Centro de Fortaleza ganha 377 moradias nos últimos cinco anos

A ocupação residencial do bairro cresceu desde 2016, ainda que de forma lenta. Moradores e geógrafo avaliam que, para retomada mais intensa desse uso, são necessários incentivos para atrair mais empreendimentos.

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Raimundo Lopes mora no bairro há quase 50 anos e não pretende trocar de endereço.
Foto: Fabiane de Paula

O comerciante Raimundo Lopes, 58, lembra bem quando chegou ao Centro de Fortaleza: o ano era 1975, e o adolescente de Senador Pompeu, cidade a cerca de 270 quilômetros da Capital, chegou para estudar. Já se vão 46 anos vivendo no mesmo bairro, e ainda contando, porque ele não pretende sair de lá.

“Pra mim, ainda é o melhor lugar. Já vi gente se mudar para canto mais chique, mas não tenho essa besteira”, sentencia o comerciante Raimundo Lopes, vendo o movimento de pessoas e veículos na Rua Padre Mororó.

Acostumado a receber milhões de passos todos os dias, contínuos na oferta e procura por comércio e serviços, o Centro ainda vê poucas pessoas dispostas a estabelecer residência no bairro.

No entanto, o cenário parece estar mudando paulatinamente, com a inclusão de 377 moradias no bairro, pelas contas da Prefeitura, nos últimos cinco anos. 

A pedido do Diário do Nordeste, a Secretaria Municipal de Finanças (Sefin) realizou um levantamento sobre a quantidade de imóveis residenciais ocupados a partir da cobrança do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).

Em 2016, o número de imóveis tributados no Centro era de 11.139. Em 2020, subiu para 11.516, representando um crescimento de 3,4% na modalidade domiciliar.

Vantagens e desvantagens

Moradores mais recentes que preferiram não se identificar, com menos de quatro anos na área, contaram à reportagem que escolheram o local pelas características já bem conhecidas: “tudo é perto”, os problemas podem ser resolvidos com mais rapidez e as ruas são mais tranquilas, “querendo ou não”.

Mesmo assim, dezenas ou centenas de fachadas de imóveis exibem placas de “vende-se” ou “aluga-se”. Isso sem contar aqueles abandonados às ruínas.

Raimundo Lopes confirma que, até o início dos anos 2000, o Centro era “mais calmo”. Com a expansão de empreendimentos comerciais, o único problema que ele enxerga na região ganhou mais espaço: a insegurança. O fenômeno, observa o comerciante, também impediu a renovação etária da comunidade.

Legenda: Ruas do bairro ostentam prédios nas mais diversas condições: dos precários aos restaurados.
Foto: Fabiane de Paula

“Muita gente saiu daqui, mas também tinha gente de idade que os filhos não quiseram ficar nas casas e venderam, passaram para ponto comercial. Aqui na vila, é gente de mais idade. Acho que o idoso não quer sair do canto dele. Antigamente tinha mais criança e jovem. Em 1975, quando cheguei, tinha umas 20. Hoje, não tem 10”, considera.

Plano de retomada

O Centro ocupa a 29ª posição em população entre os 121 bairros de Fortaleza, de acordo com levantamentos da Secretaria Municipal da Saúde (SMS).

Nos boletins epidemiológicos atuais da Pasta, o número oscila em torno dos 30 mil habitantes, superior aos 28,5 mil residentes de domicílios particulares, em 2010, de acordo com o último Censo Demográfico do IBGE.

Há dois anos, em fevereiro de 2019, a Prefeitura lançou a Pesquisa de Interesse Habitacional no Centro de Fortaleza para ter dimensão da quantidade de munícipes motivados a residir nessa área da Capital.

A Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) informou que 2.272 pessoas sinalizaram interesse, a maioria com intenção de compra de imóvel.

