BRs que cortam Fortaleza estão entre as responsáveis por 30% da propagação da Covid no Brasil
Estudo analisou a difusão do vírus, e apontou que apesar da alta incidência em cidades como Fortaleza, viagens não essenciais por rodovias não foram impedidas
Quais os caminhos a Covid-19 percorreu até se espalhar nas 5,5 mil cidades do Brasil? Embora muitos aspectos da disseminação ainda sejam desconhecidos, um estudo brasileiro publicado, segunda-feira (21), na revista britânica Scientific Reports revela três principais fatores de espalhamento do vírus. Um deles, o tráfego em 26 rodovias federais que, segundo a pesquisa, são responsáveis por 30% da propagação da Covid no país. Três delas, as BRs 116, 222 e 020, cortam Fortaleza.
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Conforme o artigo, produzido pelos pesquisadores brasileiros Miguel Nicolelis, Rafael Raimundo, Pedro Peixoto e Cecília Andreazzi, apesar de os aeroportos internacionais - como o de Fortaleza - terem sido os principais pontos de entrada para o novo coronavírus no Brasil, foi possível constatar, por meio da análise de dados, que o tráfego nas rodovias também influenciou, no estágio inicial da pandemia, a rápida disseminação da Covid.
Outro ponto evidenciado na pesquisa é a dinâmica nas cidades chamadas “super espalhadoras” do vírus, sendo Fortaleza uma das 17 capitais classificadas com esse status, e ainda a distribuição desigual dos recursos de saúde nas diversas regiões do país.
Cidades espalhadoras
A cidade de São Paulo, apontam os dados de mobilidade urbana avaliados e apresentados no artigo, durante as primeiras três semanas da pandemia, foi responsável pela disseminação de mais de 85% dos casos que se espalharam pelo Brasil. Após isso, no período inicial da pandemia, a transmissão comunitária da Covid se estabeleceu em outras 16 cidades "super espalhadoras".
Além de Fortaleza e São Paulo, integram a lista: Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória, Recife, São Luís, João Pessoa, Porto Alegre, Curitiba, Brasília, Manaus, Belém, Curitiba, Brasília, Goiânia, Cuiabá e Campo Grande.
Juntas, essas capitais, estima a pesquisa, respondem pela disseminação de cerca de 98% dos casos Covid no Brasil nos três primeiros meses da pandemia.
Apesar da alta circulação do vírus nestas cidades, as viagens não essenciais nas rodovias brasileiras não foram impedidas. Ao seguirem, as BRs se tornaram rotas de dispersão do vírus e influenciaram a propagação da pandemia por milhares de municípios.
Rotas de propagação do coronavírus
No estudo, as estradas foram categorizadas de acordo com a tipologia oficial: longitudinais - aquelas que cruzam o país de norte a sul, como a BR-116 (que passa pelo Sul e chega ao Nordeste, sendo uma das que corta Fortaleza); transversais - que cruzam o país de leste a oeste, como a BR-222 (também atravessa Fortaleza); diagonais; estradas de ligação - mais curtas que conectam as principais estradas federais; e estradas radiais - que partem de Brasília, como a BR-020 (que chega a Fortaleza).
No artigo, são consideradas como responsáveis por cerca de 30% da propagação de casos as seguintes rodovias: 020, 040, 050, 101, 116, 153, 156, 222, 226, 232, 272, 308, 316, 319, 324, 364, 374, 381, 401, 408, 425, 447, 448, 450, 460 e 465.
“A partir da fase inicial da epidemia (1º de abril), pode-se facilmente detectar a disseminação de casos de Covid em cidades cruzadas ou localizadas próximas às rotas de duas grandes rodovias longitudinais (BR 101 e BR 116) que vão do Rio Grande do Sul até os estados do litoral norte do Nordeste”, afirmam no artigo.
Para investigar o papel das rodovias no espalhamento dos casos, os pesquisadores construíram um modelo multilinear em nível para as cidades e as rodovias foram incluídas como variáveis. Nesse cálculo foi estabelecido um valor para as cidades cortadas por rodovias e outro para cidades nas quais as rodovias não atravessam.
Medidas necessárias
Na pesquisa, os cientistas ponderam que, naquela época, era necessário ter garantido um impedimento de acesso às capitais espalhadoras, restrições obrigatórias ao tráfego rodoviário, como bloqueios sanitários nas estradas e uma distribuição geográfica mais equitativa de leitos de UTI. Caso tais providências tivessem sido tomadas, o “impacto do Covid no Brasil seria significativamente menor”, aponta a pesquisa.
“Compreender a disseminação geográfica de doenças infecciosas transmitidas diretamente em regiões não infectadas exige que se foque em características humanas e de populações de patógenos, em vez de fatores ambientais, uma vez que as primeiras são as principais causas da invasão biológica,” dizem os cientista no artigo.
No caso específico das estradas, os pesquisadores apontam que o Governo Federal deveria ter assegurado “bloqueios de estradas para teste e detecção de viajantes infectados que chegam, bem como restrições ao tráfego não essencial” nas principais rodovias federais brasileiras. O tráfego não essencial inclui ônibus intermunicipais e interestaduais e automóveis particulares de passageiros.
Bloqueio de viagens
No Ceará, em março de 2020, como forma de tentar evitar a propagação do novo coronavírus no Estado, o Governo estadual interrompeu as viagens intermunicipais na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e no interior. Em junho de 2020, esses serviços foram retomados gradualmente.
Na segunda onda da pandemia, em fevereiro de 2021, o transporte intermunicipal de passageiros, individual ou coletivo foi novamente suspenso por um decreto estadual. Somente o transporte metropolitano foi mantido naquela época.
Além disso, tanto na primeira como na segunda onda, barreiras sanitárias foram feitas nas estradas da Região Metropolitana de Fortaleza e do interior do Ceará na tentativa de impedir a circulação desnecessária de pessoas.