Centrar o atendimento no que é mais valioso para o paciente: o cuidado

Em entrevista ao Diário do Nordeste, a médica Paola Tôrres fala sobre a necessidade de inserção de práticas integrativas no cuidado com o paciente em hospitais públicos e avalia essa situação no contexto da pandemia de Covid-19

Escrito por Luana Severo ,
Médica oncologista e professora universitária, Paola Tôrres é referência em medicina integrativa no Brasil.
Legenda: Médica oncologista e professora universitária, Paola Tôrres é referência em medicina integrativa no Brasil.
Foto: Divulgação

Paola Tôrres é médica oncologista, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade de Fortaleza (Unifor) e presidente do Instituto Roda da Vida. Ela é taxativa quando diz que “a coisa mais importante na medicina é a relação médico-paciente”. 

Natural de Gravatá, em Pernambuco, a médica, que é referência nacional em medicina integrativa, acredita que esse vínculo se estabelece não em exames de rotina ou na prescrição de medicamentos, mas no olhar, no toque, no momento em que “um ser humano reconhece a fragilidade do outro”.

Veja também

Neste momento de segunda onda da pandemia de Covid-19, ela apela aos colegas, profissionais da saúde, que, apesar do cansaço de atuar na linha de frente, “pensem na integralidade do cuidado” dos pacientes e os tratem com “humanidade, carinho e compaixão”, entendendo que a pandemia pode afetar a nós todos — inclusive, quem cuida. 

Diário do Nordeste - Estamos há um ano enfrentando uma pandemia sem precedentes e acompanhando emergências cada vez mais lotadas e leitos de enfermaria e UTI quase que totalmente ocupados. Como praticar a medicina integrativa num cenário de assistência hospitalar tão caótico?

Paola Tôrres - A medicina integrativa é mais do que uma especialidade médica, é uma forma de centrar o atendimento naquilo que é mais valioso para a pessoa que está doente, que é o cuidado. É uma medicina centrada na pessoa. Se a gente observar temporalmente, tudo o que foi dito em relação à pandemia, de medicamentos que eram efetivos e que depois não eram mais, de vacina que tem e que não tem, de procedimentos que são válidos e que não são mais, disso tudo, a única coisa que não caiu foi o cuidado que aquela pessoa necessita no momento em que está doente. Esse cuidado é o que mais está preocupando. Nesse momento, a gente está com escassez de pessoas que possam oferecer cuidado, não somente ao paciente, que está internado, mas, também, aos familiares que ficam do lado de fora, desesperados. A medicina integrativa tem o papel de dar suporte àquele paciente que não está entubado, que está em enfermaria. Entra aí meditação, meditação guiada, aromaterapia. Tudo isso ajuda bastante. O paciente da enfermaria precisa de suporte multidisciplinar e a medicina integrativa tem várias modalidades, que não somente ajudam ao paciente, mas também aos familiares, aos amigos e à população em geral. Numa pandemia, como o próprio nome está dizendo, é a sociedade inteira que está adoecida. Não é somente o paciente que se encontra num leito de hospital. É a gente que está em casa vendo tudo o que está acontecendo com os nossos amigos, é o medo que assola cada um de nós. E eu acho que todas as técnicas da medicina integrativa, como a ioga, a meditação guiada, a aromaterapia, as práticas alimentares, o manejo do estresse, podem ajudar todo mundo.

DN - São práticas, pelo que a senhora está falando, que não cabem somente ao profissional médico adotar. Como trabalhar isso, principalmente, em hospitais públicos? 

Paola - Não temos hospitais públicos no Brasil, salvo exceções em São Paulo, preparados com práticas integrativas e complementares. Apesar de termos uma política nacional, isso não foi abraçado pelas pelas secretarias municipais, pelas secretarias estaduais de saúde. Não temos nos hospitais profissionais contratados para dar esse suporte. E é praticamente impossível num momento como esse contratar esse tipo de profissional, porque não tínhamos, previamente, esse tipo de profissional dentro dos ambientes hospitalares. Temos algumas unidades básicas de saúde com rezadeiras, acupuntura, auriculoterapia, mas isso é pouco comparado ao tanto de pessoas que precisam desse tipo de atenção. Não vejo o nosso sistema público de saúde preparado para isso. Se tivéssemos uma equipe de terapeutas integrativos, com boa formação, reduziríamos demais a sobrecarga nos serviços de saúde. Porque poderíamos levar isso de dentro das equipes de Saúde da Família para os lares. É como eu sempre digo: a gente deve aprender a nadar antes de cair no rio. A gente deve se preparar. Ninguém corre maratona sem estar preparado. São anos de preparação. Tenho um amigo médico, o Drauzio Varella, que diz: “Eu corro maratona porque me força a correr todo dia”. Então, a gente não deveria esperar uma pandemia para se preparar para um cenário adverso. Até porque todos os nossos cenários são muito adversos. O tempo inteiro a gente está lidando com muita coisa, com patologias como dengue, câncer, tudo. Agora, é lógico que nada é comparado a essa pandemia. O caos no sistema de saúde que a gente está vivendo é sem precedentes. 

