Umbanda e Candomblé: mulheres se fortalecem como lideranças nas religiões

A resistência deve ser diária e em dose dupla: além de enfrentar o machismo, obstáculo intrínseco ao ser mulher, líderes religiosas precisam contornar a intolerância e as discriminações pela fé ligada às raízes africanas

Um colar de "contas" (aquelas pedrinhas coloridas), uma saia rodada e um turbante branco na cabeça. Para quem escreve e quem lê estas linhas podem ser apenas acessórios: para elas, são símbolos de afirmação, resistência e valorização das raízes africanas. Se do lado de dentro da Umbanda e do Candomblé mulheres se firmam como lideranças e garantem o respeito fundamental que lhes é direito, "fora" das religiões a luta contra discriminação é diária - mas é no sagrado que elas encontram força contra os insistentes machismo e intolerância.

Em um Estado cujos 66% da população, segundo o Instituto Opnus, seguem o catolicismo herdado dos europeus, o olhar comum sobre religiões com raízes fincadas na África vem carregado de estereótipos, ignorância e racismo. Foi assim desde que a umbandista Tecla de Oliveira, 54, tinha 5 anos de idade - época em que cultuava a religião com a família "dentro da mata, porque era proibido". "Nos anos 1960, era 100% de intolerância religiosa. Hoje ainda tem, mas bem menos", compara.

Nós, mulheres, já somos muito discriminadas - então, na religião, acolhemos umas às outras."

Apesar do solo pedregoso, as bases da Umbanda no Ceará se firmaram - processo conduzido por uma mulher. "Foi mãe Júlia a precursora da religião aqui no Estado. Quando ela morreu, foi fundada a União Espírita Cearense de Umbanda. A presidente, hoje, é mãe Suzana, aos 85 anos; e eu sou a vice-presidente", declara Tecla, que preside também o Maracatu Filhos de Yemanjá - cujo tema do desfile na Av. Domingos Olímpio, neste ano, foi "Yemanjá, protegei e acolhei tuas filhas, guerreiras da Penha."

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Energia

As forças do sagrado e da essência da mulher também se encontram para tecer a história de Ângela Ty Osun, mãe de santo da Umbanda há 25 dos 45 anos de vida e praticante também do Candomblé há 12. No último mês de novembro, porém, foi que veio o título de ialorixá - o maior cargo dentro de uma casa candomblecista. "Ialorixá é quem delega tudo. Me sinto muito, muito valorizada. No candomblé, certas atividades só mulheres podem fazer, como as comidas dos santos. É um privilégio. Somos até mais respeitadas por sermos mulheres", relata Ângela, apesar de reconhecer os insistentes obstáculos.

Nossa religião é muito frequentada por mulheres. Tem as que vêm na minha casa escondidas, porque o marido não gosta.”

"O homem não aceita ser mandado pela mulher. Na casa do meu pai (de santo), eu ocupo uma posição alta, e sou respeitada. Mas em certas casas, o homem rejeita a mulher. Mas precisa aceitar, porque existe uma hierarquia", sentencia. O machismo estrutural e as situações de discriminação fora dos ambientes sagrados também se acumulam. "Nas idas ao Centro de Fortaleza, sempre acontece olhar torto. Eu gosto muito de sair à vontade, de usar meu turbante, meu cordão de contas - eu me identifico mesmo com isso. Mas as pessoas julgam", lamenta Ângela.

Respeito

Se, por um lado, ensinar a alguém sobre a obrigação óbvia de respeitar a diversidade e as singularidades é cansativo, pelo outro, é necessário - e a ialorixá faz questão. "As pessoas que procuram a umbanda e o candomblé precisam fazer isso com o coração. A espiritualidade é uma coisa muito boa de qualquer forma. A nossa religião não é só busca por dinheiro e crescimento - é educação espiritual. É sobre união, respeitar o outro, aprender o que é realmente ser filho de santo", ensina, resumindo os motivos pelos quais o sagrado é, desde sempre, "suporte" para ela, a companheira e os filhos.

60 denúncias
O número de casos de discriminação por religião no Ceará, possivelmente subestimado, foi registrado pelo Disque 100 entre 2012 e o primeiro semestre de 2018. Do total, 22 denúncias (37%) foram feitas por mulheres.

Diferenças

Na Umbanda, é Saravá. No Candomblé, é axé. Apesar de confundidas, a primeira religião é de raiz afrobrasileira, fruto da mistura de índio, branco e negro; a segunda, africana. Mas como resume mãe Ângela Ty Osun, “Umbanda e Candomblé só se aprende praticando”. As diferenças também aparecem nos papéis das mulheres dentro dos ritos. “O candomblé é bem mais puxado, porque temos que cozinhar a comida de santo, tem as matanças para os Orixás, as iniciações de iaôs... Já na umbanda, são poucas comidas, existe a nossa incorporação de entidades. São energias diferentes”.