE) contabiliza que o número de crianças e adolescentes espalhados em 22 unidades de acolhimento, neste ano, passou de 380 para 420. De acordo com o promotor de Justiça e coordenador auxiliar do Centro, Dairton Costa, "com certeza esse aumento de acolhidos se deve à pandemia. Até então, o espiral era de redução há alguns anos".

Da segunda quinzena de abril até o fim da primeira quinzena do mês de maio de 2020, as vinculações em Fortaleza estiveram suspensas. A audiência concentrada, momento similar a um 'mutirão' para revisar casos de crianças e adolescentes que permanecem em adoção, programada para abril passado, também não aconteceu devido ao isolamento domiciliar.

Para o promotor de Justiça, o fato de não ter existido a única audiência concentrada designada para o primeiro semestre de 2020 interferiu diretamente no aumento das crianças e dos adolescentes nos abrigos. "O processo de destituição do poder familiar não está andando. Por lei, deveriam ficar apenas 18 meses nas unidades. Fortaleza é uma das cidades com melhor índice, ainda assim, elas ficam lá por, em média, três anos. Há um gargalo judiciário. Precisamos de mais audiências", disse Dairton Costa.

Chegada

Os três anos de espera também foram enfrentados por Ariane Araújo e Lourdes Pedrosa. Ambas se cadastraram em prol de adotar no ano de 2017. Foi neste ano, durante a pandemia, que elas receberam em seus lares pessoas com quem tanto sonharam.

Davi, de cinco anos, foi vinculado a Ariane e sua família em abril. No mês seguinte ele adentrou o lar, com pai, mãe e o irmão Samuel, com dois dias de diferença entre as idades. Ariane conta que ter um filho biológico não tirou dela a vontade de adotar, porque "a maternidade pode vir de diversas formas. Não precisa vir da barriga, e sim do coração".

Segundo a servidora pública, ela e o esposo optaram por um perfil independente do sexo e da cor.

"Nosso filho estava no abrigo deste 2017. Já era para termos recebido visitas no decorrer do processo de adoção para poder finalizar tudo. Temos a guarda provisória e ela vem sendo prorrogada enquanto isso não acontece. Adotar era um sonho meu desde sempre. Ele chegou na nossa casa com coronavírus. Tivemos informação que tinham casos no abrigo e quando fomos testar o exame dele deu positivo, mas os nossos não", contou Ariane.

Lourdes Pedrosa, de 49 anos, considera ter sido presenteada durante a quarentena. No dia 3 de junho, ela diz ter recebido a notícia de que a pequena Maria Eduarda estava pronta para sair do abrigo e ir para sua casa. Foram seis dias preparando o que faltava.

"Fomos habilitados no dia 12 de maio de 2017. Fui buscar ela dia 9 de junho, três anos depois. Chegou com cinco meses, agora está com sete. Desde essa chegada, tudo mudou para melhor, graças a Deus. Não tenho outros filhos. Tentei engravidar, mas não consegui. Quando passei dos 40 anos decidimos adotar", disse Lourdes, que agora aguarda receber a certidão original de Eduarda.

Trâmite

A fila de espera na adoção permanece longe do fim. O Tribunal contabiliza 306 pretendentes só na comarca de Fortaleza, 713 no Ceará e 31.798 no Brasil. Em contrapartida, há menos crianças e adolescentes em busca de um lar e família acolhedora. São 48 na capital cearense, 192 no Estado e pouco mais do que cinco mil no País. Historicamente, a conta não fecha.

A busca por um perfil pré-determinado limita as possibilidades. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 57% dos interessados em adotar têm restrição à cor da criança e 40% ao sexo.

Chefe da Seção de Coordenação das Equipes de Manutenção de Vínculo e Adoção do TJCE, representando a comarca de Fortaleza, Érica Bulamarqui, explica que as vinculações, de 18 de março até metade de abril, precisaram ficar suspensas: "Foi necessário fazer toda uma avaliação, até mesmo para proteger todas as crianças no abrigo".

A pandemia deu espaço aos trâmites virtuais. Entrevistas por videochamada passaram a ser mais frequentes. De acordo com Érica, a Justiça se readaptou bem para poder trabalhar a distância e conseguiu ainda aumentar o número de adoções neste período.

"Quando as crianças vão para o acolhimento, não necessariamente elas vão para adoção. A lei prevê que antes exista um trabalho com a família biológica. Se isso for feito e não houver melhora, aí ela é destituída da família e vai para o cadastro. É importante deixar claro que as juízas que trabalham nesta área são sensíveis à causa. Foram feitas 123 audiências de maio a julho, durante a pandemia com as crianças. Temos expectativa de fazer audiência concentrada no próximo mês de outubro", destacou Érica.

Auxílio

Lucineudo Machado, presidente da ONG Acalanto Fortaleza, que apoia a adoção, pontua que muitas ações foram mantidas de forma remota durante a pandemia, como o curso dos pretendentes à adoção. No entanto, segundo ele, vinculações e visitas técnicas prejudicadas refletem em um maior tempo das crianças dentro dos abrigos.

"Nossa maior preocupação é que esse número de adoções teria aumentado bastante se tivessem acontecido as audiências concentradas em abril. Não houve condições sanitárias para fazer. A próxima está para acontecer em outubro e estamos na expectativa", explica.

A defensora pública supervisora do Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública da Infância e Juventude (Nadij), Juliana Nogueira Andrade Lima, diz que o órgão tem buscado se adequar, principalmente porque estes processos normalmente já devem ser tratados com celeridade: "afinal, o tempo que uma criança se encontra em unidade de acolhimento e privada de estar na convivência familiar é um tempo que pode repercutir na formação daquela criança".

Também defensora e titular do Nadij, Cristina Teixeira Barreto corrobora com a necessidade da urgência e que a Defensoria Pública firmou parceria com a Cruz Vermelha e a Secretaria da Saúde do Ceará para serem realizadas desinfecções nas unidades de acolhimento e poder garantir visitas presenciais.

"As crianças maiores que são visitadas e vinculadas aos pretendentes não puderam ser visitadas presencialmente, mas sim de forma virtual. Isso acaba atrasando e dificultando um pouco mais o processo de empatia, afinidade e de afeto. Agora estamos no processo de testagem nas unidades. Tudo para mapear e analisar a possibilidade das visitas presenciais voltarem a acontecer", afirmou Cristina.