Bandas trazem releituras de sons regionais

Escrito por Redação ,

Na contramão do forró eletrônico, as bandas criam estilo próprio ao fazerem uma releitura de sons da rabeca, zabumba e sanfona

Pluralidade: Mestre de reisado, maracatus, violeiros e repentistas inspiram o som de raíz da Fulô da Aurora

Uma sanfona, um triângulo e uma zambumba, orquestrados por três instrumentistas devidamente caracterizados com roupas e  acessórios de couro, tocando um xote bem tradicional, bom para dançar colado. Esse é o conceito que se constrói no imaginário da maioria das pessoas quando o tema é música cearense, sempre tão relacionada com a cultura da sanfona forrozeira. E se não for xote, o eixo musical logo se encaminha para o forró eletrônico.
 
No meio desse cenário dominado por estilos tão consolidados e estereotipados, desponta uma nova geração de músicos, ou artistas musicais, numa definição mais ampla, que contempla todas as formas de apresentação e composição dessa animada turma.

Podem ser chamados de banda, grupo, trupe, ou até nem possuir definição precisa. Eles enxergam a cultura cearense, bem como o contexto brasileiro, a partir de uma nova perspectiva, traduzindo tudo isso em inéditas e ousadas composições.

Identidade: Os integrantes da Breculê nas buscam criar um estilo, mas elaborar sonoridade própria

Batidas de tambor misturadas à vibração da guitarra, que podem vir acompanhadas da sanfona ou do pífano. Esses acordes proporcionam quase uma sinestesia, porque permitem visualizar, por meio da música, a imagem de um sertão que tem muita beleza e história além do castigo da seca, um sertanejo que é mais do que um vaqueiro, um Ceará plural e moderno.

Esses novos músicos nos fazem não só sentir a cultura cearense,  mas, ao mesmo tempo, agir como criadores dela.

Do pífano à rabeca

Referência: A própria escolha do nome da banda Eletocactus expressa a mistura de estilos e culturas

A música não é apenas sonoridade, ela é vivida por um grupo de amigos, reunidos em nome da herança histórica dos mestres do interior cearense. Nascida da onda cultural que tomou conta do bairro Benfica por volta de 2003, a banda Fulô da Aurora traz, embalada pelo som da rabeca e do cavaco, as manifestações de reisado e bandas cabaçais.
  
Rodrigo Claudino, Samira Cardoso, Fabiano de Cristo, Lorena Chagas e Juliana Roza reuniam-se nas dependências da Universidade Federal do Ceará (UFC). Nas rodas de conversa, eram partilhadas as experiências e a paixão pelo folclore, até que os amigos decidiram viajar pelo Cariri, no Sul do Ceará. Segundo Fabiano, ?era um movimento de pesquisa, de vivências. Morávamos na casa dos mestres de maracatu e do reisado?.

Encantados com as melodias sertanejas, os jovens criaram, em 2006, a primeira banda de pífanos de Fortaleza, também conhecida como cabaçal. ?Estávamos tão cheios de cultura e histórias dos mestres do Cariri que tínhamos que achar algum jeito de transmitir, para as outras pessoas, tudo aquilo que aprendemos?, afirma Rodrigo. Ele insere na banda as notas do cavaco, influência das rodas de samba que participava na casa do avô.

O nome ?Fulô da Aurora? não poderia ter outra inspiração, senão o reisado, como revela Fabiano de Cristo: ?A derradeira peça cantada quando o reisado se apresenta em uma casa é assim: É fulô da aurora/ É fulô da aurora/ Deu de madrugada/ Meu reisado vai embora?. Para o som do pífano, a inspiração vem de mestres como os da banda cabaçal dos Irmãos Aniceto, do Crato.

Um ano após a formação com pífanos, a musicalidade ganhou expansão na Fulô da Aurora. ?Naquele momento, estávamos interessados em tocar além do cabaçal. Usar também nossas músicas autorais e incluir outros instrumentos, como a rabeca?, conta Fabiano. Foi a hora de reunir as composições, pesquisar repertórios e dar boas-vindas ao sexto integrante da Fulô, Raphael Bruno. Nessa época, começaram os trabalhos voltados para a gravação de discos. E nessa nova fase, as definições parecem limitadoras para a iniciativa sonora da banda. ?O nosso trabalho é bem inspirado na música nordestina de raiz, nos músicos que não estão no rádio, nos mestres de reisados, nos cocos, maracatus, violeiros, repentistas. Fazemos música nordestina?, atesta Fabiano.

