Centro abriga 60% dos tombamentos provisórios de Fortaleza

Imóveis aguardam reconhecimento público de valores históricos e culturais, mas já possuem garantias para a conservação da estrutura. Para especialistas, sociedade ainda precisa de informações sobre relevância dos prédios

O palacete construído às margens do Rio Pajeú, em 1830, foi residência de Joaquim Inácio da Costa Miranda, pintor de destaque nacional, além de sede do Hotel Avenida, da Câmara de Vereadores e da Prefeitura de Fortaleza. Às histórias abrigadas pelo imóvel, soma-se um incêndio que destruiu o seu interior na Capital cearense de 2020, com uso comercial, em que se evidencia a necessidade de manutenção dos prédios de valor histórico ainda sem tombamento definitivo. Como o Casarão dos Fabricantes, nome pelo qual é conhecido, existem 33 propriedades tombadas provisoriamente no Centro de Fortaleza, 61% dos 54 espaços em análise na cidade pela esfera municipal, como registra a Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza (Secultfor).

São locais como a Casa Frei Tito de Alencar, o Hotel Excelsior, o Conjunto Educacional do Centro, a Escola Jesus Maria José, os colégios Justiniano de Serpa e Imaculada Conceição, a Igreja Pequeno Grande, as Caixas D'água da Faculdade de Direito e o Colégio Liceu do Ceará.

"A população de Fortaleza circula por esses espaços; o próprio Casarão era um espaço de grande circulação, mas nós temos de nos perguntar: será que as pessoas se dão conta da história dessas edificações, da importância simbólica desses espaços para nossa memória?", questiona o professor Willams Lopes, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC).

As incertezas sobre o tombamento dos prédios também se acumulam com o tempo. Há 14 anos imóveis como o Lord Hotel, a Escola de Música Luís Assunção, o Bar Avião e a Casa da Câmara da Villa de Arronches e Intendência Municipal da Villa de Porangaba aguardam o título definitivo. Mesmo com o tombamento provisório, há garantias para a preservação do bem em questão, como explica o coordenador da Coordenação do Patrimônio Histórico-Cultural (CPHC) da Secultfor, Davi Medeiros. "A situação de um bem que está em análise de tombamento provisório se assemelha ao tombamento definitivo no que se refere à preservação do bem, de modo que toda e qualquer ação, ainda em caráter provisório, deve passar pelo crivo da CPHC da Secultfor". O Casarão dos Fabricantes, por exemplo, era tombado nessa modalidade desde setembro de 2018.

Sob responsabilidade do município, a CPCH ressalta que não há um prazo determinado por lei para o tombamento definitivo e que o processo exige pesquisas históricas e arquitetônicas. "Atualmente, os estudos seguem ordem de uma fila de processos em análise, que são, progressivamente, analisados pelo corpo técnico da Secultfor. Para dar maior celeridade ao fluxo dos processos, está sendo desenvolvida uma metodologia de avaliação do Patrimônio Cultural que terá como finalidade auxiliar no desenvolvimento e agregar um caráter mais objetivo aos estudos. Além disso, houve recente contratação de empresa especializada para auxiliar na regularização dos processos do Município", acrescenta Davi Medeiros.

Na análise de Willams Lopes há a necessidade de reforçar equipes dedicadas exclusivamente para ações de valorização e monitoramento destes bens históricos, além de informar à sociedade cearense sobre a relevância dos imóveis. "O que aconteceu com o Casarão dos Fabricantes mostra que o tombamento é um recurso importante, mas ainda insuficiente se não for acompanhado de ações que visam a manutenção e a conservação. Mostra também a necessidade de mais investimentos em políticas voltadas para valorização dos bens históricos e culturais", destaca.

Patrimônio

Além dos 54 prédios em análise pela Secultfor, outros quatro imóveis e acervos na capital aguardam análise do pedido para tombamento a nível federal, feitos ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan): o Farol do Mucuripe, Acervo do Museu de Arte da UFC (Mauc), Naútico Atlético Cearense e a sede do Grupo J. Macedo S/A.

O Instituto informou, por nota, haver 24 processos para tombamento do Estado. "Cerca da metade foi solicitada nos últimos cinco anos, prazo regular previsto na carta de serviço do Iphan ao cidadão. Os demais, são pedidos que, por conta de dificuldades, como a falta de pessoal, ainda estão em fase de estudos", pondera.

Como forma de reduzir o período de análise dos pedidos de tombamento, ressalta a nota, o Iphan descentraliza as "instruções" desde 2012 e teve reforço na equipe com a chegada de novos funcionários públicos no último ano.A Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult CE) não possui pedidos de tombamentos na Capital.

Fiscalização

De acordo com a Secultfor, são feitas visitas técnicas aos imóveis com tombamento para diagnóstico de possíveis danos ou necessidade de reparos indicado aos proprietários como cumprimento da legislação do Patrimônio, Lei 9.347/2008. Em conjunto com a Agência de Fiscalização do Município de Fortaleza (Agefis), também são feitas averiguações nos bens de Patrimônio Cultural na cidade.

Para os reparos no Casarão dos Fabricantes, devido ao tombamento provisório, será necessária a aprovação do projeto pela Coordenação do Patrimônio, e o descumprimento pode gerar punições previstas em lei. Todavia, não há restrições do uso dos prédios reconhecidos junto ao órgão, como pontua o coordenador Davi Medeiros.

"O principal objetivo é que haja uso do imóvel, visto que o patrimônio nos auxilia a entrar em contato com a nossa própria história, tal qual acontece no Passeio Público, no Mercado dos Pinhões, no Teatro São José, na Casa do Barão de Camocim, bem como muitos outros bens tombados pelo Município. Exceto o Casarão dos Fabricantes, atualmente não há nenhuma edificação em Fortaleza, com tombamento definitivo ou em análise de tombamento, com perfil de uso de comércio varejista", explica.

A concentração destes imóveis no Centro da cidade ajuda a aproximar as pessoas do patrimônio público e desperta a necessidade de atenção especial. O sociólogo Willams Lopes conclui que "esses bens são representativos da memória coletiva de uma parte significativa da sociedade".

"O Casarão dos Fabricantes é uma edificação que possui essas características, além de ser um edifício antigo, da primeira metade do século XIX, e a sua relevância se amplia quando olhamos o prédio à sua volta. Como a Catedral, o Forte, o Palácio do Bispo, o Bosque Pajeú, todos situados no Centro. É importante destacar que esse tombamento é um recurso que reconhece as características e relevância desse imóvel, mas ao mesmo tempo contribui para a valorização e preservação", indica.