Barracas abandonadas na Praia do Futuro sem prazo para remoção

Mesmo após decisão judicial que determina a remoção de estabelecimentos irregulares e a readequação dos demais, em abril de 2017, nada foi feito. A Praia do Futuro exibe equipamentos deterioradas sem prazo para regularização

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@diariodonordeste.com.br
Legenda: A batalha judicial mudou o cenário da Praia do Futuro. Estruturas de barracas em ruínas, somadas a outras que estão fechadas, lembram pouco os tempos áureos da região, até o início dos anos 2000, quando a União requereu a posse das terras
Foto: FOTO: CARLOS MARLON

Todos os dias, o quebrar das ondas na Praia do Futuro tanto atrai frequentadores quanto testemunha um velho impasse judicial que envolve os donos de barracas e a União, legalmente proprietária dos terrenos litorâneos. A discussão completa 14 anos em dezembro e, mesmo após decisão determinando a remoção de estabelecimentos irregulares e a readequação dos demais, em abril de 2017, ainda não tem prazo para ser concluída. Enquanto isso, empreendimentos abandonados são corroídos pelo tempo e pela maresia. O local que é turístico também passou a ser cenário de insegurança e descaso.

Há dois anos e meio, o Tribunal Federal da 5ª Região (TRF-5), em Recife, decidiu a derrubada de barracas sem documentação e a diminuição daquelas que extrapolaram a área de registro original. 

Em maio daquele ano, foi instituído o Fórum Permanente da Praia do Futuro, um espaço “de consensos”, nas palavras do procurador da República no Ceará, Alessander Sales, para discutir o melhor plano para a região. Porém, no decorrer das reuniões, o prazo de dois anos dado pelo TRF-5 para o cumprimento da sentença expirou.

Atualmente, o Termo de Referência que contempla as premissas para um futuro projeto urbanístico da Praia está sob análise na Advocacia Geral da União (AGU), segundo Sales, e deve ser remetido ao Fórum “brevemente”. Em nota, a AGU afirmou que a proposta também “será submetida à Procuradoria-Geral da União (PGU) para apreciação”. O documento, finalizado em abril deste ano (aniversário de dois anos da decisão judicial), foi elaborado com a participação de cerca de 25 instituições, públicas e privadas. 

Adesão

As linhas propõem que as barracas “sejam drasticamente diminuídas em tamanho”, ocupando área máxima de 1.500 m², dos quais apenas 40% podem conter área construída. Os 60% restantes deverão ser utilizados para a colocação de equipamentos móveis, como cadeiras e guarda-sóis, “que devem ser colocados e retirados todos os dias”. “O restante todo deve ser de praia livre. Achamos que, assim, estamos conciliando os interesses”, expõe o procurador.

O resultado do parecer da AGU será encaminhado ao Município de Fortaleza e ao Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) para a promoção de um concurso nacional de ideias, como aconteceu para o reordenamento da Avenida Beira-Mar. A presidente da Associação dos Empresários da Praia do Futuro (AEPF), Fátima Queiroz, confirma que o projeto deve ter adesão de “95% das barracas”.

“Uma ou outra talvez não queira se adequar e vai ficar no litígio, mas a expectativa é a melhor possível. É o caminho pra gente realmente definir, normatizar, criar regras e disciplina. Estamos bastante confiantes”, comenta.

Os empresários dispostos a aderir ao projeto deverão assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para adequar seus equipamentos ao que for definido no projeto, dentro do prazo estabelecido. “Aqueles que não quiserem aderir vão continuar na ação, mas não haverá mais concessão nenhuma ou qualquer negociação”, explica Alessander Sales. Por isso, conforme o procurador, há necessidade de se manter a discussão também no âmbito judicial.

Recursos

O TRF-5 informou que o processo da Praia do Futuro está na Vice-Presidência do órgão desde 21 de agosto, mas ainda não há prazo para a avaliação dos recursos especiais para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos recursos extraordinários para o Supremo Tribunal Federal (STF). Em momento oportuno, será analisado se os recursos, que partem tanto de comerciantes como do MPF e da União, atendem aos requisitos exigidos pelas cortes superiores. 

“O processo judicial continua tramitando normalmente, com a intenção da retirada total das barracas”, confirmou a AGU, reiterando possíveis flexibilizações por meio do Fórum. “No momento, os procedimentos caminham separados, podendo haver conexão no futuro”. Outro aspecto do imbróglio é uma Execução Provisória que tramita na 4ª Vara Federal no Ceará em relação à demolição das barracas abandonadas. Ainda em 2017, a Advocacia-Geral solicitou a destruição de 18 delas. “Não foram interpostos recursos no tocante à efetivação das remoções”, declarou a entidade.

Foto: FOTO: CARLOS MARLON

Ruínas

A reportagem do Sistema Verdes Mares percorreu a Avenida Clóvis Arrais Maia, na última sexta-feira, para verificar a situação das barracas enquanto aguardam o resultado dos debates. Foram identificadas pelo menos 54 em pleno funcionamento, e outras 12 com claros sinais de abandono. Mais sete estabelecimentos estavam em reforma, fechados ou com placas de “à venda”.

José Airton, que trabalha perto da Praia há 30 anos, quando perguntado sobre o abandono dos prédios, diz que perdeu as contas de há quanto tempo estão nessa situação. “Antigamente, era beleza. Hoje, não pode nem ficar por aqui muito tempo, senão tem assalto. A gente vem só passear com cachorro e é arriscado até voltar sem ele”.

Retomada

Segundo Airton, há pessoas desconhecidas que se escondem nas ruínas. No local, alguns objetos deram indícios de ocupação recente, como chinelos, um colchonete e camisinhas. “A gente sabe, mas e os turistas que vêm pra cá, que não conhecem nada?”, questiona. Durante a ronda, a reportagem constatou a presença de quatro núcleos da Polícia Militar do Ceará, com agentes a pé ou em viaturas.

Legenda: José Airton teme a presença de estranhos nas barracas desocupadas e possíveis assaltos na área
Foto: FOTO: FABIANE DE PAULA

Fátima Queiroz garante que há vontade de se retomar este trecho porque foi onde começou a atividade da Praia do Futuro e por ser a vitrine da área a partir da Avenida Abolição. “Ainda temos alguns resistentes por lá, mas a partir do momento que deixou fechada por muito tempo, surgiram invasões e isso ficou sem controle. É um setor que merece cuidado. Acredito que, até outubro, a gente tenha conhecimento das ações concretas”.

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