Samba no lago

A brisa relaxante que circula pelos arredores do Lago Jacarey é, no mínimo, inspiradora de paixões, poemas, canções e também um bom samba. Foi nesse cenário que um grupo de amigos começou a se reunir, despretensiosamente, para tocar música brasileira, até que o gosto por essa sonoridade fez nascer a Breculê, banda cujo trabalho é dedicado à ?diversidade instrumental, rítmica, harmônica e poética dos sons do Brasil?, segundo consta na definição oficial do grupo.

O contato com a música começou ainda na época do colégio, no caso de Fábio Marques, 30 anos, Pedro Fonseca, 29, e Fabrício da Rocha, 27 anos. Após tocarem em bandas de rock colegiais, os três colegas não pensavam em formar um conjunto, porém não abriam mão da música.

?A gente se encontrava, estudava música, mas era sem compromisso, não existia banda?, lembra Pedro, que tem a voz embalada pelo som do inseparável violão. Depois de um tempo, os encontros musicais demoravam mais, acontecendo apenas no período de férias, quando Pedro vinha dos Estados Unidos, onde estudava música na Berklee College of Music. Nesse meio tempo, o grupo foi crescendo e dando espaço aos novos amigos, Túlio Bias, 28 anos, e Jordão Luz, 23. ?Em 2007, até nos apresentamos, tocando músicas de outros artistas, mas sem o nome Breculê?, conta Pedro.

O impulso para a oficialização da banda veio de muito longe, mais precisamente do Japão. A pianista clássica Yuiko Goto, amiga de Pedro, da época da faculdade, veio morar no Brasil quando o grupo começou a ensaiar regularmente, visando  apresentações nos palcos de Fortaleza.

?A banda já estava formada. O papel da Yuiko foi dar as rédeas para que finalizássemos o nosso produto?, afirma Fabrício. Transpondo comentários negativos que duvidavam da consistência da banda, a Breculê foi crescendo aos poucos e acumulando conquistas. Em 2010, lançou o primeiro CD no Theatro José de Alencar e se  apresentou  num festival internacional em Salvador.

Trompete, violão, baixo, percussões, bateria, além de sax, violino e até piano são alguns dos sons identificados na batida. ?A banda não tem uma identidade, mas, sim, sonoridades. Nos guiamos muito pelos ritmos populares, mas não nos prendemos a isso nem fazemos da forma tradicional?, explica Fábio, numa tentativa de verbalizar o som da Breculê. Com  cerca de 26 composições autorais pinceladas por diversas influências sonoras e poéticas, os integrantes experimentam e produzem por meio da linguagem musical. ?Não temos a pretensão de criar um estilo, mas ter estilo nas músicas que a gente faz?, diz Fábio.

Metal do sertão

Em uma frase certeira, o músico Gledson Rocha, 29 anos, lança uma definição para a Eletrocactus: ?É regional demais para ser rock, e pesado demais para ser regional?. A banda começou acidentalmente e coleciona músicas e histórias há dez anos. Com início poético, a ideia foi gerada a partir de apresentação em um festival no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE).

A professora e escritora Gleucimar Rocha, 35 anos, resolveu apresentar seus poemas, marcados pelos temas sertanejos, musicados pelo violão do irmão, Gledson. A maneira diferenciada como a poetisa mostrou as composições rendeu-lhe convite para apresentação num festival de música independente na Capital.

A oportunidade de ter contato com um público maior fez com que Gleucimar e Gledson investissem em um arranjo mais trabalhado e convidassem alguns amigos, dando início ao Projeto Cactus. ?O show veio antes da banda, pois era mais um projeto mesmo. Ainda não sabíamos o que fazer direito?, lembra Roberto César Lima, 31 anos, que, junto de Wesdley Vasconcelos, 30, Marcelo Holanda, 22, e os irmãos Gledson e Gleucimar, integram a formação atual. A ideia de formar a banda amadureceu no fim de 2002, quando o grupo assumiu o nome Eletrocactus.