Legenda: Moradores apontam a tranquilidade do bairro, em vias mais afastadas do comércio, como uma das vantagens para se habitar.
Foto: Fabiane de Paula

Conforme a Pasta, são estudadas possibilidades de incentivos municipais, como a isenção do IPTU, a utilização de Transferência do Direito de Construir e a Outorga Onerosa - concessão para que o proprietário edifique acima do limite permitido mediante contrapartida financeira -, bem como a aquisição de alguns imóveis através de aplicação de IPTU progressivo e de utilização compulsória. 

“Muito embora o advento da pandemia da Covid-19 tenha atrapalhado o avanço do debate estratégico, permanece a intenção de que as discussões sejam retomadas ainda neste ano”, destaca a Secretaria.

Mudança no perfil

José Borzacchiello da Silva, pós-doutor em Geografia Humana e docente da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que o Centro sofreu sucessivos “baques” e esvaziamentos desde a década de 1970.

Dentre eles, relata a transferência das sedes dos poderes Executivo estadual, Legislativo e Judiciário para outros bairros; a expansão do turismo na Beira-Mar e na Praia do Futuro; e a descentralização da atividade mercantil, com a construção de shoppings centers e de outros corredores comerciais.

Legenda: Algumas habitações do bairro com perfil residencial recebem, na verdade, atividade comercial.
Foto: Fabiane de Paula

Contudo, o especialista enfatiza que o Centro nunca foi uma região “morta”, mas “extremamente dinâmica” que foi abandonada pelas classes mais ricas e, hoje, recebe mais pessoas “da periferia, de bairros mais distantes e da Região Metropolitana”.

“Quando se fala em devolver o uso residencial, todo mundo fica comovido, mas é muito caro adaptar um imóvel antigo, considerando que muitos estão, até certo ponto, abandonados. O empreendedor interessado vai pensar se é melhor construir um novo”, pondera.

Estímulo

Da janela do apartamento onde vive, na Rua José Romero de Barros, dona Elerilda Quinto destrincha 16 anos de história no bairro. A idade não revela, mas garante que já passou dos 75, o suficiente para reparar que o bairro, aparentemente, congelou no tempo.

“Não fazem nada no Centro. O mesmo antigo é o mesmo de agora. Esse pessoal todo que mora aqui é de idade, que veio do interior e a vida toda ficou aqui”, garante.

Legenda: Dona Elerilda Quinto diz que só vai voltar a circular pelas ruas do bairro após a pandemia.
Foto: Fabiane de Paula

Para ela, as intervenções recentes em ruas e equipamentos públicos, como a revitalização do Parque das Crianças, são necessárias para dar uma nova roupagem à vizinhança. Prova disso é que o prédio onde mora, sem marcas de desgaste, não vive sem inquilinos.

“Se desocupar um, no outro dia já tá ocupado. Um prédio novo assim, no Centro da cidade, nem existe”, dispara. 

Assim como Raimundo Lopes, ela pondera que a violência urbana ainda é o principal gargalo para o desenvolvimento do bairro - muros inexistentes em outros tempos, por exemplo, precisaram ser erguidos. Apesar disso, a moradora afirma: “gosto de morar no Centro porque tudo é perto, tudo é lindo”.

Aproveitar as paisagens, porém, só vai ser possível depois da pandemia. “Não saio de jeito nenhum”, diz Elerilda.

"Novo Centro"

Para o professor Borzacchiello, também será preciso rever a situação dos “Centros” de todo o País após a pandemia, que esvaziou diversos espaços pela adoção do modelo home office.

Segundo ele, no caso de Fortaleza, a estrutura fundiária de lotes pequenos dificulta a construção de novos prédios, principalmente aqueles com garagens, bastante raros na área.

E, como já dito, a reforma dos antigos se torna onerosa. Portanto, a refuncionalização residencial do Centro deve passar por discussões e apoio dos governos, analisa.

A Habitafor reiterou que, por meio do trabalho desenvolvido no Comitê de Ação Novo Centro, que integra outros órgãos da Prefeitura e entidades da sociedade civil, busca “substanciar estratégias de ação para potencializar o uso do bairro com a maior infraestrutura da cidade e com maior acessibilidade de transporte, visando garantir o uso diuturno da área”.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.