78% dos professores da rede estadual afirmam ter a saúde prejudicada na pandemia, aponta pesquisa
Levantamento com 281 docentes da rede básica do Estado observou que 74,7% relataram problemas de saúde mental
Uma pesquisa realizada no Ceará apontou que 78,6% dos professores da rede básica estadual tiveram a saúde prejudicada pelas aulas remotas. O percentual foi levantado pelos doutores em sociologia e professores da rede, Márcio Pessoa e Manoel Moreira de Sousa Neto. Segundo a pesquisa, que ouviu 281 docentes do Estado entre abril e maio deste ano, a maior parte dos adoecimentos relatados foi relacionada à saúde mental (74,7%), seguida de problemas na coluna, nas pernas ou no pé (70,1%) e na visão (69,7%).
Dos que buscaram tratamento para o adoecimento mental, ainda conforme o relatório, 34,2% informaram ter recorrido a meios não medicamentosos e 26,3% precisaram de remédios.
Já quanto ao vínculo empregatício, a maior parte dos que relataram ter a saúde afetada pelo ensino remoto era de professores temporários (83,5%) e do gênero feminino (86,3%).
Márcio Pessoa, que também é pesquisador da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern), diz que entende que a prioridade do Estado é garantir aos estudantes as condições adequadas para acompanhar as aulas remotas. No entanto, ele pontua que, nesse processo, os professores foram “simplesmente esquecidos em relação a apoio”.
“Se os professores adoecem mais, vão ter que protocolar mais licenças de saúde, mais atestados médicos. Tudo isso significa uma descontinuidade no trabalho”, resume o professor, cobrando que sejam tomadas medidas para evitar que esse adoecimento se aprofunde.
Problemas de saúde mental dobraram na pandemia
Pessoa conta que desde 2018 acompanha os processos de adoecimento docente e percebeu um aumento significativo da problemática em 2021. “Com a pandemia, o número de pessoas que acusam estar sofrendo de saúde mental [relacionados ao trabalho] praticamente dobrou, de cerca de 40% para 75%. Outro ponto que chamou muito a atenção foi a visão, que em 2018 sequer apareceu [dentre as características de adoecimento mais comuns]”, destaca.
Por outro lado, o pesquisador observa que queixas que antes da pandemia eram frequentes entre os professores, como problemas no ombro, na mão e no braço, bem como na garganta e nas cordas vocais, diminuíram. Muito pela redução do uso da lousa e da necessidade de impostar a voz para ser ouvido por todos em sala de aula.
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Menos interação
Contudo, por mais que não precise mais falar alto, mudanças no comportamento dos estudantes nas aulas remotas têm feito com que um professor da rede básica no Litoral Leste do Estado, que preferiu não se identificar, passe a falar por mais tempo do que o usual.
dos professores ouvidos para a pesquisa afirmaram que nenhum aluno liga a câmera durante as aulas.
“Pelo [Google] Meet, a gente percebe quase uma aversão à interação, eles [alunos] se sentem mais acuados”, relata, contabilizando que costumava usar a voz na metade do tempo de aula, enquanto que, agora, é o tempo todo quase que falando sozinho. “Apesar de não precisar dar ‘aqueles gritos’, sinto que estou falando muito mais e terminando a aula mais desgastado”.
Além do desgaste com a voz, esse professor, que, atualmente, está enfrentando a Covid-19, disse que, no início das aulas remotas, em 2020, sofreu com episódios de insônia. E logo depois, por ter precisado interromper suas atividades físicas rotineiras como pedaladas e treinos de judô, ter mudado a rotina de trabalho para passar mais tempo sentado e ter passado a enfrentar tensões diárias, começou a sentir constantes dores nas costas.
Para melhorar, ele conta que tem praticado ioga e, antes da Covid-19, dependendo dos decretos de isolamento social, pedalava ao ar livre. “Isso facilitou para eu ter saúde, tanto mental quanto física”, acredita. Ele conta ainda que a escola deu aos professores o apoio que conseguiu. “A escola pensou: os alunos não estão dando conta e os professores, também”. Por isso, ele diz que diminuiu a quantidade de atividades semanais cobradas.
Dores no corpo e enxaqueca
Como 66,1% dos respondentes da pesquisa, a professora Juliane Alves Moreira, 37, também sofre constantes crises de enxaqueca que acredita terem relação com o aumento da demanda no trabalho e da exposição ao celular e à luz do computador. Além disso, ela relata inchaços nas pernas e nos pés, consequência de um problema de saúde genético e acelerado pelo desgaste físico das aulas remotas.
“A dor nas costas é muito nova. Tenho 15 anos de sala de aula e nunca senti dores na coluna. Mesmo em pé, mesmo de salto. Aliás, não é dor na coluna, é um peso mesmo nas costas, uma coisa insuportável. Não sei se é pelo tempo sentada planejando as coisas ou se é sequela da Covid-19”, conta a professora, que enfrentou a infecção em abril do ano passado.
Para diminuir o desgaste, ela faz acompanhamento médico e tem tentado soluções simples como alongamentos, meditações e cuidados com plantas e pets. Além disso, tem preferido deixar as demandas de mensagens crescerem para responder tudo de uma só vez. “Meu celular não para. Às vezes às 3 horas da manhã tem aluno me mandando mensagens, tirando dúvidas. Mas esse ano está um pouco mais equilibrado”, compartilha a docente.
Retorno seguro
Apesar de tanto desconforto, tanto Juliane quanto o professor que não quis se identificar só se sentem minimamente seguros para retornar às salas de aula quando a comunidade escolar for vacinada contra a Covid-19.
A educação é extremamente importante, já deveria ter entrado como serviço essencial há muito tempo. Já deveria ter entrado como grupo prioritário para ser vacinado. Acho que nenhum professor se sente confortável em estar dando essas aulas remotas. Não foi, não está sendo brincadeira. Não é confortável”
Além disso, o professor do Litoral Leste cita, ainda, que as escolas devem estar bem estruturadas para garantir um retorno seguro. E assume: “dificilmente a gente vai chegar num ponto que vai achar que vai estar bem [para voltar]”.
Apoio psicológico e formação socioemocional
Em nota, a Secretaria da Educação (Seduc) informou que desenvolve um trabalho de apoio aos profissionais da rede pública estadual, como encontros de gestores e coordenadores pedagógicos com psicólogos educacionais, por videoconferência. O órgão destacou ainda ações de formação socioemocional dos educadores uma plataforma para a interação e troca de experiências com outros professores
"A Seduc também está em processo de formação dos Círculos de Construção de Paz junto às Coordenadorias Regionais de Educação (Crede) e Superintendências das Escolas Estaduais de Fortaleza (Sefor). A partir desse momento, essa formação será levada aos professores, alunos e demais integrantes da comunidade escolar. Serão abordados temas como Justiça Restaurativa, Círculos de Paz nas Escolas, Cultura de Paz, entre outros", informou a Seduc.
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