O próprio nome da banda já se refere à mistura de estilos e culturas. As letras têm o sertão retratado, mesclado às influências cariocas da principal compositora da banda, Gleucimar Rocha. No instrumental, a miscelânea também se faz presente. ?A gente tem a batida pesada, com guitarra distorcida, contudo o som é carregado de nordestinidade, com baião e maracatu?, diz Gledson. De Fagner a Ednardo, passando por Chico Science, até o blues e a música norte-americana, o local e o universal são bem representados.

?No começo, era algo meio forçado, ficávamos tentando encontrar semelhanças em ritmos diferentes, para tentar traçar uma linha de composição artística. Mas, hoje, quando a gente pega o violão ou a guitarra, acaba saindo algo que é meio rock, meio baião?, revela Wesdley. O estilo peculiar causa certo estranhamento ao primeiro contato com o público, mas logo ganha lugar no gosto dos entusiastas da música.

Teatro musicado

Além de deleite para os ouvidos, a música pode ser uma experiência visual. É nessa linha que se desenvolve o trabalho do grupo Dona Zefinha, o qual reúne música, texto, encenação e coreografia para entitular-se como banda performática. Mas esse propósito não foi assumido pelos integrantes do grupo desde a formação inicial.

Tudo começou no município de Itapipoca, na década de 1990, quando a Trupe Metamorfose, liderada pelos irmãos Orlângelo Leal, 37 anos, Ângelo Márcio, 32, e Paulo Orlando, 30 anos, atuava como palhaços nos espaços da cidade. ?A gente sempre compôs as músicas e construía os textos das encenações, isso nos caracteriza desde o início?, conta Orlângelo.

Já nos anos 2000, mais pessoas se integraram à trupe, trazendo outros instrumentos e incrementando os espetáculos cenomusicais realizados pela equipe. ?Nós éramos um grupo teatral que trabalhava com música, então percebemos que essas composições formavam um repertório, e tivemos a ideia de tocar essas músicas em um palco, no formato de banda?, explica Orlângelo.

Nesse contexto, surgiu a Dona Zefinha, cujo nome foi inspirado na cuidadora dos irmãos Orlângelo, Ângelo e Paulo Orlando, personagem muito presente na infância deles e que remete ao cenário cultural da região do Cariri. ?Nossos pais são de Juazeiro, e foi naquela região que tivemos contato com a cultura tradicional popular?, lembra Orlângelo.

Além dos irmãos que compunham a trupe, a Dona Zefinha acolhe, em sua formação, os músicos Vanildo Franco, Maninho, Joélia Braga, Wagner Ferreira e Samuel Furtado. As manifestações circenses, bem como o estilo de Jerry Lewis e Charles Chaplin, são influências cômicas que figuram nas apresentações da Dona Zefinha.

Somada a isso, vem a bagagem da cultura brasileira, perpassando a música nacional de raiz, especialmente das áreas rurais, onde estão os cocos, maracatus e emboladas, até as manifestações mais contemporâneas. Tudo isso, sem esquecer os elementos da cultura universal. ?Definir um ritmo, uma batida, um estilo, isso vai ser muito difícil, porque sempre vão ter coisas diferentes entrando nas nossas produções?, reflete Ângelo.

Banjo, pífano, marimbal, trompete, bateria e metais dão o tom das performances do grupo, sempre coloridas com um figurino bastante original e passos de coreografias ensaiadas. ?A fusão de tudo isso dá uma timbragem muito peculiar, e isso é que gera Dona Zefinha?, define Paulo Orlando.

A música executada pela Dona Zefinha transpôs o cenário artístico e se estendeu ao meio social. Em 2008, surgiu a Casa de Teatro Dona Zefinha, um minicentro cultural que abriga todo o trabalho da banda, além de proporcionar atividades de formação para os moradores do município de Itapipoca, no litoral Oeste do Ceará.  ?O objetivo da casa é realizar atividades voltadas para o teatro e a música, além de trazer grupos de outros locais para mobilizar a nossa comunidade?, explica Paulo Orlando.

O grupo se orgulha do direcionamento cultural que segue. ?Fugimos dos estereótipos e somos muito bem recebidos por tentar mostrar a cultura brasileira de outra forma?, completa Ângelo.


Mais informações

Fulô da Aurora - http://fulodaaurora.com.br/

Breculê - http://www.brecule.com.br/wordpress/

Eletrocactus - http://www.eletrocactus.com/

Dona Zefinha - http://www.donazefinha.com.br/

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