Com filas de espera, demora no atendimento gera reclamações nos Caps em Fortaleza

A sobrecarga na demanda dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) tem levado a meses de espera por uma consulta com psiquiatras nas unidades

Escrito por Redação ,
Legenda: Filas se formam quase diariamente na entrada do Caps II, localizado no bairro Bom Jardim.
Foto: Helene Santos

A busca por atendimento em saúde mental na rede pública de Fortaleza é confrontada por desafios diários. A Capital conta com 15 Centros de Atenção Psicossocial (Caps), sendo seis deles Gerais – voltados a pacientes com sofrimentos psíquicos ou transtornos mentais severos e persistentes –, sete Caps Álcool e Drogas (AD), para usuários que enfrentam à dependência de substâncias psicoativas, e dois infantis. A rede enfrenta, contudo, um cenário de sobrecarga.

A atual situação do Caps II, por exemplo, localizado no bairro Bom Jardim, é de lentidão. De acordo com relatos ouvidos pelo Sistema Verdes Mares, a unidade não consegue atender nem um por cento da sua demanda por atendimento, que está em torno de 10 mil acompanhamentos.   

Pacientes e familiares dizem que por conta da falta de profissionais suficientes, e com a restrição de apenas oito senhas cedidas diariamente pela equipe, precisam chegar à unidade ainda de madrugada para agendar acompanhamento.

É o caso da manicure Luciana Rodrigues, que teve de fazer sacrifícios na rotina para tentar acolhimento na manhã desta segunda-feira (8). “Eu tenho que deixar minhas obrigações, duas crianças ‘de menor’, para procurar atendimento aqui. Só são oito fichas pela manhã. Tem mais de dez pessoas na minha frente”, relata.  

Não é a primeira vez que Luciana procura atendimento especializado na rede pública. Ela conta que foi “jogada de um lado para outro” em busca do serviço.

“A gente está igual uma ‘bola de pingue pongue’. Vai para um lado, vai para o outro. Fui no Hospital Mental e me disseram que eu tinha que vir no Caps. Fui no Caps, disseram que estava tendo médico. A gente fica sem saber para onde é que vai”, confessa.  

Releuda Alves também esteve no Caps Bom Jardim mais cedo. Ela, que busca marcar atendimento para o filho com esquizofrenia, elenca o perigo de sair de casa para madrugar na unidade. “É realmente muito perigoso. Muito assalto”, conta.

À espera do acolhimento, Releuda relembra a rotina de atendimento do filho e diz que a tendência a chegar mais cedo é frequente. “Ele se trata aqui há vários anos. Pelo acolhimento tem que vir cedo. Se não vir, são oito fichas e você não encontra mais. Porque ele está sem o medicamento é justamente tem que vir para o acolhimento passar pelo enfermeiro e pela enfermeira”, elabora. 

Desassistência

Muitas histórias semelhantes já foram ouvidas por Crispim Alves, 62. O artista plástico é usuário do Caps da Regional IV desde 2007, e lembra que o tratamento humanizado que recebeu na época foi decisivo para seu processo de recuperação, através do acompanhamento psicológico e da terapia ocupacional. Hoje, porém, ele aponta o que considera um “retrocesso” nas unidades. 

“Sucatearam o serviço Caps. Até um tempo atrás, eles funcionavam, atendiam a demanda, tinham grupos terapêuticos. Hoje, não se tem mais isso. A equipe de funcionários é insuficiente pra atender à demanda das pessoas que procuram. Em todas as unidades de serviço existe fila de espera, tanto pra psiquiatra como pra psicólogo e terapeuta”, denuncia. “Tem usuário que passa às vezes seis meses até um ano sem ver o psiquiatra. E isso não é legal”. 

Legenda: Pacientes e familiares relatam que precisam chegar à unidade ainda de madrugada para agendar acompanhamento.
Foto: Helene Santos

Na visão de Fábio Gomes, psiquiatra do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), o cenário se traduz em uma desassistência em relação à saúde mental na cidade. Segundo ele, é necessária uma reestruturação da rede a fim de atender à demanda de maneira adequada. 

“Não é por má vontade que a consulta no Caps é marcada pra daqui a quatro meses. Mas as doenças não esperam esse tempo. Aí chega a Covid-19, que aumenta o nível de estresse coletivo da população. Isso deságua num sistema totalmente esgotado”, avalia. 

Como exemplo, o psiquiatra cita que não há psiquiatras nas emergências gerais dos hospitais, o que ele caracteriza como indicador de um sistema insuficiente. “Existe todo esse sistema social extremamente discriminador com os pacientes que têm transtorno mental. São desassistidos, e não existe uma proposta de dar uma assistência de qualidade. Pra isso, teria que multiplicar por 10 a quantidade de Caps. É um quadro absolutamente dramático e trágico o de assistência à saúde mental na cidade de Fortaleza”, lamenta. 

Agendamentos

A situação narrada por usuários e familiares em comum difere do que é descrito pela gestão. O gerente da Célula de Saúde Mental da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), Arildo Lima, garante que não há distribuição de senhas em nenhuma das unidades da rede de Caps. Ele detalha que os pacientes podem chegar após serem encaminhados pela Atenção Primária, via postos de saúde, ou podem procurar diretamente o Caps, que é um serviço de porta aberta.  

“Chegando lá, ele é acolhido por um profissional do equipamento. Esse profissional identifica a demanda dele, direciona e agenda, seja para psicólogo ou psiquiatra. Nenhuma unidade trabalha com distribuição de senha”, afirma.

Ele explica que embora as agendas dos trabalhadores da saúde nos Caps sejam lotadas para consultas eletivas e de acompanhamento, são garantidos horários vagos para atender a possíveis casos de urgência. "Se o paciente chegou e está com estado depressivo avançado, com pensamento suicida, esse paciente tem que ser atendido no mesmo dia pelo psiquiatra. E nossos profissionais sabem disso".

Segundo Lima, a rede conta com 37 psiquiatras distribuídos entre os 15 Centros. “A pessoa pode não conseguir passar pelo psiquiatra no mesmo dia, mas ela já sai agendada. E esse agendamento, em média não tem demorado”, diz. Ele admite, porém, que a o atendimento à demanda não acontece da forma "idealizada".

"Mas estamos procurando, através de cooperativas, pensando em outras formas de contratualização pra gente aumentar o número de profissionais médicas, principalmente psiquiatras. Existe uma previsão bem otimista de conseguir já em março aumentar a quantidade de profissionais dentro da nossa rede Caps. Os psiquiatras concursados do cadastro de reserva já foram todos chamados", conta.

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