DN - Pode não ter mudado o cenário, porque não houve preparação suficiente, mas a pandemia potencializou a necessidade de se dialogar e inserir esses processos integrativos nos hospitais?

Paola - Potencializou. Mais pessoas têm me procurado para conversar sobre isso, mais pessoas têm se interessado, por exemplo, por cuidados paliativos. Acho que tudo isso o que a gente tem vivenciado deu uma sacudida não somente no sistema de saúde, nos profissionais, mas, também, na sociedade. Por exemplo, logo no começo da pandemia, lá no Instituto Roda da Vida, fizemos uma cartilha de cuidados diários. Cuidados simples como acordar e fazer um exercício físico em casa, um alongamento. A gente continuou fazendo ioga online, meditação, biodança, rodas de conversa, de cantoria, porque tudo isso faz parte da abordagem centrada na pessoa. Até porque quem vence a doença é a pessoa. E a pessoa que está doente tem familiares, tem sentimento, tem afetos, tem um trabalho, ela não tem só a doença. Então, quanto mais você tira o foco da pessoa, divide, menos ela se centra na doença. Não que não precise focar na doença, precisa, sim, mas não somente.

DN - O distanciamento físico necessário entre o paciente que está internado e seus familiares prejudica um atendimento mais humanizado, integral? Como médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde podem agir diante dessas pessoas e enquanto mediadores do contato entre elas e as famílias?

Paola - Prejudica bastante. Até porque a gente acaba não tendo profissionais suficientes para cobrir todas as necessidades. O ideal seria que você pegasse um paciente daquele, conversasse, possibilitasse que ele, por meio de um aparelho virtual, um smartphone, pudesse, pelo menos, olhar para os familiares dele. Mas, num momento como esse que a gente está vivendo, não tem essa disponibilidade de pessoal. As pessoas estão sobrecarregadas e exaustas. A gente achava que a pandemia ia durar um, dois, três meses. E a gente já está há um ano, com um pico (de casos) que está se elevando. Como fazer isso? Como ajudar? Minha proposta é que se tenha um momento antes de todo mundo entrar, pequenos minutos, pode parecer perda de tempo, mas que são preciosos, para que as pessoas (os profissionais) façam uma reflexão sobre aquilo que vão enfrentar dentro daquele ambiente. Foquem, apertem as mãos, olhem nos olhos. Quem tiver algum tipo de espiritualidade ou religião, faça uma oração, para entrar naquele ambiente mais fortalecido, certo de que está ali para beneficiar. E, ao final do expediente, ideal seria que pudesse ser oferecida uma massagem para cada um, simples, para distensionar. Porque muitos, às vezes, saem de um plantão e emendam em outro. Fica uma loucura para os profissionais da saúde. A gente tem trabalhado 16, 18 horas por dia.

DN - Além dos infectados pelo novo coronavírus, há ainda os pacientes que necessitam dos serviços de saúde e que, devido à pandemia e à suspensão de consultas e cirurgias eletivas, por exemplo, deixam de ser atendidos. Como manter o cuidado e a atenção a essas pessoas? O programa de Saúde da Família deveria ser fortalecido?

Paola - Existe um núcleo que dou apoio na Secretaria da Saúde (Sesa), da atenção básica, que a gente está fortalecendo muito a telesaúde. São médicos que ficam em contato todo tempo com as equipes da atenção básica, por especialidade, hematologia, neuro, otorrino, pneumo, caçando casos mais graves. Agora mesmo eu estava falando pelo Whatsapp com uma jovem médica que estava no Interior atendendo uma senhora de 81 anos com deficiência de vitamina B2. Eu estava ajudando, orientando. Assim que a gente está fazendo. Então, com certeza, é utilizar os mecanismos, principalmente da telesaúde, fortalecer o elo com a atenção básica e introduzir, também, as práticas integrativas e complementares, que podem ajudar muito.

DN - Essa distância física da telesaúde não pode promover uma frieza no contato do médico com o paciente? 

Paola - Com certeza promove distanciamento. Não é a melhor opção. Seria muito melhor que entrasse em contato com o médico, fosse examinado presencialmente. Mas, neste momento de pandemia, é melhor esse tipo de interação do que nenhum.

Assuntos Relacionados